MISSA ORTODOXA: Deaf Dealer – «Journey Into Fear» (2014)

DEAF DEALER
«Journey Into Fear»
[Cult Metal Classics Records, 2014]
Quando comecei a fazer esta rubrica tinha diversos álbuns na cabeça que sabia imediatamente que cá viriam parar. Um dos nomes que estavam instantaneamente predestinados era «Journey Into Fear». Uma obra absolutamente assombrosa que esteve, durante muitos anos, realmente perdida, tendo passado décadas por editar.

Impressionantes as variedades de lycra da altura.

Há coisa de uma década tomei conhecimento da existência de uma obra capital do heavy / power metal que tinha sido gravada mas nunca editada. Existia apenas em mp3 partilhados na net e em obscuras versões em CD pirata. Pertencia a uma banda do Quebec que tinha lançado umas demos entre 1981 e 1986, mudando nessa altura de nome para Deaf Dealer e dando ao mundo um álbum espectacular chamado «Keeper Of The Flame» (que acabei por encontrar em vinil e adquirir numa banca de discos num concerto em Madrid). Reza a história que a banda se isolou numa cabana no norte do Canadá para compor o sucessor sem distracções, e o resultado acabou por ser uma obra que se elevava acima do álbum de estreia; um dos melhores álbuns de heavy metal de sempre, chamado «Journey Into Fear». Gravado e misturado em condições óptimas, entre o Metalworks e o Morrisound Studios, é uma autêntica bomba!

O primeiro concerto, em Dezembro de 1981.

O impensável aconteceu e o ano de 1987 acabou por não dar ao mundo esta autêntica obra-prima com toda a propriedade da expressão… tensões com a Polygram levaram a que tudo fosse cancelado e o álbum ficou relegado ao esquecimento, excepto nos meios underground, onde cassettes transviadas foram deixando mossas por onde passavam e dando origem a piratarias várias… de algo que nunca tinha chegado a sair. A apelativa capa que acompanhava estas versões é ainda, na minha mente, a verdadeira capa de «Journey Into Fear», após anos a idolatrar o álbum. Porém, a capa que podem ver acima (não tão boa) é a da versão que, graças aos deuses do metal e à Cult Metal Classics Records, acabou por ser finalmente editada após uns espantosos 27 anos de limbo. Foi o tempo que demorou a resolver todas as embrulhadas legais e a localizar as gravações originais.

Esta é a capa que durante anos associei a este fenomenal álbum.

Com músicas tão incrivelmente boas que me escuso a nomear favoritos, composições excelentes feitas por instrumentalistas de grande nível (o baixo é absolutamente sensacional) e um vocalista fantástico com uma prestação de topo, «Journey Into Fear» é a pérola perdida por excelência, o álbum-arquétipo de uma rubrica como esta. Naturalmente, aconselho sem reservas a todos os apreciadores de bom heavy metal a audição atenta.

Jornada para o medo… de que o álbum nunca chegue a sair!

O fiasco que reteve «Journey Into Fear» numa gestação de décadas acabou com a banda, que se separou. Como epílogo, devo relatar que regressaram já num outro milénio, com o nome recuperado de Death Dealer. Em 2008 saíram três lançamentos. Juntamente com o número 16 da essencial revista underground Snakepit, saiu um single em vinil intitulado «Strange Cuts 1984», com dois temas gravados ao vivo. Contém as letras e liner notes pelo André LaRouche, o vocalista que já não viria a cantar nos álbuns de Deaf Dealer. Saiu também um LP duplo em gatefold sem título que inclui uma versão remasterizada da demo de 1983, que tinha originalmente saído em dupla cassette, com quinze temas que somam mais de uma hora de música (tendo a faixa «Cross My Way» aparecido na compilação «Metal Massacre 4» da Metal Blade). No lado D mais cinco músicas inéditas gravadas rudimentarmente naqueles primórdios dos anos 80. E, finalmente, o CD «Coercion To Kill», igualmente com a remasterização da demo mas com o material extra substituído pelo vídeo para «The Faddist», magnífica canção que viria a ser regravada no primeiro álbum de Deaf Dealer como «Sadist». Tanto o vinil como o CD com extensas anotações e fotografias. O capítulo final até ao momento é o álbum «An Unachieved Act of God», saído em 2014.

Tantos anos depois, uma versão a sério e oficial desta obra fabulosa!