QUARENTENA:
Algumas palavras da redacção

Sem que tenhamos percebido bem como, aqui estamos – metidos nesta situação super bizarra, que mais parece um mau episódio de «Black Mirror», aquela série da Netflix que se passa num futuro que nunca percebemos bem se está próximo de nós ou não. Convenhamos, alguém no seu juízo perfeito pensou que íamos estar de quarentena, confinados às nossas casas, a contabilizar os mortos e infectados que, todos os dias, vão aumentando em catadupa, quando, no passado mês de Janeiro, começaram a surgir as primeiras notícias de um novo vírus a provocar mortes em território chinês? O mais certo é que não. Alguém terá pensado que, só dois meses depois, seria declarada uma pandemia global? Que a Europa seria colocada em estado de emergência? Que uma simples ida ao supermercado se transformaria numa epopeia digna de um cenário pós-apocalíptico? Não, na altura nada disso nos passou pela cabeça. A praga estava bem longe e nós estávamos aqui, confortáveis, seguros, intocáveis e com a ilusão de sermos imunes a algo do género só porque não comemos “animais esquisitos”. Pois bem, como sabemos agora, nada disso podia estar mais longe da realidade.

Provavelmente, nos idos de Janeiro, acabadinhos de entrar num novo ano que até prometia ser auspicioso, também ninguém pensou que as nossas vidas, como as vivemos até aqui, mudariam para sempre. Sim porque, e mentalizem-se disto, não há mesmo volta a dar a esta questão, vai definitivamente haver um antes e um depois desta maldita praga do Coronavírus. De certa forma, é como se tivéssemos entrado numa nova fase da nossa existência como seres humanos. O período que estamos a viver neste momento é, acima de tudo o resto, de adaptação a uma situação que, para a grande maioria de nós/vós, é totalmente desconhecida. Em termos de saúde pública as coisas vão mudar e, mesmo quando a situação estiver resolvida a esse nível, vamos ter de nos debater com o enorme, abismal?, impacto financeiro que esta quarentena vai, inevitavelmente, provocar. Sem querer soar fatalista, mas soando já, o pior está provavelmente para vir.

Enquanto tentamos ansiosamente prever as ramificações e os danos provocados pela situação global, os hábitos antigos estão congelados e, votados ao isolamento, temos de encontrar novas formas de enfrentar o dia-a-dia e de manter uma normalidade que, em muitos casos, é só aparente. Nós, aqui deste lado, estoicamente atrás dos nossos teclados, não somos uma excepção à regra e vimos-nos confrontados com um problema com que, ao longo de duas décadas, nunca nos tínhamos debatido. A LOUD! é, como sabem, uma publicação mensal, impressa num mundo que já não quer saber do papel, disponibilizada nas bancas. Com as empresas maioritariamente fechadas ou a funcionarem a meio-gás, com uma grande parte dos pontos de venda encerrados ou em vias de encerrarem, demos por nós sem os meios necessários para continuarmos a operar como temos feito desde aquele momento em que demos os primeiros passos.

Vai daí, tivemos forçosamente de adaptar-nos a uma situação que não podíamos ter antevisto, tivemos de procurar soluções e alternativas, de forma a conseguirmos fazer-vos chegar a informação que, sobretudo numa fase como esta em que estamos privados de concertos e contacto social, precisamos mesmo de nos abstrair, nem que seja só por uns momentos, das tristezas que se vivem no mundo lá fora. Foi, sem dúvida, com pesar que constatámos o inevitável. Tantos anos de luta e tanta paixão ao #onlyprintisreal depois, pura e simplesmente não era viável imprimir esta edição de Abril de 2020. Demos voltas e mais voltas à cabeça, estudámos as hipóteses, fizemos contas e chegámos à conclusão de que o que não fazia mesmo sentido era pararmos. Tomámos então a decisão de distribuir a LOUD! #229 em formato digital e de forma totalmente gratuita, na esperança que estas 60 páginas, cheias daquilo que nos tem apaixonado ao longo dos últimos vinte anos, vos possam fazer alguma companhia ou dar algum alento. Boas leituras!