GLENN HUGHES: “Sou um músico que gosta de correr riscos” [entrevista]

O lendário músico britânico GLENN HUGHES regressa a Portugal já este mês para celebrar 50 anos da edição original do clássico «Burn», dos DEEP PURPLE. Aquele que foi o primeiro registo do Sr. Hughes com os veteranos britânicos – e, na altura, também o primeiro com David Coverdale, que à data era só mais um cantor desconhecido – vai servir de mote aos espectáculos marcados para os dias 10 e 11 de Maio, no Casino Estoril e no Coliseu do Porto AGEAS, respectivamente. Dada a ocasião, nada melhor do que falar com o próprio para saber mais pormenores acerca da digressão Glenn Hughes Performs Classic Deep Purple Live.

É de loucos pensar que já se passou meio século desde que gravaste o «Burn» com os Deep Purple.
Sinto que foi ontem! Já aconteceu tanta coisa na minha vida e esse álbum foi tão importante para nós todos. Éramos bastante novos, foi um período magnífico. Como sabes, os anos 70 foram muito bons para a música rock e, na minha opinião, a melhor altura de sempre para o género. Acho que todos os que passaram pelos 70s têm essa noção.

Antes de falarmos um pouco mais acerca do disco, diz-nos quem te acompanha nesta digressão europeia.
Na guitarra temos o Soren Andersen, que já toca comigo há quinze anos, e na bateria temos o Ash Sheehan, que está comigo há cinco anos. Nos teclados temos o Bob Fridzema. Acho que as pessoas conhecem bem o Soren, que já toca comigo há muito tempo. Vai ser um grande espectáculo, sem dúvida.

Falando do alinhamento para o concerto, vais focar-te fortemente no «Burn» e, certamente, em alguns temas do «Stormbringer»?

Vamos ter muitas músicas do «Burn» no alinhamento… E vou prestar a minha homenagem ao «Stormbringer» e «Come Taste The Band». Provavelmente também vou tocar a «Highway Star» e a «Smoke On The Water» como surpresa para todos.

Quando te juntaste aos Deep Purple tinhas 21/22 anos. Eras um jovem! Ficaste surpreendido quando surgiu o convite para te juntares à banda?
Em 1972, eles passavam o tempo a ver os meus concertos com os Trapeze. Apareceram numa série de espectáculos… Em Nova Iorque, Los Angeles, Londres. O Jon Lord, o Ritchie Blackmore e o Ian Paice estavam lá, mas eu não tinha a mínima noção que estavam lá para me ver. A «Smoke On The Water» era um êxito enorme nessa altura e, quando me convidaram para me juntar a eles, disse que sim! [risos]

Já ouvimos muitas histórias do Ritchie Blackmore, mas como foi realmente a tua experiência pessoal com ele naqueles primeiros meses?
Quando me juntei à banda, fui ter com o Ritchie à sua casa de Londres, apenas nós os dois. Depois fomos para Hamburgo, na Alemanha, novamente apenas ele e eu. Quando estávamos sozinhos os dois era fantástico, porque o Ritchie é bastante engraçado. Queria que eu fosse amigo dele. Para ser muito sincero, não tenho nenhum problema com o Ritchie. Respeito-o imenso, mas sei que é maluco! É um génio, e tenho apenas amor e afecto por ele.

Foram até ao Clearwell Castle para compor os temas do «Burn». Hoje, não passa pela cabeça de ninguém ir para um castelo fazer esse tipo de trabalho, por causa do conforto, digo eu. Como foi a tua experiência durante esse processo?
O castelo tinha 500 anos e nós compusemos os temas na masmorra, que era o local onde pessoas tinham sido torturadas! Era um pouco assustador, era um castelo velho para caraças! Era mesmo assustador.

Também já ouvimos histórias de sons estranhos em castelos, isso também aconteceu contigo?
O Ritchie armadilhou o meu quarto com colunas ligadas a um microfone e, durante a noite, começou a fazer sons de fantasmas. Resultado, pregou-me um susto de todo o tamanho.

O tema-título «Burn» foi um dos últimos a serem compostos para o álbum. Lembras-te qual foi o primeiro que saiu dessa sessão?
Estivemos duas semanas no castelo para compor os temas. Todos os dias tínhamos uma ideia nova e não me lembro bem qual terá sido a primeira… Talvez tenha sido a «Might Just Take Your Life». Lembro-me que estávamos no pub e ainda nos faltava uma música – foi aí que o Ritchie se virou para nós e disse: “Que tal o nome Burn?” Por volta das onze da noite, depois de sairmos do pub, voltámos ao castelo e ligámos os instrumentos. Uma hora depois, tínhamos uma música chamada «Burn». Foi incrível.

Este disco marcou também a estreia do David Coverdale numa banda grande. Como era a química entre vocês?
Foi óptimo estarmos juntos. O David nunca tinha gravado um disco antes, mas eu já o fazia há cinco ou seis anos. Quando começámos a trabalhar na composição e a decidir quem iria cantar o quê, que verso, por exemplo, entendemo-nos bem. Ele era muito doce, e eu ajudei porque ele estava muito nervoso. No entanto, as coisas acabaram por correr muito bem.

Quando te juntaste à banda, fizeste questão de dizer que também querias cantar – para além de tocar baixo. As coisas correram sempre bem nesse sentido, mesmo depois do Coverdale entrar?
Estava em Nova Iorque quando eles pediram para me juntar à banda em Maio de 1973. Disse-lhes que sim, mas que precisava de cantar porque tinha começado a minha carreira como vocalista. O Blackmore disse que queria que a banda tivesse dois vocalistas, por isso eu concordei em juntar-me porque queria expressar-me como um baixista que é capaz de ser vocalista. Acho que acabou por funcionar muito bem.

Além do «Burn», outro dos temas que se destaca é o «Sail Away», que tem uma linha de baixo incrível.
Obrigado! O Ritchie e eu trabalhámos nessa canção. Acho que foi a primeira vez que o Ritchie escreveu uma canção tão cool. Já tinha escrito grandes canções, claro… mas nunca uma tão cool como a «Sail Away». Fico contente que gostes desse tema, porque é um dos meus favoritos.

Com a tua chegada aos Deep Purple parece que houve uma abertura musical na banda. Houve alguma preocupação do lado deles ou foi algo que queriam fazer?
Como disse antes, eles passaram o tempo a ir ver concertos meus. O Lord, o Paice e o Blackmore apareciam sempre nos meus espectáculos, por isso sabiam o músico e vocalista que eu já era nos Trapeze. As pessoas passam o tempo a dizer que fui eu trouxe o funk para os Deep Purple, mas isso não os importunou. Eles sabiam exactamente ao que iam quando me contrataram.

O Ian Paice está em brasa no «Burn»! Parece que toda a banda estava muito inspirada.
Eu sou um baixista diferente do Roger Glover. Depois de me juntar à banda, vivi em casa do Ian Paice, que era em Londres, por isso ficámos muito próximos. O Ian e eu trabalhámos muito em conjunto para discutir as linhas de baixo e outros pormenores. Quando fomos para o castelo, já estávamos a trabalhar nesse sentido.

O vosso primeiro concerto foi em Copenhaga, e lá estava o Lars Ulrich. Como foi essa primeira actuação com os Deep Purple?
Consegues imaginar… Focámo-nos o «Burn» que, na altura, ainda não tinha saído! Tocámos seis músicas do álbum que as pessoas desconheciam completamente, mas vibraram bastante ao ouvi-las. Falei com o Lars sobre isso, e ele também estava fascinado com essa nossa opção. O público dinamarquês adorou a experiência.

É fascinante como nessa altura as bandas andavam em digressão de um disco que ainda não tinha saído; hoje em dia essa ideia é inconcebível.
Sabes, eu sou um músico que gosta de correr riscos. Para mim, quando fizemos esses espectáculos em Dezembro de 1973 e Janeiro de 1974, porque o disco saiu em Fevereiro, fazê-los sem um disco cá fora era muito perigoso, mas acabou por funcionar muito bem.

Podes ouvir a entrevista completa no Metal Global, com o Jorge Botas, no player em baixo.