AQUELA VERSÃO #36: AEROSMITH vs. RUN DMC, «Walk This Way»

Recue-se até Abril de 1975. Os norte-americanos AEROSMITH lançam o seu terceiro álbum; um dos melhores da sua carreira. «Toys In The Attic» é a ponte perfeita entre o hard rock e o blues; a dupla dos Toxic Twins está no seu melhor. Como sempre, apresentam letras com duplo sentido e uma carga erótica elevada, mas perfeitamente aceitável à época. O disco viria a vender nove milhões de cópias só nos Estados Unidos. Seria mesmo o principal impulsionador para que a banda entrasse definitivamente numa rotina de excessos. Anos mais tarde, numa entrevista, Steven Tyler diria ter ganho imenso dinheiro, mas “snifado metade do Peru”. O facto é que os discos seguintes, «Rocks», «Draw The Line» ou «Done With Mirrors», teriam títulos ligados ao uso de drogas pesadas. Deste terceiro álbum, saltam vários temas aos ouvidos, mas o verdadeiro clássico é «Walk This Way». A letra é sobre um encontro sexual na adolescência e até resulta bem explicita. “He said, You ain’t seen nothing / ‘Till you’re down on a muffin” é apenas uma parte. O adolescente narra o encontro com uma rapariga mais experiente, “Wasn’t me she was foolin’ / ‘Cause she knew what she was doin” que acaba a guiar a sua mão na direcção correcta. “When she told me to / Walk this way”. Sim, o verso “Walk this way” é mesmo sobre isso, o deslizar da mão na direcção correcta.

Devido aos excessos, o grupo entraria em declínio, conflitos e tudo aquilo que arruína muitos grandes nomes. Chegados aos anos 80, a geração MTV tenta inovar, cruzar géneros. À época, o canal de televisão passava vídeos de música, daí o “M” em MTV. Em meados da década, os AEROSMITH estavam criativamente esgotados. Entretanto, corria novo sangue nas ruas, mas não necessariamente na área do rock. Os BEASTIE BOYS e os RUN DMC estavam em ascensão. Darryl McDaniels, ou DMC, como é conhecido, lembra-se de usar o tema «Walk This Way» para obter alguns beats, até porque o tema era popular devido ao seu ritmo e ao riff de guitarra. Os RUN DMC estavam em estúdio, a preparar o seu terceiro álbum, quando Rick Rubin, o produtor, entra em cena e reconhece o tema. Se a banda apenas conhecia a malha, já Rubin conhecia o grupo e explicou tudo aquilo que representavam. À sugestão de uma colaboração, a banda reagiu mal, receando perder credibilidade. Do outro lado, os Toxic Twins recebiam uma oferta de oito mil dólares por um dia de trabalho, mesmo que nenhum deles soubesse o que era rap, ou tivesse ouvido falar dos RUN DMC.

Apesar dos receios e hesitações iniciais dos rappers, a música acabou mesmo por ser gravada e nenhum dos lados previu o que viria a acontecer. O vídeo tornou-se viral e icónico; o tema atingiu a sua maior classificação nas tabelas, garantindo um novo fôlego aos AEROSMITH. A dupla Tyler/Perry entrava num processo de desintoxicação. Uma nova vaga de criatividade surgiria e, em 1987, era editado «Permanent Vacation». Como resultado, toda uma geração descobria a banda de Boston. Do lado negativo, este tema viria a introduzir também o rap a uma geração de jovens, iniciando uma escalada do estilo no mainstream, roubando terreno ao rock. Curiosamente, este cruzamento de estilos marcaria também os RUN DMC. Mesmo muitos músicos do rap e estilos associados, tentariam fazer versões que apelassem a várias tribos, como o caso mais recente, e patético, de Machine Gun Kelly com os SYSTEM OF A DOWN, ou quando Puff Daddy se juntou a Jimmy Page, na banda-sonora de ‘Godzilla’. Noutro campo, dificilmente um Kid Rock teria existido sem uma «Walk This Way» e, por isso, em 1999 levou-a aos palcos da MTV. Apesar do tema beneficiar, em muito, do som de guitarra, a cargo de um dos maiores riffs masters dos anos 70, Tyler tem beneficiado da fama da música. É normal aparecer a interpretar a mesma, como quando se socorreu de Dave Grohl e Slash, à falta dos seus companheiros de banda. De qualquer forma, Slash fica sempre aquém do desempenho de Perry, como se percebe na comparação com a interpretação deste último em Donington. A marca “rap” inserida no tema, curiosamente, fez com que não viesse a receber grandes versões no campo do rock, algo que não deixa de ser curioso. A realidade é que é mais fácil imitar o lado rap que impregnou o tema, que tirar um riff de guitarra tão massivo e definitivo como o de Joe Perry.