INSOMNIUM: “Já não somos ‘só’ uma banda de melodeath, somos mais que isso.” [entrevista exclusiva]

São uma das bandas mais importantes do chamado “melodeath” deste século, mas tendo já ultrapassado os 25 anos de carreira e à beira de editar o seu nono longa-duração, «Anno 1696», os INSOMNIUM já têm, de facto, arcaboiço suficiente para se considerarem um bocadinho acima dessa conversa meio cansada dos géneros musicais e suas subdivisões. Este novo álbum é, de resto, a arma perfeita para acompanhar esse argumento – o baixista/vocalista Niilo Sevänen escreveu um conto inspirado num clássico da literatura finlandesa, e é essa história que faz de base a um concept album ambicioso. Convidados ilustres (incluindo um tal de Sakis Tolis), ambiente cinematográfico, um EP de temas inéditos que vem incluído na versão de luxo do álbum… é tudo “à grande”, neste momento, com os Insomnium, e o Niilo está visivelmente satisfeito com isso.

Photo: Terhi Ylimäinen

Parece que foi ontem que vos descobrimos, e entretanto já passaram a marca dos 25 anos enquanto banda. O que sentes que mudou mais, ao fim deste tempo todo?
Niilo: Tanta coisa… Começámos em 1997 quando éramos miúdos, andávamos no liceu ainda. Aconteceu muita coisa neste tempo todo, claro… o «Above The Weeping World» foi o nosso álbum de “explosão”, digamos assim, com o qual fomos reconhecidos fora da Finlândia pela primeira vez. Fizemos digressões grandes, até fomos aos Estados Unidos, foi nesse ponto que as coisas começaram a “rolar”. Mas mesmo desde aí, mudámos muito como pessoas, a banda desenvolveu-se muito, e acredito e gosto de pensar que somos muito melhores agora. Sabemos mais acerca da nossa arte, aprendemos a criar melhores canções e arranjos, vieram membros novos que trouxeram a sua magia e o seu toque único, falo do Markus Vanhala e do Jani Liimatainen, claro, que ajudaram a mudar a banda para melhor. Sinto que estamos mais fortes que nunca agora. Temos quatro compositores na banda, e não poderia estar mais satisfeito com os álbuns mais recentes. Como disse, a nossa música mudou muito ao longo destes anos, mas ao mesmo tempo, o núcleo do nosso som é o mesmo, a atmosfera é a mesma. As diferenças são mais no sentido de que as canções são mais longas, mais elaboradas, mais progressivas, diria. O ambiente tornou-se talvez um pouco mais cinematográfico, tentamos com que haja mais “paisagens” sonoras, porque todos nós ouvimos muitas bandas-sonoras tanto de filmes como de jogos e isso afecta-nos muito. Acho que já não somos “só” uma banda de melodeath, já somos mais qualquer coisa do que isso. É essa a intenção pelo menos.

Fala-nos então um pouco sobre a ideia inicial para este vosso ambicioso álbum novo. Quando decidiste baseá-lo na história que escreveste?
Niilo: Já tinha uma história deste género a germinar na cabeça há muito tempo. O século XVII é uma época da humanidade muito intrigante, muito obscura, e inspira-me bastante. Bom, mas a maior fonte de inspiração foi mesmo o romance, que é talvez o mais conhecido da história literária da Finlândia, que se chama, traduzido, algo como «A Noiva Do Lobo», de Aino Kallas. É uma história incrível, que se passa na Estónia do século XVII, é uma história de lobisomens com uma atmosfera única, que queria recriar com o que acabou por ser o conceito do «Anno 1696». A história que escrevi é quase como uma homenagem, ou até uma sequela, desse livro, com uma atmosfera sombria semelhante. É perfeita para ser o ponto de partida para um disco de música.

Tens o hábito de escrever contos deste género?
Niilo: Sim, e aliás, o «Winter’s Gate» foi uma experiência semelhante. Em termos de época, passava-se mais no passado, na era dos Vikings, mas sim, gosto de escrever , faço-o com frequência, e normalmente é sempre algo nesta onda, de história misturada com fantasia, é esse o tipo de coisa que me dá mais inspiração.

Tendo em conta estas características, a aproximação à composição foi feita como se fosse uma banda-sonora?
Niilo: Sim! Acho que todos tivemos essa aproximação. Terminei a história no Verão de 2021, e nessa altura tínhamos algumas demos, mas a maior parte do material não estava escrita ainda. Todos os membros da banda a leram, gostaram, e acharam que era uma boa base de inspiração para a música, e foi assim que todos fomos escrever música especificamente para esta história. Sendo algo tão escuro e dramático, todos entrámos no estado de espírito certo desde o princípio, e sentimo-nos todos no mesmo comprimento de onda quando começámos a ouvir o que cada um tinha feito.

Foi mais difícil do que é costume chegar a um ponto final? Deixar de mexer e adicionar coisas?
Niilo: Enfim, há sempre trocas e baldrocas de última hora no estúdio, isso é inevitável. [risos] Mas com um concept álbum deste género, é preciso fazer um planeamento mais específico, com a ordem dos temas, a forma como a história se move pela música… Tivemos muito cedo que decidir qual seria o primeiro e o último tema, por exemplo. Apesar desse planeamento mais rígido, continuámos a escrever música nova até ao dia de entrar em estúdio, portanto… A certa altura tínhamos onze canções e cerca de 75 minutos de música, e achámos que talvez fosse um bocado demais para digerir, mesmo para o fã mais hardcore dos Insomnium. [risos] Decidimos então manter a versão normal do álbum com oito faixas e menos de uma hora, e guardar três temas para o tal EP extra que vem com a versão especial do álbum, chamado «Song Of The Dusk».

Foi fácil fazer a escolha?
Niilo: Nunca é! [risos] Tivemos que votar, e só depois lá acabámos por escolher quais seriam, mas no final de contas acho que toda a gente ficou satisfeita. Verdade seja dita, isto é algo que acontece quase sempre com os nossos álbuns. Mas quero dizer que não consideramos que esses temas sejam mais “fracos” de alguma forma. Tem só a ver com o contexto do álbum. Gosto imenso de como resultam ali um bocadinho “à parte” no EP.

Photo: Terhi Ylimäinen

E há ainda dois convidados muito importantes, como é que se deram essas parcerias?
Niilo: Foi bastante natural e espontâneo, não tínhamos planeado nada. É raro termos convidados nos Insomnium. Quando tocámos a «White Christ» no ensaio pela primeira vez, todos concordámos que tinha ali um groove bem ao estilo dos Rotting Christ, e começou por ser uma piada – tipo, “haha, devíamos convidar o Sakis para fazer parte disto”. Mas depois pensámos nisso e ficámos a olhar uns para os outros, porque era de facto uma boa ideia! [risos] Enviámos-lhe o tema, ele gostou muito e ficou muito contente por participar. Também aparece no vídeo-clip, e acabou por ser algo muito fixe. Somos todos fãs dos Rotting Christ há muito tempo, desde os anos 90, e é um grande orgulho esta colaboração. Já o outro tema, com a Johanna Kurkela, «Godforsaken», é a primeira vez que temos uma voz feminina num tema dos Insomnium. É uma canção que exigia esse tipo de voz, simplesmente. Acho que desde a primeira maqueta que o Markus Vanhala nos mostrou que concordámos com isso. Apesar de tudo, depois de termos enviado o tema à Johanna, ficámos surpreendidos porque ela transformou-o completamente, ganhou outro nível, ficou fantástico.

Não te parece um álbum que “pede” para ser tocado na íntegra ao vivo, numa qualquer ocasião especial?
Niilo: Não chegámos ainda a esse ponto de planeamento, mas acho que todos os temas funcionam de qualquer forma. Seja tocando o álbum na íntegra, que sim, é uma possibilidade para um evento especial, como integrados isoladamente no nosso setlist.

É sempre especial lançar um álbum, mas este parece ser um bocadinho… extra-especial, não é? Achas que vai ser complicado decidir o que fazer a seguir, mais do que o normal?
Niilo: Ainda bem que dizes isso, porque eu também concordo. É um concept album, e sinceramente, esses para mim são mais especiais. Confesso que ainda não pensei no que vem a seguir, porque estou neste momento a escrever o meu primeiro livro, e isso está a tomar bastante do meu tempo, e tirando os concertos dos Insomnium, é nisso que me vou centrar nos próximos meses. Estou a escrever todos os dias neste momento. Estou neste momento na terceira versão do manuscrito, a segunda tinha 500 páginas e estou a tentar reduzir um pouco, mas não sei se vou conseguir. [risos] Passa-se no ano 1007, e claro, vão acontecer coisas dramáticas, e a mitologia e elementos fantásticos vão-se misturar com história. É tudo o que posso dizer por agora!

«Anno 1696» é editado dia 24 de Fevereiro pela Century Media.