AQUELA VERSÃO #53: Não chega já de reinterpretações da «Running Up That Hill»?

É um dos mais recentes stunts da junção entre indústria musical e visual. Nos anos 70, os cinemas exibiam filmes centrados em concertos. AC/DC e Led Zeppelin foram apenas dois dos nomes envolvidos na experiência. Desta forma, as bandas chegavam a um público que, de outra forma, não atingiriam. Mais tarde, vieram as bandas-sonoras com artistas convidados para o efeito. A receita era simples: dois ou três nomes sonantes forneciam um tema, por vezes até uma versão, e o resto do disco era preenchido com potenciais esperanças, acelerando a carreira de recém-chegados. Seguiram-se os anúncios comerciais, em que uma música viralizava e o artista facturava. Embora de forma não inédita, com a série Stranger Things e o último filme de Batman, um novo fenómeno ganhou relevância. Com a inserção de um dado tema na banda-sonora, canção já com valor e reconhecimento adquiridos, serve-se música a uma nova geração e faz-se com que esta procure a música dando-lhe uma nova vida. Talvez por ser um filme e se destinar a uma audiência com mais maturidade, «Something In The Way», dos Nirvana, conseguiu escapar algo incólume, mas KATE BUSH e os Metallica “viralizaram” e os seus temas ganharam mesmo uma dimensão para lá do esperado.

No caso da cantora britânica, o sucesso encontra uma artista que, depois de um turbilhão de êxitos que se traduziu em seis álbuns em pouco mais de uma década, optou por uma quase reclusão que durou mais de dez anos. Mesmo hoje, a artista prefere abordar apenas os projectos que realmente interessam, abdicando da movimentada vida de artista em contínuas digressões. «Running Up That Hill» é um dos seus temas mais conhecidos, provavelmente um dos mais exigentes em termos vocais e que demonstra a verdadeira capacidade de Kate. Inserido em «Hounds Of Love», quinto álbum da cantora e datado de 1985, sucedeu ao muito bem-recebido «The Dreaming». O tema foi o primeiro single escolhido para o disco e garantiu um terceiro lugar no top de vendas – o segundo melhor resultado, à época, para a cantora. Dentro da pop electrónica da época, desde logo se percebeu o destaque dado à voz e como esta atingia uma amplitude invulgar para cantores do género. Originalmente intitulada «A Deal With God», ainda hoje é normal ser referida como «Running Up That Hill (A Deal With God)».

O tema é icónico, mas foi poucas vezes interpretado ao vivo pela cantora e só cinco anos depois de ser editado teve a sua execução em palco, com ajuda de Dave Gilmour. Inserido na banda-sonora dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, foi com a inclusão na série da Netflix que foi catapultado para uma exposição que jamais tivera No universo do hard’n’heavy, o tema foi inicialmente descoberto pelos Within Temptation. A banda faria mesmo um single com a sua interpretação do tema, onde Sharon Den Adel tenta estar à altura das inflexões associadas à música. No mesmo ano de 2003, haveria ainda outra versão. Em «Sleeping With Ghosts», os britânicos Placebo fariam uma abordagem minimalista ao original, com Brian Molko a recorrer a uma segunda voz para ultrapassar a barreira vocal, imposta pela dificuldade do tema. Ao vivo, a voz de Brian ganha outro protagonismo, apesar dos backing vocals femininos.

Sendo um tema exigente, muitos cantores tentam arriscar e mostrar os seus dotes. Felizmente, quase sempre no campo da pop. Mesmo assim, ainda há pequenos acidentes, como o caso de Jorn, em 2016, com «Heavy Rock Radio». Mais centrado na melodia e letra, Daniel Cavanagh consegue uma versão mais interessante, em «Memory And Meaning», álbum de 2015. Por cá, também os ICON & The Black Roses, no seu álbum homónimo de 2004, arriscaram a sua reinterpretação. Qualquer um destes artistas possui a mais valia de ter antecedido a actual vaga de versões, vocal covers, reinterpretações, análises e tudo o mais que a canção está a provocar com o sucesso da série e a acessibilidade às redes sociais. Bem ou mal, pelo menos conseguiram estar lá antes.