O DIA DOS MORTOS: o melhor death metal de 2018

O facto de me ter lembrado de começar uma rubrica sobre death metal neste ano que terminou recentemente deveria dizer quase todo sobre o estado da pútrida arte nos tempos que correm. Vivemos uma espécie de era dourada do death metal, seja ele old school, modernaço, técnico ou primitivo, ou qualquer outra subcriatura do género principal, uma era que certamente será relembrada com saudade e admiração se daqui a vinte anos ainda existirem seres humanos. Bem melhor do que, por exemplo, há coisa de vinte anos a esta parte, na segunda metade dos 90s, quando vivíamos num mundo horrível em que os Autopsy não existiam e o melhor que podíamos esperar em termos de death metal eram obras pontuais como o «De Profundis» dos Vader ou o «Black Earth» dos Arch Enemy (que na altura apresentavam um nível de estupidez geral infinitamente menor) ou o delicioso «Seminal Vampires And Maggot Men» dos Abscess, que não era totalmente death metal mas era o mais próximo dos Autopsy a que podíamos chegar, isto para além de uma suecada ou outra. Mas Estocolmo vive debaixo um micro-clima musical que não se deixa afectar por nada, por isso as datas para eles não contam.

E pronto, isto tudo para dizer que hoje, não sofremos de tais males. O top 10 aqui apresentado facilmente se esticaria para um top 30 sem grande dissolução de qualidade, tal foi o dilúvio a que fomos sujeitos ao longo dos meses. Se os tops normalmente já valem o que valem – sugere-se desde já que os que se ofendem muito com estas listas de fim de ano removam gentilmente a cabecita do próprio ânus e se levem um bocadinho menos a sério -, este ainda é mais descontraído, porque facilmente se arranja um top 10 de qualidade semelhante com outros discos (mas quer dizer, também não dá para substituir todos – se não estiver o Infernal Coil na vossa lista, obviamente que não percebem patavina disto). Como o último dos Necros Christos, por exemplo, que o nosso Luís Pires insiste que é o melhor álbum de death metal deste século. Enviem-lhe uma mensagem a falar sobre isso, que dá uma conversa gira.

Ah, e entretanto, já ouvi um grande disco de death metal de 2019. Querem tentar adivinhar qual é?
Enquanto tentam, siga a lista!

01
PORTAL
«Ion»


Assim que o «Ion» saiu – e já foi há algum tempo, que o disco já é de Janeiro -, começaram logo a ouvir-se alguma vozinhas, ai, ui, que isto é diferente, e que a voz não sei quê, e que o som isto e aquilo. É meterem uma coisa na cabeça – os Portal só estão sequer numa lista de death metal porque é o que se arranja de mais parecido com o que eles fazem. De resto, é o que lhes vai dando na gana que os orienta, e são uma das muito poucas (muito poucas mesmo) bandas que justifica ter o epíteto “Experimental” na sua descrição de género no Metal Archives. Sim, é certo que há uma continuidade relativamente próxima no ciclo «Outre’», «Swarth» e «Vexovoid», mas mesmo este último já fugia bastante à norma, se é que a há, e basta irem ouvir o «Seepia» para ouvirem uma banda muito diferente também. Esses vossos queixumezinhos? São vocês a não entenderem o que aqui se passa, algo a que estes espectros malignos australianos já estão mais que habituados. Em «Ion», o nível técnico é ainda mais alucinante do que antes, mas não no sentido do “olha eu a tocar milhões de notas”, é sim na forma desconfortável como as estruturas dos temas se desenvolvem, dando sempre um ambiente tóxico e “errado” à música, algo a que a forma como a voz é empregue só enriquece – os sussurros e os rugidos são diferentes do gargarejo ribombante de outrora, e só por si alteram a toada geral, conferindo a temas como «Crone» ou «Phantom» uma atmosfera digna de um «Blessed Are The Sick» abandonado na masmorra de experiências de um cientista amalucado. A melhor forma de trazer toda esta ambiência doentia ainda mais ao de cima foi precisamente a de levantar um pouquinho do nevoeiro sonoro que caracterizava a banda em lançamentos anteriores. «Ion» é como se os Portal tivessem aberto a portinha do relógio de cuco, e de repente toda a gente tenha desatado a fugir cheia de medo daquilo que sempre esteve lá dentro.

02
INFERNAL COIL
«Within A World Forgotten»


Sem querer parecer preguiçoso, já falei com fartura desta gente nesta rubrica. É ir ler, e tenham a certeza que o impacto do disco continua a ser exactamente o mesmo.

03
OUR PLACE OF WORSHIP IS SILENCE
«With Inexorable Suffering»


Sem querer parecer preguiçoso, já falei com fartura desta gente nesta rubrica, parte 2. Lá está, é ir ler.

04
INNUMERABLE FORMS
«Punishment In Flesh»


Durante muito tempo, os Innumerable Forms foram o brinquedo exclusivo do Justin DeTore, que faz parte de outras 500 bandas, algumas das quais altamente improváveis dado o estilo aqui praticado, como os Magic Circle ou os Sumerlands. Em 2017 lá decidiu levar a coisa um bocado mais a sério, montou uma banda à sua volta, e o resultado foi este álbum de estreia, que se tivesse sido editado nos anos 90 – e, já agora, se o Justin fosse finlandês – teria hoje em dia o estatuto intocável de um clássico distorcido como são os álbuns dos Demilich ou dos Demigod, por exemplo. É uma comparação que não se faz de ânimo leve, crianças.

05
TOMB MOLD
«Manor Of Infinite Forms»


Originários de Toronto, um sítio com história no que ao death metal diz respeito, os Tomb Mold têm-se revelado prolíficos, mas este segundo álbum é até agora, de longe, o ponto mais alto da sua produção. Death metal à antiga, demonstrando uma adoração muito saudável aos Incantation, e com um Max Klebanoff num posto que nos é muito caro neste género – o de vocalista/baterista.

06
OF FEATHER AND BONE
«Bestial Hymns Of Perversion»


O facto de que os Of Feather And Bone evoluíram de primórdios em que tocavam um tipo de grind/punk altamente agressivo nota-se bem, e só lhes dá vantagens, nesta fase da sua carreira. Tendo enveredado a certa altura pelo template cravado a ferro e sangue pelos Bolt Thrower, cobriram-no de cinzas e de lixo, e em «Bestial Hymns Of Perversion» tornam-se num dos melhores executantes deste estilo, precisamente devido à contundência abrutalhada e ao imediatismo intenso que os seus early days lhes ajudam a exalar.

07
BLOODBATH
«The Arrow Of Satan Is Drawn»

Foi uma das melhores coisas que aconteceu à música extrema mais “popular”, chamemos-lhe assim, esta ideia de ter ido chamar o Nick Holmes para grunhir nos Bloodbath. Se o «Grand Morbid Funeral» já tinha sido excelente, revitalizando totalmente uma banda à beira da exaustão e da auto-paródia, mesmo com o “Old Nick” sem praticar este tipo de voz há muito tempo, então este «The Arrow Of Satan Is Drawn» é melhor ainda. Voz mais “treinada”, temas mais refinados, conteúdo lírico magnífico, e temos que nos congratular por termos hoje em dia um grande expoente do bom e velho death metal para mostrar às massas.

08
OBLITERATION
«Cenotaph Obscure»


Como devem ter lido na LOUD! de Dezembro, nunca fui fã dos Obliteration. Sempre achei muita parra e pouca uva, muito Kolbotn e o Fenriz gosta de nós e o camandro, e pouca chapada na tromba para justificar isso tudo. Essa opinião durou até ter ouvido o início da «Tumulus Of Ancient Bones», que é a melhor homenagem ao «In The Grip Of Winter» feita neste século, e felizmente que o resto do álbum segue todo nessa toada. Reifertianos, unam-se!

09
TAPHOS
«Come Ethereal Somberness»


Parece-me que durante anos os Taphos vão providenciar escribas com infindáveis oportunidades para citar o Marcellus (do «Hamlet») sobre o estado de podridão do reino. É uma podridão construída com base em clássicos inatacáveis, misturando suecada da boa – tanto Estocolmo como Gotemburgo, note-se! – e americanices das melhores, como Morbid Angel ou Immolation. No final de contas, acabam por transcender todas as óbvias inspirações e criar uma atmosfera muito black/death só deles. Imaginem que os Tribulation tinham seguido o caminho da extremidade e do death metal que prometiam no «The Horror», e hoje em dia podiam ser uma coisa deste género.

10
GLACIAL TOMB
«Glacial Tomb»


Pedigree com fartura – com o Ben Hutcherson dos Khemmis, o Michael Salazar dos Cult Of The Lost Cause e o Connor Woods dos Diseased Reason (e já foi dos Abigail Williams, mas toda a gente comete erros), só podia sair algo de bom. Felizmente, a imprevisível – face às bandas onde estão – balança de géneros pendeu para o death metal, e este disco de estreia (se bem que já em 2017 tinham andado atrás no nosso coração com uma cover bem gira da «Fuck Nazi Sympathy» dos Aus Rotten), apesar de laivos de sludge arrastado e de black demoníaco, é dos mais promissores dos últimos tempos pela atmosfera única que consegue criar. Quem escreve um malhão como «Shacked To The Burning Earth» será certamente capaz de mais grandes coisas no futuro.