Desde os LED ZEPPELIN que as versões são uma constante no hard’n’heavy. Primeiro, como restos das bandas de bares; depois, como uma forma de homenagem a heróis pessoais. Nos últimos anos, o fenómeno transformou-se numa verdadeira praga através das bandas de versões, discos de “tributo” e outras formas de apostar seguro e não arriscar na arte em nome próprio. Haverá paciência para mais uma versão da «Smoke On The Water», ou da «Overkill»? E qual a banda de death ou thrash que ainda não pensou na «Raining Blood» como uma boa ideia, que há muito não o é? Nesta primeira edição de AQUELA VERSÃO, a escolha cai fora do metal, mas num nome que já o era antes do metal. Punk na atitude, rebelde e, mais tarde, resiliente: JOHNNY CASH. Obviamente que viramos a mira para «Hurt», um tema brutal que se tornou bandeira do músico. Merecidíssimo por um lado, desprestigiante por outro. Merecido porque Cash se reinventou aqui, conferindo um carácter introspectivo a um tema já de si enorme, mas uma música que se perdia entre muitos outras, também excelentes, dos NINE INCH NAILS. Desprestigiante porque Cash, nascido em 1932, apenas lançou o tema em 2002. Rebelde, resiliente, escritor e reverendo. Esse é Cash, o original “man in black”, autor de clássicos como «Ring Of Fire», «I Walk The Line», entre outros. Além dos célebres concertos gratuitos em prisões, logo a começar pelo clássico na San Quentin Prison, em 1969, imortalizado em disco e de onde surge uma das fotos mais fortes do rock.
A história começa ainda em 1993, quando, sem editora, Cash é convidado a cantar num disco de U2. Rick Rubin ouve-o, e pensa nele para um projecto. A ideia passava por colocar Cash a fazer versões. Surgia assim a série de álbuns «American Recordings», com o primeiro de quatro álbuns sob a produção e direcção de Rubin. Já só no último trabalho é que renasce «Hurt». Reznor achou a ideia estranha. Cash mal entendeu o original. Rubin, resolveu, por isso, fornecer a letra para que o tema fosse reescrito a partir daí. Assim surge o que hoje todos conhecem. Nem era suposto ser o tema mais forte do disco, destinado a «Personal Jesus», dos DEPECHE MODE. Cash morreria cerca de um ano depois de gravar a música. Tornou-se o seu tema com melhor desempenho nas tabelas. Quanto ao original, insere-se em «The Downward Spiral», disco conceptual dos NINE INCH NAILS, de 1994. A letra pode ser interpretada como autobiográfica, e certamente que o é quando se observa o vídeo, em que Cash, já perto da morte, sombriamente reflecte sobre o passado. Uma letra poderosa que só ganha com a nova interpretação.
Mesmo assim, há ainda outras três interpretações que merecem ser ouvidas. A primeira passa pelos NIN, contando com a presença de David Bowie, numa actuação bem interessante. A segunda, por estranho que pareça, resulta de um grupo de canto gregoriano, os GREGORIAN, que em 2016 lançam um vídeo que consegue reunir a interpretação de Cash, ao poder frio e industrial do original. A última é a reinterpretação do próprio Reznor, ao piano, que acaba a ser uma homenagem à versão de Cash. Em todas elas, aquela linha inicial, de gelar a espinha… “I hurt myself today”. Outras versões virão. Outros temas. Outros intérpretes. Outra semana.