ESPECIAL SWR: NERVOSA [entrevista]

Thrashada valente! «Downfall Of Mankind», o terceiro álbum das NERVOSA, confirmou a todo(a)s quantos ainda pudessem ter dúvidas que este trio de São Paulo é coisa séria na arte de misturar a velha guarda teutónica com a genética agressiva brasileira. Ainda mais determinadas e pungentes que nos dois anteriores trabalhos, estas mulheres aparecem em cada vez mais tours pelo globo e têm como arma um novo disco de fazer corar o mais intrépido dos thrashers. Falámos com a guitarrista Prika Amaral para perceber as razões deste pequeno fenómeno. E acreditem – o segredo está todo no espírito e na música.

A cada ano que passa, a cada novo lançamento, vocês parecem crescer sempre um pouco mais e vão ficando mais conhecidas, mundialmente. Tens essa noção?
Sim, posso considerar que somos uma banda muito sortuda. Claro, trabalhámos sempre muito, demos sempre o máximo mas, ao mesmo tempo, não nego que tivemos sorte, também. As coisas aconteceram muito rápido porque, mesmo antes de gravarmos a primeira demo, em 2012, já tínhamos contrato com a Napalm. Na verdade, a editora ajudou-nos sempre muito e, a cada disco que fazemos, eles trabalham cada vez mais connosco. Claro que tivemos algumas trocas de elementos, mas eu e a Fernanda [Lira, baixista/vocalista] sabemos bem o que queremos.

Vivem só de Nervosa, actualmente?
Hoje, totalmente. Temos até dificuldade em encontrar tempo para fazermos outras coisas, estamos o ano inteiro na estrada a tocar com a banda, é 24 horas por dia; costumo dizer que até em sonhos estou a resolver coisas das Nervosa. [risos] Fazemos isto porque gostamos, não é um trabalho que se faz por obrigação, é uma forma de arte, mas fazemo-lo com gosto porque, na verdade… é o que sabemos fazer.

O vosso thrash metal não é, propriamente, para meninos. [risos] Neste novo álbum, a Luana, a vossa nova baterista, até traz uma vertente meio death metal. Dentro do género, pode dizer-se que são extremas, partindo de uma base Destruction. Concordas?
Sim, porque não? A especialidade da Luana são os blastbeats, e ela vem dos Apophizys, que é uma banda de death metal. Isso agregou mais agressividade à banda, mas a nossa essência foi sempre, e sempre será, thrash metal. Este disco é mais extremo que os outros, também pela experiência que fomos adquirindo na estrada; quanto mais praticas, mais rápido consegues tocar e eu também gostei sempre de coisas bem pesadas, bem dark. Se me perguntares qual é a minha maior inspiração… é Slayer. É thrash, mas gosto como eles usam melodias macabras. E depois faço uma mistura à nossa maneira, dou umas aceleradas numas palhetadas, gosto muito de Behemoth, por exemplo, que também tem aquelas harmonias dark, Morbid Angel; acaba por ser muita coisa. Nos ritmos vem muito de Destruction, Sodom, Testament…

Até que ponto é que o importante legado da música pesada do Brasil tem, também, impacto nas Nervosa?
É
muito importante. Quando comecei a banda e pensei num nome, a minha maior inspiração foi Sepultura. Eles tinham um nome em português, que significava algo pesado e sinistro. Eu queria um nome que fosse feminino e português, apesar de cantarmos em inglês para que todos entendessem. Nesse aspecto, Nervosa foi totalmente baseado em Sepultura. Mas na música propriamente dita, Sepultura também nos influencia. É uma referência de toda uma geração nos anos 90. Assim como os Krisiun e os Ratos de Porão. As nossas letras mais políticas são muito inspiradas nos Ratos que, para mim, são uma banda fenomenal. Tem outras bandas como Sarcófago, Chakal, Executer, ou coisas mais novas como Lacerated And Carbonized; a cena brasileira é muito rica. Os grandes nomes não são apenas importantes aqui no Brasil, como no resto do mundo. É impossível não termos uma pontinha deles na nossa fundação.

No caso dos Ratos de Porão, há aqui a participação do João Gordo em «Cultura Do Estupro». Já é tradição vossa ter um tema em português em cada álbum e, este, saiu particularmente bem.
Isso foi fantástico porque surgiu quando a Fernanda foi a um concerto dos Ratos de Porão. Ela é amiga do João, encontraram-se no backstage e aí ele pergunta – “Quando é que vocês vão gravar um disco novo? Eu quero fazer uma participação!” Ela ficou – “Como assim?! Claro, óbvio que você pode! Deve!” [risos] Foi uma grande surpresa, porque tínhamos uma ideia parecida e, surgindo dele, melhor ainda. O João queria, justamente, escrever uma letra sobre o machismo porque vê muita coisa que se passa connosco pela internet, coisas que aconteciam mais no passado, mas que ainda vão acontecendo. «Cultura Do Estupro» é uma letra que ele fez para arrasar com esse tipo de gente e ficou sensacional. Nós não sabíamos da letra, até ao dia em que ele apareceu no estúdio para gravar. Falou com a Fernanda sobre as ideias que tinha para colocar a voz e, quando abriu a boca e começou a cantar, foi algo emocionante. Para nós, foi a realização de um sonho. Ter um cara que, para além de ser um ídolo e uma grande influência, é também uma grande pessoa. Foi muito foda. [risos]

Lá está, ele quis aludir a esse tema do género, num mundo em que ainda há uma certa separação em banda de homens ou banda de mulheres, quando a música deveria ser sempre o factor principal. Por serem um trio feminino, que faz thrash metal, ainda notam essa diferença?
Sim, notamos. Acho que vai haver sempre essa diferença. O mundo é assim, o ser humano é assim e também há quem diga que fica mais fácil por ser banda de mulher… Eu não acho que seja bem assim. É mais fácil em termos de divulgação. A mulher chama a atenção e, na verdade, só chama essa atenção, porque os homens gostam. Mas não é por isso que vendemos mais discos. Você pode até ir no show para ver as meninas tocando; os caras têm a fantasia de ver a mulher tocando, mas o facto de termos uma imagem que até pode atrair a pessoa, isso não vai vender o disco. O que vende o disco é a música. As pessoas não pensam muito nisso. Julgam que é tudo mais fácil para nós. Acontece que, para conseguirmos o respeito, é muito mais difícil do que para uma banda de homens. Nós temos que provar muitas coisas de que o homem não precisa. Temos de provar que tocamos bem o suficiente e temos que provar que somos agressivas o suficiente. Há muita gente a julgar bandas femininas – “Ah, essas meninas tocam com aparência muito sexy, querem é mostrar-se…” Não tem nada a ver. Nós não fazemos isso, porque não somos assim. Mas não temos nada contra as meninas que tocam com saia curta, ou com decote, porque isso é liberdade. Você está ali pela música, não é pela imagem. Se as meninas estão peladas ou com roupa, não importa; o que importa é a música.

Sobre a temática de «Downfall Of Mankind», pela capa e letras, acredito que seja uma reflexão meio negativa sobre o estado actual do mundo. Achas que a humanidade pode entrar mesmo numa queda livre, ou tens uma visão algo mais positiva perante o futuro?
Bom, eu acho que a humanidade já está num abismo, mas tento olhar sempre para as coisas de uma forma mais positiva. Em parte, isso é um pouco difícil porque já destruímos bastante a natureza, estamos a esgotar os recursos, o ser humano é algo inquieto, está sempre em conflito em várias frentes… Há países que estão em guerra e outros que não estão em guerra com outros países, como é o caso do Brasil, mas tem uma guerra interna, pela violência, pelo tráfico, a polícia, a corrupção; essa guerra interna aumenta a cada dia que passa. Tudo isso nos afecta e acaba por nos inspirar a escrever. Por mais que tentemos ser positivos em relação à humanidade, vemos claramente que não há muito boas perspetivas. Só esperamos que estacione, que pare. Inverter para algo melhor é meio impossível. Ou demoraria muito tempo. Mas acho que nunca é tarde para mudar e nunca devemos parar de lutar.