AQUELA VERSÃO: Os METALLICA e o seu «Master Of Puppets»

Foi assunto durante mais de uma semana nos “noticiários” de heavy metal e de satisfação para os metaleiros de meia idade. Entre queixas sobre os cartazes de festivais a que não vão, ou sobre o preço da cerveja de festivais a que foram, os sempre queixosos veteranos, puderam ter um momento de alegria e um daqueles episódios estilo “no meu tempo é que era”. As referências são óbvias, «Master Of Puppets» e ‘Stranger Things’. A menos que tenham estado com a internet desligada, já todos sabem que, no final da alegada última temporada, um dos personagens principais faz um solo de guitarra que corresponde ao tema-título do terceiro longa-duração da banda da Bay Area e último com o saudoso Clif Burton. Provavelmente, e exceptuando filmes temáticos como ‘Spinal Tap’ ou ‘Rockstar’, por exemplo, desde que Steve Vai perdeu para Ralph Macchio em ‘Crossroads’, de 1986, que um shredding não dava tanto que falar. Neste caso, Eddie Munson, interpretado por Joseph Quinn, toca o tema numa outra dimensão para enfrentar um bando de morcegos demoníacos. Na vida real, o próprio Quinn tocou guitarra, mas o solo propriamente dito foi reinterpretado por Tye Trujillo, de 17 anos e filho de Robert Trujillo, baixista dos próprios METALLICA. O resultado foi o disco ter sido catapultado para tops de escuta em plataformas digitais, num fenómeno que já acontecera antes com a mesma série e Kate Bush. Algo que normalmente ocorre no cinema com certas músicas, como o caso do último filme de Batman e um clássico dos NIRVANA. É, verdade seja dita, apenas uma nova forma de marketing para ressuscitar velhos temas.

Claro que as reacções a tudo isso têm sido hilariantes. Alguém já descobriu que entre o momento em que decorre a série, e a edição do tema, só teriam passado duas semanas. Neste momento, por exemplo, especula-se sobre o nome do personagem, pois numa anterior temporada tinha sido visto a brandir uma cassete dos IRON MAIDEN, dizendo “isto é música” enquanto usava um backpatch da banda britânica. E claro, muitos adolescentes têm, lá por casa, pais, ou avós, sorridentes, com aquela cara “não te dizia para ouvires?!”. É um bom stunt, diga-se. Ao qual a banda já reagiu, como se de nada soubesse e que, provavelmente, irá ter direito a cometário quando passarem por Lisboa amanhã. Afinal, o «Master Of Puppets» não é um álbum qualquer e, para muitos, é mesmo o melhor registo da banda. Foi, pelo menos, o disco que realmente abriu caminho ao grupo, mesmo que tivesse também os seus pontos negativos. “Chop your breakfast on a mirror” é daquelas frases com que muitos se poderão identificar. A letra é, claramente, sobre a dependência de drogas duras e, nisso, é bem explícita – sem segundas leituras. Apesar da sua importância, apenas seria editada em formato single em França, mas não será de estranhar que em breve algo seja feito para aproveitar o sucesso do momento. Considerada “culturalmente, historicamente e esteticamente significativa”, foi integrada na National Recording Registry da Biblioteca do Congresso Americano, em 2016. Foi o primeiro tema de heavy metal a merecer essa distinção.

Desde logo o tema foi interpretado nos concertos da banda. Aliás, a capa do disco, serviu mesmo para o stage set da altura. Uma apresentação a 6 de Julho de 1986, no Roskilde Fest, é mesmo uma das últimas boas oportunidades de apanhar Cliff Burton em palco. Mais tarde, seria reinterpretado em «S&M» e ainda é tocado regularmente fora dos palcos, como numa visita do grupo ao programa Howard Stern, por exemplo. E,como é natural, alguns grupos fizeram versões do tema. Um dos primeiros a fazê-lo, em jeito de retribuição, foram os HOLOCAUST, banda da NWOBHM que tinha visto um tema seu ser reinterpretado pelos METALLICA. A versão está em «Metal Militia – A Tribute to Metallica II»,de 1996, lançado uma década depois do original. Também por essa altura surgiam os APOCALYPTICA. O seu primeiro disco é incontornável para qualquer fã de Hetfield e companhia. Iniciariam também um tipo de abordagem aos clássicos, que se pode definir como fora de caixa. Sem essa intervenção, talvez não existissem os BEATALLICA que, em 2009, fizeram «Masterful Mystery Tour». Também os VAN CANTO fizeram a sua abordagem do tema, em versão vocal, assim como Steve’n’Seagulls. Mais tradicionais terão sido os TRIVIUM, com uma versão by the book. Também os ANGELUS APATRIDA perdem uma boa hipótese de colocar mais peso no tema. Afinal, passaram quase quatro décadas sobre o original, e duas desde que os DREAM THEATER, em Barcelona, resolveram revisitar ao vivo o disco na íntegra. Claro que, agora, não faltarão novas versões, vídeos de interpretação e reacts. Quem sabe até se os próprios METALLICA não convidam uns quantos artistas para reinterpretarem o disco, à imagem do «Black Album»? O que interessa, acima de tudo, é obter o rendimento.