Placebo

EDP VILAR DE MOUROS @ Vilar de Mouros | Dia 1 – 25.08.22 [reportagem]

Continuamos a recuperar os eventos “perdidos” durante a época pandémica, e um dos últimos da lista é também um dos mais antigos e mais emblemáticos do país – VILAR DE MOUROS, cuja rica e longa história é quase palpável ao aproximarmo-nos do recinto. Ao ver o palco histórico, antes da entrada actual, e ao observar a alegria patente tanto nas caras tanto dos que parecem já ter muitas, se não mesmo quase todas, as edições do festival no seu currículo, como dos pequenitos que correm desenfreadamente na companhia dos progenitores durante a sua primeira visita, não há forma de não nos sentirmos imediatamente em casa, e em “família”. E não há quantidade de calor abrasador nem de pó nas ventas que nos faça esmorecer!

Foi assim, nesse ambiente familiar e tranquilo, que os THE BLACK TEDDYS, depois de atravessar o país inteiro (são algarvios, de Olhão), deram o tiro de partida à adiada mas finalmente concretizada edição de 2020… perdão, 2022, de Vilar de Mouros. Como que fazendo jus ao ambiente, foi uma actuação também morna, perante as poucas centenas de festivaleiros pontuais que por ali já andavam, com a banda a debitar o seu indie rock “inofensivo”, de influências temporais diversas, sem grandes sobressaltos. Terá sido para eles também uma experiência marcante, um concerto num palco desta magnitude, tanto em história como efectivamente de tamanho físico – recorde-se que, para esta edição, o palco secundário foi suprimido, tendo as cinco bandas diárias direito ao palco principal e único.

Foi uma introdução que até se revelou preciosa para nos olear um pouco os ouvidos, porque o salto dado para o concerto seguinte foi substancial – os BATTLES, vivendo o 20.º ano da sua já ilustre carreira, tendo sido fundados em 2002 pelo guitarrista (entre outras coisas) Ian Williams durante um hiato dos míticos Don Caballero, vieram animar, e de que maneira, o público agora já bem mais numeroso que se ia formando em frente ao palco. Reduzidos à sua expressão mais simples de duo, com o baterista dos Tomahawk (e ex-Helmet) John Stanier a dar uma verdadeira drum clinic de variedade, energia e talento no manusear do seu instrumento, os Battles são uma daquelas bandas que nem se estranha, só se entranha. Catchy desde a primeira audição, e com muitas camadas subsequentes para ir descobrindo. Irrequietos estilisticamente, tanto altamente dançáveis (como boa parte do público bem demonstrou) como demolidoramente pesados, agarram-nos com o perlimpimpim daquelas melodias electrónicas maradas e com as batidas de gingar a anca, mas quando damos por nós (e quando o perlimpimpim se cala e só resta o groove massivo do low end, que sempre esteve lá por baixo enquanto nos entretínhamos a dançar) estamos atolados debaixo de uma barulheira impressionante, bem se fazendo sentir o fantasma da antigo e lendário conjunto de Ian. Diz ele a certa altura que adora visitar Portugal, e propôs a formação de uma nova banda, com eles os dois e “os melhores portugueses”. Se o único problema era mesmo o nome que se daria a essa banda, por nós, podem avançar já, e está encontrado o primeiro headliner do festival de 2023.

De seguida, mais um nome bem conhecido das últimas décadas, e de certa forma a apelar um pouco à nostalgia, como é apanágio deste festival – GARY NUMAN. Agora com 64 anos, doze depois da sua primeira e única visita ao nosso país, mantém a genica possível e imagética dark que sempre o caracterizou. O britânico é mais conhecido como o autor dos hits líderes de tabela nos 70s, «Are ‘Friends’ Electric?» (ainda com os Tubeway Army) e «Cars» (o seu primeiro single em nome próprio), ambas naturalmente parte importante ainda hoje do setlist, tendo a primeira mesmo honras de fechar o concerto. Os restantes dez temas tocados ontem á noite relembraram bem, no entanto, a profundidade enquanto compositor de Numan, e descargas como «Metal» (que os Nine Inch Nails já homenagearam numa versão extraordinária) ou «My Name Is Ruin» ganham dimensão suficiente ao vivo para competir com as mais “universais”. Foi ainda assim pena que, para um pioneiro da música electrónica (o “rei do synthpop”, como é chamado por vezes), o som tenha estado muito longe do ideal, perdendo-se muitas vezes o impacto das batidas pelo baixo volume, e desaparecendo a voz, abafada e enterrada na mistura confusa que saía cá para fora. Apesar de tudo, a experiência do veterano fez com que o concerto tenha sobrevivido com poucos danos.

Já o mesmo não se pode dizer, infelizmente, dos PLACEBO, nitidamente a maior banda da noite em termos de apelo para os presentes, e a que reunia mais antecipação. A atmosfera nos últimos minutos de espera – período em que muitos já se queixavam de um “atraso” que, de facto, não existiu, já que a hora prevista para a actuação eram as 23:10, e foi escrupulosamente cumprida – era positivamente eléctrica, reunindo de longe a maior concentração de público deste primeiro dia. A entrada em palco do agora duo (apenas o líder Brian Molko e Stefan Olsdal são oficialmente membros da banda), que ao vivo se estende para um quinteto, foi absolutamente apoteótica. Infelizmente, alguns problemas técnicos de resolução morosa, que foram irritando Molko de sobremaneira ao longo dos primeiros temas (a origem parecia ser no amplificador da sua guitarra), e acima de tudo, a organização da setlist, foram lentamente fazendo esmorecer o entusiasmo, e ao passar a metade do concerto, já eram muito poucos os braços no ar ou as cantorias frenéticas que poderiam ter acontecido com um bocadinho mais de bom senso.

A questão é que, por bom que seja o novo «Never Let Me Go» – e é mesmo um belo regresso à forma depois de alguns anos de álbuns menos inspirados, para ser simpático, no período pós-«Meds» – e por mais vontade que tenham de mostrar fé no seu material recente, a verdade é que é uma decisão bizarra e dificilmente compreensível de despejar oito dos seus onze temas nos primeiros onze de um concerto, ainda para mais num festival com estas características. Só dois temas “menores”, do já de si mediano «Loud Like Love» («Scene Of The Crime» e «Too Many Friends»), e a longínqua «Bionic», do auto-intitulado de estreia e sticking out like a sore thumb no meio das modernices todas, deram algo ao público em geral onde se agarrar. Longe de nós querer ensinar “a missa ao Papa”, e de facto, se o público tivesse estado on fire perante este panorama, nem sequer se poria esta questão, mas sendo assim, não teria sido mais sensato pegar nos melhores do novo trabalho (claramente «Beautiful James», «Happy Birthday In The Sky» e «Try Better Next Time», não só pela nossa opinião, mas também por terem sido as únicas que registaram alguma reacção mais notória da multidão) e espalhá-las um pouco por entre outros malhões tried and tested? É que responder àquele chamado electrizante do público no início com uma sensaborona «Forever Chemicals», ou até mesmo “esconder” a primeira rendição ao vivo de «Chemtrails» no meio deste marasmo, são claros tiros nos pés.

Quando finalmente se chegou à altura de tocar as que, nitidamente, boa secção do público esperava, se calhar compreendemos um pouco a razão destas opções – se «Slave To The Wage» (mesmo assim uma escolha estranha de representação do «Black Market Music») ainda se aproximou razoavelmente do expectável, já as icónicas «The Bitter End» e «Infra-Red» foram interpretadas de forma, digamos, “aproximada”, com uma notória falta de vontade por parte de Molko para sequer aplicar a intensidade que as versões originais têm, já para não falar da melodia vocal “certa”. E pronto, foi isso de “clássicos”, com «Without You I’m Nothing» a ser completamente ignorado, por exemplo, e deixando para o fim a música “da moda”, a «Running Up That Hill» da Kate Bush. Certo, os Placebo chegaram lá antes e já tinham esta cover antes de «Stranger Things» a voltar a meter no topo do mundo, mas ainda assim tresanda a mercantilismo fácil tê-la como tema final de um concerto de uma banda com a história riquíssima dos Placebo. Que a sua próxima passagem por cá seja melhor e mais ao nível dos concertos explosivos deles a que já assistimos, é o que se deseja.

De forma talvez surpreendente, foram os SUEDE a resgatar a noite de volta para os píncaros de entusiasmo, e a dar uma autêntica lição de noção. Outrora inseridos no big four do britpop, ao lado dos Oasis, Blur e Pulp, mesmo que sempre tenham sido um bocado o odd man out desse conjunto tanto musicalmente como em termos de aproximação à sua arte – apropriado, já que também lhes é frequentemente atribuído o género meio vago “art rock” –, apresentaram-se com peso e negrume notáveis, com os cinquentões fundadores Brett Anderson e Mat Osman em grande forma, na voz e baixo respectivamente. Sem querer continuar a “bater” nos Placebo, exercício que não nos provoca qualquer tipo de prazer, é inevitável notar que também os Suede têm um álbum novo, «Autofiction» (a sair nos próximos dias), mas tendo aberto o concerto com o primeiro single «She Still Leads Me On», acharam, e bem, que estava bom assim, e lançaram-se por aí fora com «She», «Trash», «Animal Nitrate», «We Are The Pigs»… tudo temas dos três primeiros álbums, «Suede», «Dog Man Star» e «Coming Up». Com uma excepção ou outra (também temas de «Head Music» tiveram airtime considerável, e quase todos os álbuns foram revisitados), foi nessa era de material que se centrou a actuação, tendo o público sido mantido em altas até à fantástica dupla final de «Beautiful Ones» e «New Generation», já noite dentro.

Mesmo com o faux-pas dos Placebo, dia/noite de retoma excelente para Vilar de Mouros. Para hoje, o “dia maldito”, o de todos os cancelamentos, que ainda assim acabou com um alinhamento de dar água na boca. Siga a dança!

FOTOS: Estefânia Silva