REFORÇOS METÁLICOS: Vol. 1

Costumo escrever que a Missa Ortodoxa é uma rubrica aqui no seu cantinho da LOUD! dedicada a pérolas esquecidas, ou quase, de bandas dos anos 80 em cronologia ou meralmente em espírito. No entanto, tem sido prática irresistível ir parar aos anos 80 ou perto, pelo que se tem vindo a impor cada vez mais a realização, a implementação de Missas extraordinárias para colmatar essa falha perante a congregação. Faz sentido dar destaque a obras-primas do passado mais ou menos enterradas por sob as areias do olvido, mas não fará menos, de forma alguma, dá-lo também a bandas recentes que mantêm vivo o espírito do verdadeiro metal, bandas que em muitos casos se debatem com dificuldades e que estão activas agora. Pensei em fazer “especiais” sem regularidade definida, mas os poderes decisores tiveram a posição laudável (ou talvez LOUD!ável) de me propor uma nova rubrica quinzenal. Assim, espera-se que regularmente e sem falhas, este novo espaço venha a apresentar-vos verdadeiros Reforços Metálicos, alguns dos bons trabalhos de heavy metal, no seu sentido lato, que por aí se podem ouvir e que merecem a meu ver ser ouvidos.

 


DEMONS GATE
«World Of The Dream / Follow The Tempest»
[HMH Records, 2018]

Veio parar-me às mãos o mais recente EP dos Demons Gate, que são uma banda Australiana de doom / heavy metal com uma atmosfera muito própria. Aparentemente surgiram em 2006 das cinzas de uma banda de black metal chamada Ghastly. Aprecio os nomes adoptados pelos três integrantes, nomeadamente Highway Star, Turbo Offender e Hammerblow. O próprio nome da banda lembra imediatamente o clássico tema dos Candlemass, e poderá muito bem ter sido esta a inspiração. Apesar do formato de 12 polegadas, temos apenas uma música de cada lado, com cerca de cinco minutos cada uma, pelo que fica a saber a pouco. O som é simples e lento, mas pesado e capaz. É bastante pessoal, pelo que não é fácil estabelecer comparações, mas poderá lembrar a alguns bandas como Saint Vitus ou os primeiros álbuns dos Black Sabbath. A voz é rouca e arruinada, mas com um carisma próprio (estando bastante melhor que em anteriores gravações da banda), e assenta como uma luva no ambiente negro da música. Por falar nisso, o EP é muito negro, visualmente falando. A capa é negra, o vinil é negro, a inner sleeve é negra, e até mesmo o interior da capa! O primeiro tema, «World Of The Dream», principia de forma algo onírica (como convém levando o título em conta) antes de começarem a soar os riffs de guitarra distorcida. O ambiente que os Demons Gate conseguem imprimir à sua música é muito deles e é o ponto forte destas composições. Do outro lado, «Follow The Tempest», com partes ligeiramente mais rápidas, é um pouco mais variado, e igualmente bem conseguido. Há um certo minimalismo instrumental que dá primazia à melodia pura e simples, e que não impede a apreciação da coesão e capacidade técnica da banda. É o regresso de um colectivo que não lançava nada há nove anos e que se apresenta agora na sua melhor forma. Um belo EP.

 


STEEL SHOCK
«For Metal To Battle»
[Postmortem Apocalypse, 2018]

Também tenho por cá o imaginativamente intitulado «For Metal To Battle» dos Steel Shock, neste caso a versão em cassette editada no ano agora findo pela Postmortem Apocalypse (o CD foi lançado em 2017 pela Alone Records). A música, tal como as letras e todo o conceito, abraçam directamente o metal em si. A capa parece ter saído de um qualquer episódio nunca chegado a ser feito do Korgoth Of Barbaria, e praticamente todas as letras têm versos como “Under the sign of Metal we fight” ou “Metal fire, burning desire, for Metal to battle we ride“. Para um produto deste tipo a qualidade musical é surpreendentemente boa. Ainda por cima trata-se de uma banda com membros holandeses e alemães, com uma vasta tradição de verdadeiro metal, entre os quais
Martjo Whirlewolf, dos Vortex (uma banda que ainda há-de ir parar à Missa Ortodoxa). Os Steel Shock parecem o resultado de misturar numa batedeira bandas como Manowar, Judas Priest, Metal Inquisitor e Goddess of Desire. As letras então têm muito a ver com estes últimos, de boa memória. A capa da cassette desdobra-se para revelar uma espantosa banda desenhada em duas páginas em que os membros da banda, em versões cara-de-caveira (como as boazonas da capa) partem em busca da espada das almas que foi roubada por um terrivel demónio. Como acabará a sua demanda? A resposta é de perder a cabeça. Outra coisa espectacular é que estas páginas foram digitalizadas a partir do booklet do CD! Até se vêem os agrafos. Tudo é magnífico nesta edição de muito bom verdadeiro metal que recomendo a todos antes de vestirem a tanga e saírem de casa a trespassar posers com o aço frio do heavy metal! A cantar: “Defenders of Metal will fight for its majesty, on wings of fire we ride on the Night of Steel“.

 


SILVER MACHINE
«IV – Gamma Geminorum»
[Edição de autor, 2017]
Encerro por hoje falando do mais recente trabalho dos franceses Silver Machine, o EP «IV – Gamma Geminorum», lançado pela própria banda em 2017. Não se pode dizer que os Hawkwind tenham muito a ver com o som, apesar do nome da banda… mas a verdade é que é muito difícil catalogar o que os Silver Machine fazem. Genericamente será heavy metal, mas tem muito de hard rock, prog, e sei lá mais o quê. O primeiro e último temas são mesmo bastante folk, com flautas, guitarras acústicas e a voz melodiosa e limpa do vocalista. Tem ainda uma cover dos The Sound (o que mostra o eclectismo deste colectivo), e sobretudo um tema fantástico com mais de oito minutos chamado «Bite the Blade», em que tudo se mistura de forma assombrosa. O baixo técnico e aventureiro mistura-se com uma bateria por vezes rapidíssima enquanto as guitarras debitam riffs quase psicadélicos nos quais são transportadas as melodias da voz. É uma composição magnífica, variada e surpreendente, desembocando num final bastante à Voivod. É de louvar a capacidade de uma banda ainda jovem em lograr uma sonoridade tão própria dentro do heavy metal, numa altura destas em que é cada vez mais difícil fazê-lo. Os Silver Machine ainda não foram descobertos, mas deveriam sê-lo.

Aqui vos deixo, por agora, estas bandas que merecem apoio e que merecem ser ouvidas… por quem as quiser ouvir.