corpus christii

CORPUS CHRISTII: “O meio do black metal, na sua plenitude, morreu.” [entrevista]

“O álbum foca-se na essência do que era e, a meu ver, continua a ser, o black metal”, explica Nocturnus Horrendus, o líder e mentor dos CORPUS CHRISTII.

«The Bitter End Of Old», o nono registo de longa-duração dos CORPUS CHRISTII, foi finalmente lançado no dia 13 de Maio de 2022 e, desde logo, afirmou-se com um dos grandes lançamentos do ano. Este que é já o nono trabalho de longa-duração do grupo nacional, foi inteiramente gravado entre Abril e Outubro de 2021, nos Generator Music Studios, em Sintra. A produção, mistura e masterização ficaram a cargo de Miguel Marques e da própria banda. A capa, a recordar as gravuras de William Blake, foi criada pela Opposition Artworks, com design e layout a terem assinatura da WrathDesign. A editora a cargo do lançamento é a independente belga Immortal Frost Productions, com edição em cassete via Larvae Records. Tudo bons argumentos para conversarmos com Nocturnus Horrendus que, com J. Goat, navega o barco maldito do black metal nacional.

Como surgiu este título?
Tem várias vertentes, não me recordo muito bem como cheguei ao título, mas tem a ver com o simples facto de, a meu ver, sentir que o meio do black metal, na sua plenitude, morreu. É uma visão nostálgica de como, pelo menos para mim, era antigamente. O álbum foca-se na essência do que era e, a meu ver, continua a ser, o black metal. Há ainda muitas bandas incríveis, mas aquela aura toda que existia, quase ingénua, sem grande informação das coisas, em que vias tudo de uma forma pura, morreu. Este álbum é um reflexo das minhas saudades dessa altura.

Como é que o black metal morreu?
Há várias razões, sem nenhuma em concreto. Quando entrou a cena dos Dimmu Borgir, e o género se tornou muito grande, expôs muito o black metal. Chamou muita gente. Quando deixas de ser um micromundo e passas a um macro, há coisas de que perdemos o controle. Essa é uma das razões. Depois disso, veio a internet e o espalhar do termo black metal. Expôs muito isso, mesmo quando muitos de nós não estávamos para aí virados; eu sou daqueles que esteve um bocado reticente. Não só expôs o black metal a muita gente, como também veio ridicularizar e até mesmo patetizar o meio em si. Depois há o facto de que, hoje em dia, as pessoas entram no meio e consomem tudo de repente. Num ano ouvem todos os clássicos e sabem tudo. Na altura não assim, era uma questão de vivência, que demorava o seu tempo. Como sabes, quando entramos rápido em alguma coisa, também saímos rápido.

Perde-se aquela noção da evolução que só se percebe quando se espera pelo trabalho.
O metal já era algo de difícil acesso, antigamente. O black metal ainda era de mais difícil acesso. Tens um conjunto de discos que são clássicos, não o são por uma razão particular, mas porque te podias debruçar sobre eles, imenso tempo. Nos últimos dez anos, saem discos que estão na berra dois ou três meses e desaparecem. É a procura da next big thing. Há sempre um “next” e as pessoas não possuem tempo suficiente para apreciarem os álbuns que são verdadeiramente bons.

E certas bandas, apenas conseguem reconhecimento depois de entrarem em meios massificados, como festivais.
É um mundo completamente diferente. Antes ias a um festival e levavas um certo estatuto, as pessoas iam lá ouvir-te. Neste momento estamos a passar por isso, dentro do microcosmo do black metal. Fomos tocar ao Steelfest, na Finlândia, que é capaz de ser o festival maior e “mais” black metal na Europa, a meu ver, e tivemos uma explosão das pessoas a quererem saber da banda. Ou porque ignoravam, ou porque tinham esquecido. É um factor normal e não me sinto constrangido dentro deste microcosmo.

Falava de bandas que só começam a encher salas, depois de passarem num festival.
Contra isso não tenho nada a dizer, ainda bem para as bandas. É uma forma de te expores a uma série de gente que, de outra forma não te vai ouvir. A verdade é que podes ter mil likes numa foto, mas desses quantos é que vão ouvir a música? É uma falácia, a verdade é essa. Colocamos fotos e temos um spread de pessoas a verem e a gostarem, mas quando pomos música é um mundo completamente à parte. É o mesmo quando tinhas o computador na mão e hoje o telemóvel. Antes as pessoas passavam, clickavam e escutavam a música, hoje têm um ruído branco a sair do telemóvel. Que conclusão vão tirar? Nenhuma. Estamos em tempos diferentes.

Saudosista?
Não, apesar de estar a ser. Eu vivi aquele passado, aqueles momentos áureos, incríveis. Tenho imensa pena que o pessoal de agora não vá passar por isso. Ao mesmo tempo, aprecio que hoje é mais fácil espalhar música, mas tem tudo menos relevância nesta era do “agora, agora”, em que as coisas se perdem pelo caminho.

Falaste dos discos durarem menos de três meses. Tens um álbum novo que acaba de ser editado, como pensas dar a volta a isso?
Acabando com a sobrelotação de bandas e álbuns. As pessoas têm de se começar a focar na sua banda principal, aquela que é a família, a sua alma. Não têm de estar a lançar dez mil coisas todos os meses, todos os anos. Eu próprio, no passado, contribui para isso, mas era uma altura em que as pessoas ainda iam ouvir. Hoje é por isso que não tenho problemas a demorar três, quatro ou cinco anos a lançar um álbum. Facilmente lançava um disco todos os anos. Não custava nada e mantinha a qualidade.

Isso não joga contra projectos teus e do J. Goat? Muito do black metal nacional desenvolve-se à volta dessas multi edições.
Com Morte Incandescente e Corpus Christii, em cinco anos, lancei três álbuns. O J. Goat, fora dos Corpus Christii, fazia Wømb, que já não existem, e lançava maquetas volta e meia, muito raramente. Penso que com os Filli Nigratium Infernalium também seja assim. É um mau exemplo, não estamos a lançar coisas a toda a hora. De qualquer forma, não estou muito preocupado com a minha produção, quero é lançar um álbum e dizer “porra, é isto”. O facto é que é isso que sinto com este disco. Regularmente ouço a minha música, há mais de vinte anos, e continuo, por isso devo estar a fazer alguma coisa bem.

Falando do tempo que passou desde o «Delusion»; este disco supostamente estava gravado há algum tempo ou, pelo menos, houve essa referência, a dado momento.
Nós começamos a gravar o álbum num outro estúdio, mas as coisas não correram bem. Não engrenou bem. Regressámos aos Generator Music Studios, onde queríamos ter gravado desde o início. Na altura que o quisemos fazer, havia obras e não tinham condições para irmos lá gravar. Aí perdemos algum tempo. Depois era o simples facto de estarmos a ver se valia a pena lançar um álbum. A editora, a Immortal Frost, editou em 2021 e, dois meses, depois já não se sabia das bandas, não podiam fazer digressões.

Esse tempo extra, não permitiu reflectirem melhor na composição do que tendo os habituais deadlines apertados?
Não, isso é algo de que não sofro. Sei que muitos músicos sofrem disso, ouvem e depois querem mudar tudo, mas eu não sofro disso. No momento em que estou a gravar, vou adicionar pequenos toques que não pude fazer antes. Sei que aquilo que estou a captar nesse momento é precisamente o que quero fazer. É raro sair do estúdio e o álbum não estar, pelo menos, a 95% do que queria. Mesmo quando escuto o disco agora, e já está gravado há algum tempo, não encontro nada que queira mudar. É aquilo que queria. Conheço muitos músicos que sofrem com isso e não conseguem gravar um álbum. Como não fazem logo tudo, vão gravando e mexendo agora nisto, depois naquilo e não vão a lado nenhum. Estão a perder uma série de anos para gravar o disco. Gravam às mijas, fica mal feito e, no final, estão desmotivados porque não sai como queriam. Já tive imensas bandas a dizer-me isso e respondi “A culpa é vossa, porque não se enfiaram no estúdio, gravaram tudo e ficaram com a cena do momento”. Se o tivessem feito, não sofriam as consequências.

Que pretendes fazer com este disco? Apareceram no Steelfest, fazem agora Porto e Lisboa, daqui a semanas o J. Goat arranca com em tour com os Vltimas…
Estamos a negociar pela primeira vez uma digressão pela América do Sul, que é fruto, precisamente, dos contactos que fizemos no Steelfest. Espero que venha a acontecer, estamos a analisar a proposta. Há também contactos com outra banda para fazermos uma digressão europeia no final do ano. Acima de tudo, estamos a planear uma tour para início de 2023. Espero, até meados de 2023, ter concretizado duas ou três digressões.

Isso irá contribuir para manter o disco na ribalta.
Quero esticar a promoção do disco o mais possível. Acho que merece, apenas preciso que chegue aos ouvidos das pessoas. Para isso é preciso tocar, mas está a acontecer um fenómeno de que as bandas não falam. Se antes da pandemia era difícil fazer tours, agora está quase impossível, por causa dos preços e custos. Vais reparar que já não há bandas a fazer digressões de nightliner, porque estão caríssimos. Combustível caro, portagens… Vais aumentar os preços dos bilhetes para compensar? Está uma situação complexa. As bandas maiores fazem as tours, mas os opening acts estão a pagar e a sustentar toda a estrutura. É uma realidade contra a qual sempre fui contra. A verdade é que, para entrares em digressão, é assim – e está para durar.

Recorde-se que os CORPUS CHRISTII vão actuar no Vagos Metal Fest, que decorre de 3 a 5 de Agosto na Quinta do Ega. A banda sobe ao palco ‘Hidromel Lucitanea’ na quinta-feira, dia 3, às 00:45. Os bilhetes para a 6.ª edição do evento estão disponíveis no site oficial e nos locais habituais.