CORPUS CHRISTII: «The Bitter End of Old» | Immortal Frost Productions, 2022 [review]

Só o mais desatento não terá dado conta da profícua produção nacional no campo do black metal. Trveismos e outras ridicularias à parte, o facto é que um bom lote da produção nacional com relevo internacional dentro do nicho. Desse lote, apenas uma fracção pode ser concretizada em palco, quase sempre em círculos restritos e de pouca dimensão, algo até relevante para o público que segue o estilo. De todas essas bandas, são escassas as capazes de preencher uma sala na casa dos três dígitos. Os elementos dos CORPUS CHRISTII integram diversos projectos com as características descritas acima, diga-se.

No plano mais generalista, aquele que realmente importa, em termos de escala, poderão contar-se pelos dedos de uma mão, os nomes capazes de encimar o cartaz de um festival de metal em Portugal. Menos ainda são os que apresentam apelo suficientemente abrangente para estar num festival internacional, como neste Verão estarão os EMPEROR, DARK FUNERAL ou WATAIN.

Tomando esta última referência, em que o lado black está equilibrado com o lado metal, entre os nomes mais antigos, será admissível, que os MOONSPELL já não integram o triunvirato original, e que tanto os DECAYED como os FILII NIGRANTIUM INFERNALIUM dependem da conjugação de formação, momento e cartaz, para realmente serem eficazes. É por isso que, no cenário actual, apenas dois nomes podem almejar atingir esse lugar – e os CORPUS CHRISTII são, sem dúvida, um deles.

Pelos argumentos apresentados acima, este novo registo do grupo liderado por Nocturnus Horrendus levantava muita curiosidade. Não pela necessidade destes se afirmarem, porque tal já foi feito há décadas, mas para se perceber o estado actual da sua arte. Por outras palavras, se aqui se tratava de viver da glória passada ou, pelo contrário, existir no plano actual. «The Bitter End Of Old» responde claramente a isso.

Será discutível estar-se, ou não, perante o melhor álbum do grupo. Os discos novos causam muitas vezes essa sensação, perdendo gás com os meses e ainda é cedo para fazer esse julgamento. Pode, no entanto, avaliar-se o que aqui está. E o que aqui está é muito bom. Os músicos até podem não gostar, mas escuta-se «Unearthly Forgotten Memory» e encontra-se tanto de clássico como de novo. Aquele up beat, com o riff em loop galopante, por volta dos dois minutos, podia bem estar no último disco de uns WIEGEDOOD, da mesma forma que a melodia que surge antes se podia encontrar num clássico dos EMPEROR.

É, portanto, nesta fusão, mesmo que não propositada, de classicismo e modernidade que reside grande parte da atracção pela obra. «Fragmented Chaos Disharmony», faixa seguinte, é o tipo de tema que podia ecoar num qualquer festival de Verão, sem fazer o público generalista procurar a zona de alimentação, ou a fila do WC. E é com faixas assim, em que o black se equilibra com o metal um pouco mais tradicional, que o disco revela a dimensão e protagonismo que a dupla Nocturnus Horrendus e J. Goat consegue conferir hoje ao nome CORPUS CHRISTII.

Alheados de modas, mas não insensíveis à evolução musical, numa canção como «From Here To Nothing», os dois vertem para este disco não só aquilo que escutam, mas também o que daí retiram em termos de inspiração. O tema poderá soar ao melhor dos PRIMORDIAL, com um grau épico que anos há atrás não se encontraria neste contexto, mas que atesta muito da atitude “também sabemos, e podemos, fazer assim”.

Percorrendo grande parte da história do black metal, com uma «To The End, To The Void» crua e brutal, como nos inícios dos 90s, mas com a produção e o cuidado da presente década, o disco é tão uniforme como audaz. Não há grande espaço para a experimentação da banda jovem, mas encontra-se a solidez da experiência de décadas, dos quilómetros percorridos e dos muitos projectos acumulados. Alguém, um dia, perguntou, acerca dos multiprojectos de black metal em que alguns músicos nacionais se envolvem, se não seria melhor dedicarem o tempo e esforço a fazerem um só projecto de jeito.

Certamente que «The Bitter End Of Old» não será a resposta a isso, mas claramente é o exemplo de como um disco pensado e cuidado pode ficar a léguas da produção habitual saída deste recanto da Europa. Um disco em que o black se alia ao metal. Um disco que poderá não ser consensual nos micro nichos do género, mas que claramente não causa vergonha alheia, ombreando com o que de melhor se faz no metal. Sem nada fugir ao black,