O DIA DOS MORTOS: Infernal Coil

Os desgraçados que acompanham mais de perto as larachas que eu vou escrevendo já terão percebido que há algumas editoras pelas quais nutro um afecto particular. Seja The Flenser, 20 Buck Spin, Cruz Del Sur ou, noutra dimensão, a própria Relapse, há alguns catálogos, posturas e decisões que me coçam de forma muito mais satisfatória. Outra dessas é a Profound Lore, que na primeira década deste século especialmente estava tão à frente que até metia nojo (para quem quiser ler uma entrevistazita mais aprofundada com o dono desse estaminé, é só ir aqui). Algo que une boa parte destes selos de qualidade – excluindo, eventualmente, os gajos da The Flenser, que só arranjam esquisitice – é o facto de que não se sente propriamente uma necessidade de estar sempre à procura daquela banda muito fora que nem dá para categorizar e que vai revolucionar isto tudo. Sim, também têm algumas dessas, porque equilíbrio é uma coisa boa e o mundo é bué cenas, mas o critério não se cinge a isso. A evolução recente da Profound Lore em particular até vai mais nesse sentido do que noutro qualquer – ter noção de que não tem mal nenhum dar umas chances a bandas que não são a bolacha mais inovadora do pacote, que praticam géneros claramente estabelecidos e definidos, desde que dentro desses universos elas se saibam mexer com agilidade, mostrar as suas próprias ideias e continuar a progredir sem cópias baratas, sem “influências” chapadas e sem nos obrigar a mastigar uma pastilha elástica que já andou dentro de 500 bocas.

Case in point, os INFERNAL COIL. Dentro do death metal fodido – aquele logo não engana ninguém – que tem sido mais ou menos a base da editora canadiana nos últimos tempos (só desde 2017, não exaustivamente, Artificial Brain, Impetuous Ritual, Innumerable Forms, Vacivus, Chthe’ilist, Of Feather And Bone ou Mortiferum, está bom assim?), e ao seu primeiro álbum, depois de dois EPs editados em 2016 e 2017, põem-se logo à parte de tudo o resto. Trata-se de um trio (se bem que em algumas fotos só aparecem dois tipos, porque sei lá) de Boise, no estado do Idaho, uma bela localidade que já nos trouxe muitas bandas barulhentas, das quais se calhar só vale a pena perderem tempo com os Uzala ou os Wolvserpent. Ou não, se calhar há para ali alguma pérola perdida. Se descobrirem alguma, mandem-me email a avisar. Já agora, o Steve Von Till, dos Neurosis, mora lá para o meio da mata no estado do Idaho, por isso deve haver ali boas vibrações no ar.

Mas adiante! São três gajos, e um deles é o Blake Connally que também toca nos Dead In The Dirt, o que é já uma excelente referência. E o que separa os Infernal Coil de muitos dos seus pares não é nada de extraordinário, não têm um solo de oboé nem tocam com máscaras para não sabermos quem eles são. O que têm, dá para perceber logo ao fim de cinco segundos – porque «Within A World Forgotten», assim se chama a obra, começa logo ao ataque sem intros nem merdas -, e o que têm é muito jeito para tocar death metal. Death metal que é cavernoso, como se quer no melhor deste género, mas não de forma propriamente grandiosa. É sim sufocante, opressivo, desconfortável. Dissonante com frequência, como se tivessem deixado os Gorguts para apodrecer ao lado de uma saída de esgoto, ao sol, naquele fim-de-semana recente onde fizeram 45ºC. O tempo varia, mas flirtam mais com o grind do que com o doom, o que poderia não ser óbvio dadas as características descritas, mas o que interessa mais é que, lento ou rápido, tocam sujo. A velocidade não lhes tira o nojo e a desolação. Em muito ajuda também a produção extraordinária, mais uma, do feiticeiro da lixeira Billy Anderson (que até já trabalhou com os… Neurosis, porque isto está tudo ligado e o mundo é uma aldeia). Mas mesmo em termos de composição, para atingir esses sentimentos, não precisam de nos largar grandes monolitos de vinte minutos em cima. Há duas canções grandes, sim, a «49 Suns» (que só é grande porque eles deixam de tocar a meio e ficam ali a fazer festas à guitarra acústica enquanto os espíritos do planeta morto – já lá vamos – nos sussurram aos ouvidos), e a última, «In Silent Vengeance», que é o grande épico paquidérmico do álbum, mas de resto é tudo descargas entre os dois e os cinco minutos, de gente que se sabe editar para ter o máximo impacto. Resulta. É aprenderem com isto, outras bandas.

Tematicamente, o disco está bem esgalhado. Não chegam aos limites deliciosos do eco-terrorismo dos Cattle Decapitation, por exemplo, mas a ideia, como é notório no artwork, é representar os paradoxos da natureza, que contém em si tanto beleza extraordinária como caos pútrido, e dentro desse contexto, mostrar-nos que o ser humano está absolutamente condenado à inevitável extinção. Não estamos a “destruir o planeta”, pessoal. Estamos a levar muitos não-humanos inocentes para o inferno connosco, sim, mas o planeta, de uma forma ou de outra, pelo menos até ser destruído pelo sol daqui uns cinco mil milhões de anos, vai cá continuar. Estamos a destruir-nos é a nós. E os Infernal Coil, pelo meio de grandes riffs, urros aterradores e blastbeats estrondosos, mostram que já perceberam isso.

Odeio toda a gente que estiver nestes concertos.

Finalmente, consta que ao vivo se trata de uma banda de excepção. Por isso já conseguiram transcender géneros e andar na estrada com os Primitive Man e os Celeste, e dentro de pouco tempo partirem para uma surpreendente tour com os SUMAC e os dälek. Cá pelo burgo, vamos ficar a ver o planeta morrer pela janela e a ouvir o disco em repeat enquanto nos roemos de inveja dos países por onde isto vai passar.

«Within A World Forgotten» é editado dia 24 de Setembro pela Profound Lore