GOJIRA: “É incrível sentirmos que estamos a ser compensados pelos sacrifícios que fizemos” [entrevista]

Seria algo descuidado, até ignorante, sugerir que os GOJIRA – uma das bandas mais faladas e veneradas do metal moderno – não estavam já no topo da lista de potenciais pesos pesados destinados à primeira divisão do género. No entanto, a nomeação para um Grammy em 2016, com «Magma», trouxe-lhes hordas de novos fãs e acabou por gerar um hype tão astronomicamente elevado à sua volta, que lhes proporcionou a oportunidade de irem em digressão como “suporte” aos METALLICA, que são “só” a maior banda do género de todos os tempos. E sim, enquanto que os puristas vão olhar sempre para álbuns como «From Mars To Sirius» ou «The Way Of All Flesh», de 2005 e 2008, respectivamente, como as suas obras-primas, a verdade é que actualmente a banda liderada pelos irmãos Duplantier conseguiu afinar a sua sonoridade ao ponto do equilíbrio perfeito entre acessibilidade e peso. Resultado, com o «Magma» criaram um disco diferente de qualquer um dos que tivessem gravado até então e abriram-se, não só a uma audiência maior e, mas também a uma nova era sónica, que só se tornou realidade em «Fortitude». Depois de uma longa espera para poderem mostrar a força dos novos temas ao vivo, e de terem ponderado a hipótese de nem sequer fazerem uma digressão para promover um disco lançado em plena pandemia, os músicos estão finalmente de regresso à estrada na Europa e, segundo o sempre simpático vocaista e guitarrista Joe, prometem fazer tremer as estruturas do Estádio Nacional quando subirem ao palco hoje, para encabeçar o dia inaugural da muito aguardada 11.ª edição do VOA – HEAVY ROCK FESTIVAL.

Como tens passado desde que falámos pela última vez, Joe?
Estou bem. Há muita coisa a acontecer por estes dias, por isso tenho estado bastante ocupado. Ainda estou por casa, com a minha família, e em breve vou ter de lhes dizer “adeus, até daqui a um mês”, o que é um sentimento estranho. É sempre difícil estar afastado de casa tanto tempo mas, mesmo assim, não me posso queixar.

Está a tornar-se mais complicado partires em digressão à medida que os anos vão avançando?
Sim, sem dúvida. Começou a tornar-se mais difícil ir em tour a partir do momento em que fui pai. Os miúdos têm uma relação estranha com o tempo e, até terem uma certa idade, para eles uma hora ou um ano são quase a mesma coisa. No meu caso, já começam a ter noção de que vou estar longe durante um mês e sabem que isso significa que não me vão ver durante muitos dias, por isso as despedidas não vão ser propriamente fáceis. [risos] Enfim, é o que é… Acima de tudo, sinto-me abençoado por podermos estarmos a trabalhar tão bem com a banda.

Passaste muito mais tempo em casa do que era habitual por causa da pandemia, o que também não deve ajudar neste regresso à estrada.
Pois, acho que não ajuda mesmo nada. [risos] É engraçado, porque pensei que, depois do tempo todo que passei em casa, isso ia fazer com que fosse mais fácil deixá-los para ir em tour, mas… Por um lado, estou definitivamente muitíssimo entusiasmado com a perspectiva de passarmos um mês a dar concertos pela Europa, por estarmos de volta à normalidade; por outro, não sinto que desta vez seja nem um pouco mais fácil deixar a minha família e os meus filhos, sobretudo numa altura em que se habituaram a ter o pai sempre por perto.

Sentiste falta da estrada, digamos assim, durante o período pandémico?
Não, não senti. Ser músico é uma coisa especial, em geral as pessoas ficam muito entusiasmadas quando as suas bandas estão a ganhar tracção, e eu incluo-me neste grupo, claro. As primeiras dez ou doze digressões são sempre super excitantes e uma pessoa sente-se deslumbrada com tudo, do simples facto de andar a viajar num tour bus para tocar todas as noites ao ter oportunidade de conhecer alguns dos teus ídolos. Afinal, foi exactamente para isso que estivemos a trabalhar tantos anos, por isso é incrível sentirmos que estamos a ser compensados pelos sacrifícios que fizemos. Nessa fase inicial estamos, basicamente, a ver os nossos sonhos mais selvagens a tornarem-se realidade, mas quando isso acontece há sempre um lado negativo porque, na maioria dos casos, quando se tornam reais, os sonhos são um pouco diferentes daquilo que tínhamos imaginado. Há uma quota parte de problemas a enfrentar que jamais poderíamos ter antevisto quando éramos miúdos e estávamos nos nossos quartos a sonhar com esta vida. Hoje em dia, estar longe da minha família ocupa a primeira posição da lista de coisas que me afligem e que nunca tinha ponderado no momento em que decidi que queria fazer vida a tocar pelo mundo.

Sei que a edição do «Fortitude» foi adiada por causa da pandemia, correcto?
Sim, correcto. Eu tinha acabado de gravar as linhas vocais quando a ONS decretou que estávamos perante uma pandemia mundial… Estávamos a preparar-nos para começar a fazer as misturas com o Andy Wallace. Na altura, eu estava em França e era suposto juntar-me a ele para começarmos, mas claro que tivemos logo de começar por cancelar esses planos e, eventualmente, como não podíamos voar para lado nenhum, vimo-nos forçados a aceitar que não havia outra forma de fazê-lo a não ser à distância. Isso foi um pouco frustrante, mas não havia mesmo outra solução.

Suponho, então, que o que se estava a passar não tenha tido grande impacto no disco.
Não teve impacto nas letras ou na música, porque em termos de composição, e até de gravação, já estava tudo feito quando a pandemia começou a alastrar pelo mundo. No entanto, acabou por mudar um pouco o nosso ângulo em termos de promoção… Inicialmente, o plano era lançarmos a «Amazonia» como primeiro single de avanço, mas percebemos rapidamente que, face ao que se estava a passar no mundo, as pessoas não iam ligar nenhuma ao que se está a passar na Amazónia, que era o assunto para o qual queríamos realmente chamar a atenção do público. Nesse sentido, acabámos por lançar primeiro a «Another World», porque era a canção que melhor explicava o nosso sentimento em relação ao que se estava a passar na altura… A «Amazonia» acabou por ser divulgada numa altura em que as pessoas já não estavam assim tão focadas na pandemia, quase um ano depois do que estava planeado originalmente.

Não deixa de ser curioso que, depois de tantos anos a viver nos Estados Unidos, a pandemia te tenha apanhado exactamente em França.
É verdade. Quando acabei de gravar todas as linhas de voz, estava a precisar de espairecer e decidi ir, com a minha mulher e os nossos filhos, fazer uma visita ao meu pai. E, sem que nada o fizesse prever, acabámos por ficar retidos em França durante cerca de um ano.

Como lidaste com essa situação?
Felizmente, é preciso acontecer algo mesmo muito, muito grave para eu ficar stressado. Encontrámos rapidamente forma de alugar o nosso apartamento em Nova Iorque, inscrevemos os dois miúdos na escola pública em França e, apesar de terem tido de passar vários meses em casa porque as escolas estavam fechadas, saíram de lá a falar francês, o que foi óptimo. Passaram muito tempo com o meu pai e com a minha irmã, e adoraram. Basicamente, tentámos levar uma vida tão normal quanto possível apesar da situação. É óbvio que, quando passamos tanto tempo fechados no mesmo espaço, com as mesmas pessoas, surgem sempre algumas tensões, mas nada de grave. Admito que, em momentos, foi um desafio, mas o mais importante no meio disto tudo foi poder estar presente durante um Verão inteiro, não ter perdido nenhum aniversário, tudo isso. Sinto-me grato por ter tido esta oportunidade de ser pai a tempo inteiro.

E, neste meio tempo, tiveram de esperar também muito mais tempo do que era habitual para poderem finalmente tocar os temas do novo álbum ao vivo.
Não podermos levar o disco para a estrada acabou por ser uma das coisas mais frustrantes durante esse período, sem dúvida. A dada altura começámos a pensar que os temas já se tinham esgotado, que as pessoas o tinham digerido totalmente antes sequer de termos tido oportunidade de o tocar ao vivo. Sobretudo depois da digressão com os Deftones ter sido adiada duas vezes e de termos tido de abandonar grande parte dos planos que tínhamos traçado, começámos a falar entre nós e pusemos todas as hipóteses em cima da mesa… A dada altura, pensámos até que já não fazia sentido irmos em digressão com o «Fortitude» e o melhor mesmo talvez fosse concentrarmo-nos no processo de composição de um novo álbum. Felizmente, as coisas começaram a voltar muito lentamente à normalidade e estou muito satisfeito por andarmos a tocar ao vivo estes temas de que gosto tanto. Portanto, saibam que os alinhamentos dos próximos concertos vão incluir muitos temas novos… Estamos incrivelmente famintos para os mostrar às pessoas e, para nós, esta vai ser, de facto, a digressão de promoção ao «Fortitude».