2021: O melhor e o pior até agora para a redacção da LOUD! [vol. IV]

O tempo parece que voa, e aqui estamos nós, já a atingir o ponto médio de 2021. Os balanços mais sérios, como de costume, serão feitos no final do ano, mas apesar das limitações que a pandemia continua a teimar em nos impôr, a verdade é que já houve uma quantidade assinalável de lançamentos para fincarmos os dentes durante a primeira metade deste ano. Assim, pedimos aos membros da nossa redacção para, de forma descontraída e sem pensarem demasiado nisso, nos dizerem aquilo que 2021 teve de melhor para eles em termos musicais até agora e, porque não, soltar alguma bílis escolhendo também o pior. Depois do Ricardo S. Amorim, do Emanuel Ferreira e do Fernando Ferreira terem lançado a polémica e a discussão entre os nossos leitores (vá lá, não se esqueçam que isto é para ser encarado com alguma leveza), aqui vem o sempre cáustico — e, desta vez, extra escatológico — Luís Pires:

A MELHOR MERDA



LUGUBRUM
«Bruyne Kroon»
[Those Opposed Records]



Quem se sentar no trono castanho de merda deverá usar a coroa castanha de merda e na nossa direcção geral, peidar-se incessantemente.” Assim o diz a bíblia ou um outro livro qualquer de merda cujo nome me escapa. Não obstante estarmos a passar por um período particularmente merdoso, temos tido uma agradável torrente de belos discos em 2021, a maioria dos quais alvo de resenha nas páginas LOUD!, e.g., as novidades dos THE BODY, ALKERDEEL, THE RUINS OF BEVERAST, GRAVE MIASMA ou LINGUA IGNOTA. Há no entanto uma pérola deste ano da qual ainda não tínhamos falado, nomeadamente o «Bruyne Kroon», dos idiossincráticos belgas LUGUBRUM. No ano passado haviam largado temporariamente o black metal como vector principal música para assinar uma deliciosa peça de avant-garde, «Plage Chômage», uma espécie de inversão das esquisitices do black metal cru de «Wakar Cartel» e «Herval». Recuando ainda mais no tempo, costumavam designar-se como boersk blek metle, flamengo para algo como black metal agrícola, consta que ofereceram cenouras enquanto snacks durante vários concertos (têm de resto esta t-shirt à venda, porque cenouras são culto, black metal é culto, logo cenouras são black metal), e passaram por uma fase em que se auto-designavam como brown metal.

Porquê brown metal? Porque o «Bruyne Troon» [trono castanho], de 2001, não só versava sobre escatologia, como incluía vários samples de merda (literalmente). Para além do lado acastanhado da coisa, era um disco incrível de black metal DARKTHRONEesco à antiga, com deliciosos apontamentos ora de banjo ora de berimbau de boca que já só podemos designar como à Lugubrum. Vinte anos depois, o brown metal está de volta com «Bruyne Kroon» [coroa castanha], o tema de abertura é literalmente a parte II da abertura do «Bruyne Troon», e nunca soou tão bem. Convém notar que quando o disco foi lançado no Bandcamp, os seguidores da banda receberam o habitual e-mail de notificação com o seguinte aviso à navegação: “an occasional fart may be heard throughout the recordings.” Traduzido, há peidos em todas as canções do disco, cujo posicionamento estratégico confere uma aura surreal a composições de outra forma altamente sérias. A título de exemplo, «Veteranus» escolhe o interlúdio não metálico para os colocar, deixando os violentos riffs fluírem livres. Para lá da sublimação artística da flatulência, «Bruyne Kroon» explora territórios que vão do avant-garde sinuoso de «Paling van Sabel», ao black metal furioso do antigamente na fenomenal «Barbarossa», às divagações dissonantes dos VIRUS e VED BUENS ENDE em «Eau de Bolus». Sem qualquer pinga de ironia, um dos melhores discos de black (ou brown) metal que vão ouvir este ano.

P.S.: quem achar que isto das cenouras e peidos é coisa de poser, nunca é demais lembrar que o Attila Csihar passou por uma fase em que dava concertos dos MAYHEM vestido de coelho.

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A PIOR MERDA


A AUSÊNCIA DE CONCERTOS

Como nem o Phil Anselmo nem o Nergal lançaram coisas novas, não me apetece voltar ao novo de XASTHUR, e dizer que a novidade dos FOO FIGHTERS é uma merda comercial sem interesse nenhum me parece por esta altura uma tautologia desinteressante, resolvi focar-me no aspecto negativo de 2021 que afecta qualquer fã de qualquer estilo de música pesada que não se chame Fenriz: a falta de concertos, a falta de partilha de música ao vivo com pessoas amigas e desconhecidas, a energia que emana de um palco durante uma actuação punk, a introspecção partilhada de um concerto de drone, a descarga de uma boa dose de death metal. Até as flatulências alheias inevitáveis em festivais nos fazem falta. Por muito especial que tenha sido ver GOLD, os PLAGUE ORGAN ou os SOLAR TEMPLE nas nossas televisões durante o Roadburn Redux, por mais vezes que tenhamos revisto o concerto incrível dos CLIPPING. durante uma pandemia global e para ninguém, tratam-se de experiências que têm mais de visionamento de DVD do que de concerto. Com a aceleração das vacinas um pouco por toda a parte, é esperar que este negativo seja temporário e não caracterize a totalidade de 2021 como caracterizou a quase totalidade de 2020; é que já estamos no ponto em que mais do que querer concertos, precisamos mesmo deles.