TEMPESTADE TROPICAL: Infamous Glory ressuscitam com um dos melhores discos de 2019 [entrevista]

(Foto por RENATO PIZZUTTO)

O aparentemente infindável 2019 esteve longe de ser um ano agradável – na verdade, ficou bem longe disso, com uma pilha de notícias horríveis crescendo a cada dia. Talvez por isso mesmo, a quantidade de discos bons de metal, punk e outros subgêneros horrorosos que foram lançados no ano torna tarefa quase impossível fazer um Top 10 sem peso na consciência. Quando falamos de death metal então, fica difícil até mesmo apontar quais os 5 melhores lançamentos do gênero da temporada, que recebeu discos novos e incríveis de nomes como Gatecreeper, Blood Incantation, Full of Hell, Misery Index e Tomb Mold. Apesar de provavelmente menos conhecida do que essas bandas estrangeiras, a brasileira INFAMOUS GLORY certamente merece figurar na seleta lista dos melhores discos de death metal – e metal em geral – de 2019. Isso porque os veteranos de São Paulo acabam de lançar o melhor trabalho dos seus 20 anos de carreira.

Intitulado An Ancient Sect Of Darkness (capa abaixo), o mais novo disco do Infamous Glory chega após um hiato (quase) total de três anos da banda – e cerca de seis anos depois do full anterior da banda, Bloodfeast, de 2013 – e traz o agora quinteto praticando o seu já tradicional metal da morte sem concessões, mas agora com um foco maior em melodias e em levadas mais cadenciadas – o que, posso garantir, apenas deixa o som ainda mais pesado e interessante. Na entrevista abaixo, o guitarrista Kexo fala sobre o hiato e recente retorno do Infamous Glory, agora como um quinteto, todo o processo de produção do disco novo, a cena underground brasileira, os álbuns que mudaram a sua vida (com todos os integrantes), e os planos da banda para 2020, entre muitas coisas. Confira!

Vocês acabaram de lançar um disco novo, An Ancient Sect Of Darkness, o primeiro full da banda em cerca de cinco anos. Por que esse intervalo tão grande entre os lançamentos? E qual o sentimento de ter o disco agora em mãos?

Kexo: Esse intervalo tem duas razões, a primeira é que a gente é devagar pra caralho, sempre foi. O Bloodfeast saiu em 2013 e a gente ficou uns dois anos só tocando por aí sem compor muita coisa. Nesse meio tempo lançamos dois 7”, o EP “The Conjuring” e o split 4 way. Mas nesses dois materiais foram 3 sons novos só. Como sempre, demoramos muito pra escrever coisa nova. A segunda razão foi que em 2015, nosso batera arrumou um trampo nos EUA. Na época a gente conversou e achou melhor que não ia valer a pena caçar outro batera porque ele tinha data pra voltar, ia ficar só 2 anos. Então a gente correu pra compor o disco e deixar pelo menos as baterias gravadas antes dele ir. E nesse tempo todo em que ele esteve na gringa a banda ficou parada.

O disco soa muito bem, talvez acho até que tenha a melhor produção de todos os trabalhos da banda que já ouvi – e vi que ele foi totalmente produzido “in the house”, com o Kexo sendo responsável pela gravação, mixagem e masterização. Vocês concordam com isso? E o fato de vocês gravarem no estúdio de um dos integrantes (Duna), que também cuidou da parte técnica, ajudou neste sentido, a conseguir um som tão bom?

Kexo: Acho que ajudou sim, mais pelo fato de por estarmos fazendo tudo “in house” nós tivemos mais tempo pra testar os timbres e refazer o que fosse preciso, nesse sentido com certeza ajudou. Mesmo assim, às vezes, quando você mesmo está gravando seu disco você fica meio sem referência de quando parar, quando acaba a mix e quando algo terminou ou não. Isso não é muito bom. Você não tem a banda, o cliente, pra te dizer, tá bom cara era isso que a gente quer. Quando é você mesmo seu cliente você acaba nunca acabando e isso é bem frustrante. Mas no nosso caso, hoje em dia, diria que valeu a pena e o resultado foi ótimo.

Em termos de som, o disco traz o som característico da banda, mas talvez com um pouco mais de melodia e mais partes lentas, como em “Macabre End”, “Increased Pain” e “Drowned in Obscurity”. Como foi o processo de composição do disco? E quando ele foi gravado exatamente?

Kexo: Desde o começo tínhamos esse plano de fazer um som um pouco mais melódico e lento. Era algo que queríamos incorporar no nosso som. O processo de composição foi meio corrido na realidade. Quando nosso batera contou pra gente que ia pros EUA a gente tinha dois sons novos só. Como ficava no estúdio a tarde toda eu sentava lá com a guitarra, fiquei algumas semanas escrevendo riffs. Um mês antes dele realmente ir pra fora, ele colava no estúdio quase todo dia a tarde e a gente terminava os sons e ensaiava os outros. Na última semana ele gravou as baterias e já era. Então foi tudo meio na correria, eu não tive tempo nem pra sentir muito como iam ficar os sons. Só tivemos essa ideia depois de tudo gravado mesmo, ainda bem que ficou bom.

Aliás, o Infamous Glory completou duas décadas de carreira em 2019. Essa volta da banda, com disco novo e shows, após um bom tempo sem fazer shows ou lançar nada, teve algo a ver com essa marca? Vocês chegaram a pensar nisso quando decidiram retomar a banda?

Kexo: Não teve não, seria um bom motivo talvez né? Acho que é uma bela marca. Mas não teve, eu particularmente nem pensei nisso hahahah

Falando nessa volta, vocês agora estão com uma formação nova, pela primeira vez como um quinteto, se não me engano, com Schuch, que antes era baixista da banda, agora tocando guitarra, e o Tonhão ficando responsável pelo baixo. Como tem sido tocar com essa formação nova, tanto em termos de entrosamento, quanto de disposição no palco, já que talvez mude um pouco a dinâmica? O show que vi, no fim de outubro me deixou impressionado, acho que nunca tinha visto a banda tão bem ao vivo, foi tipo um rolo compressor.

Kexo: Sim, é a primeira vez que somos um quinteto. O entrosamento tem sido ótimo. Valeu pelas palavras sobre o show e eu penso a mesma coisa, acho que estamos muito bem entrosados, mesmo com pouco tempo dessa formação. Com a formação antiga estávamos num nível (antes dessa última parada) que podíamos fazer um show sem nem ter ensaiado por semanas, tamanha era o entrosamento. Mas isso acontece com o tempo, tenho certeza que com o tempo ficaremos mais entrosados ainda.

A capa do disco, muito bonita por sinal, é do Ars Moriendee, um artista brasileiro que já trabalhou com outras bandas nacionais, mas ainda não tinha feito nada com vocês, pelo que pesquisei. Como foi essa escolha? E qual a importância da parte visual para a banda – os lançamentos anteriores, The Conjuring e Bloodfeast, também traziam capas muito bonitas?

Kexo: Cara, vou ser sincero com você, no geral eu pessoalmente nunca liguei muito pra essa parte. Mas de uns anos pra cá é algo que tenho dado muito mais atenção. Desde o lançamento do Bloodfeast eu e principalmente o Leandro fritamos bastante nessa parte visual. Mas ele é designer, então eu entro só com uma ideia, uma estética ou algo assim. E ele com a parte mais profissional. E aí pesquisamos artistas e imagens que possa nos servir. Assim descobrimos Emerson Maia (o artista que fez a capa do EP The Conjuring). Para esse disco novo tínhamos a intenção de algo mais colorido, mas que fosse obscuro e abstrato. Lembramos do Ars, que fez a capa da minha outra banda, o Death By Starvation e falamos com ele. Acho que era exatamente o que a gente estava procurando, ficou foda!

Agora falando um pouco sobre a cena nacional: o underground do país, nos seus mais diversos estilos e subgêneros ligados ao metal e ao hardcore, vem vivendo na última década um momento muito bom, com muitas bandas lançado bons trabalhos e sendo reconhecidas no país e no mercado internacional por isso. Como veem isso mais especificamente no death metal, que é um gênero em que o Brasil já possui talvez uma tradição maior? E com quais bandas nacionais vocês mais se identificam?

Kexo: Realmente concordo que estamos vivendo um momento único pro underground brasileiro. Muitas bandas estão realmente recebendo uma merecida atenção aqui e lá fora, acho isso foda! Eu acho que isso não tem nenhuma diferença no Death Metal, eu pelo menos não enxergo que pela tradição brasileira no estilo as bandas de Death Metal são melhores vistas lá fora, por exemplo. Acho que o Death Metal corre junto com todos os outros subgêneros do metal e do Hardcore.

Sobre as bandas daqui do nosso meio são muitas, e tentar listar elas está fadado ao fracasso, porquê com certeza deixarei muitas de fora por não lembrar na hora, mas vou tentar listar aqui as que me lembro agora, Blasthrash, Offal, Basalt, Echoes of Death, Perceptor, Expurgo, DER, Open The Coffin, Expose Your Hate, Empty Grace, Aphorism, Reiketsu, Regressor, Hellish Grave, Cemitéri.

Sempre gosto de perguntar essa. Por favor, me digam três discos que mudaram a vida de vocês (de cada um) e por que eles fizeram isso.

Kexo: Judas Priest – Painkiller: “Esse foi o primeiro disco de metal que ouvi na vida e o primeiro disco que ouvi e gostei de qualquer estilo de música. Isso não só me marcou como mudou completamente minha vida. Pra mim é o melhor disco da história do heavy metal e todas as suas vertentes.”

Slayer – Decade of Agression: “Levei um soco na cara desse disco quando ouvi. Um disco visceral, brutal e odioso. Ali eles estavam na sua melhor fase. Esse disco é uma aula da banda mais brutal do mundo inteiro.”

Deicide – Deicide: “Quando ouvi esse disco o death metal, pra mim, ainda era um território desconhecido, as coisas que tinha ouvido, embora tivesse gostado, ainda não faziam tanto sentido pra mim. Era tudo muito sujo e extremo e eu ainda estava acostumado com meu Venom e Kreator no máximo. Tudo mudou quando eu ouvi o primeiro do Deicide. O Death Metal se tornou uma paixão. “

Tonhão: Judas Priest – Unleashed In The East: “Ouvir todos aqueles sons ao vivo com aquela garra e energia é emocionante demais. Fora que o disco foi lançando no dia que vim ao mundo”

Slayer – Show No Mercy/Haunting The Chappel: “É o sonho de moleque: pesado, rápido e agressivo. É puro instinto! Marcou e definiu uma nova era pra música e para mim particularmente.”

Judas Priest – Time’s Up: “Um dos discos que mais ouvi na vida. Representa, na minha opinião, a liberdade total! Vai da pancadaria na faixa título, às quebradeiras (‘Elvis Is Dead’) e até baladas de primeira (‘Solace Of You’). É uma obra-prima!!!”

Schuch: Sepultura – Chaos A.D.: “Ouvi muito esse álbum, do início ao fim, ele tem o clima perfeito para um dia de chuva e também é recheado de riffs animais. Esse álbum (junto uma fita com musicas do Black Sabbath em um lado que tocava muito e Iron Maiden no outro) fizeram eu me interessar por música e também iniciar na guitarra.”

Brujeria – Raza Odiada: “O Brujeria sempre foi uma banda que me marcou bastante, principalmente pelas letras que satirizavam a relação entre o metal e alguns preconceitos em relação aos metaleiros (traficantes satanistas que molestavam crianças mortas), e também as guitarras super graves e percussivas. Eu morava em uma cidade do interior que até hoje tem a mente bem fechada e o Brujeria ajudou a rir de todo tipo de situação.”

Crowbar – Odd Fellows Rest: “Lento e pesado, é uma obra prima da música arrastada. Ouvi muito durante as madrugadas jogando Diablo II, juntamente com Pantera, Nevermore, Cannibal, At The Gates, Carcass, Amorphis e Anathema muitas dessas coisas acabaram ficando internalizadas e aparecem em como eu toco ou escrevo riffs.”

Coroner: Metallica – Master of Puppets: “Eu nunca tinha ouvido nada que tivesse o nível de agressividade com uma gama de riffs fodas, desde à introdução de Battery até as palhaçadas certeiras de Damage Inc. E até hoje ainda ouço com certa regularidade.”

Paradise Lost – Draconian Times: “Esse álbum me marcou principalmente por músicas mais melancólicas, leads de guitarra precisos e uma performance vocal única. Me levou inclusive a virar um fã fervoroso da banda. De todas as fases.”

Death – Symbolic: “O Death foi a primeira banda propriamente Death Metal que ouvi. Quando vi o clipe de Lack Of Comprehension (do Human), me impressionei logo de cara. Na época comentei do clipe com meu professor de guitarra. Ele me emprestou o Symbolic que eu gravei em K7 e se tornou um dos meus discos favoritos e o melhor da banda na minha opinião”.

Piza: Judas Priest – Screaming for Vengeance: “O álbum que define o heavy metal na minha opinião. O ápice do judas. Não tem música fraca.”

Death – Symbolic: “Uma aula de técnica e peso. É impressionante onde o Death chegou tanto na parte instrumental quanto nas letras.”

Slayer – Reign in Blood: “Menos de 30 minutos de violência. O álbum acaba e você dá play de novo. A primeira vez que eu coloquei para tocar eu ouvi umas 5 vezes sem parar.”

Como dito no início, o Infamous Glory já tem 20 anos de estrada. Do que vocês têm mais orgulho neste tempo? Vocês já têm um bom número de lançamentos debaixo dos braços, além de já terem dividido o palco com nomes como Dismember, Voivod e Krisiun.

Kexo: Cara, pra ser sincero tenho muitas ótimas lembranças de todos esses anos, pessoas que conhecemos, amizades e sons fodas. Acho que no geral o orgulho que eu tenho é da jornada e não de algum fato específico. Acho que o importante é a jornada e não o objetivo.

Loud: Para terminar, quais os próximos passos da banda para 2020?

Kexo: Os próximos passos são continuar divulgando o disco novo, tentar tocar o máximo possível no máximo de lugares possíveis. Temos um projeto de mais um lançamento, provavelmente pro final do ano, um Split bem legal. Antes disso soltaremos uma gravação ao vivo nas plataformas de streaming. Acho que o plano é continuar nessa, disseminando o caos e a morte por aí. DEATH METAL WILL RULE AGAIN