IRON MAIDEN + WITHIN TEMPTATION + AIRBOURNE @ Estádio Nacional, Oeiras | 31.07.22 [reportagem]

Portugal tem um problema com o rock. Ou, simplesmente, tem medo dele. Foi por isso que foram precisas duas décadas para conseguirmos ver os AIRBOURNE por cá. Num já longínquo 2001, Joel O’Keeffe recrutou três candidatos a roadies dos AC/DC, um deles seu irmão, comprou um caderno de músicas de Bon Scott no eBay e resolveu tentar ser o novo Angus Young da Austrália. Cinco álbuns depois, os quatro músicos chegaram pot fim a Portugal para o seu primeiro concerto. Dificilmente alguém terá conseguido contar os copos de cerveja que Joel atirou para o público, mas vários terão reparado certamente que mudou oito vezes de guitarra em sete músicas, a primeira menos de um minuto após o início de «Ready To Rock». É certamente impossível recordar também o número de saltos, ou imaginar os quilómetros percorridos em palco, mas todos recordarão o solo de guitarra de «Burnout The Nitro», aos ombros de um roadie, no meio do público, enquanto furava uma lata e aspergia cerveja por cima de todos. Ao longo de cerca de 40 minutos, o rock esteve solto em Portugal e este foi mesmo um momento foi de antologia. Depois da picada certeira dos australianos, veio o creme suave dos WITHIN TEMPTATION. Sharon den Adel, em versão princesa Disney, introduz logo uma «Our Solemn Hour» com backtracking de coros e, ao longo do concerto, tudo soa adocicado… Quando a maior parte da plateia parecia pedir salgado. «Raise Your Banner» transforma-se no momento político da noite, com Sharon a agitar a bandeira ucraniana. Todo o resto do concerto, são hits em cima de hits, sim, mas pouco pulsantes, servindo para descansar entre actuações. A cada passagem do sexteto holandês por Portugal, parece que perdem fulgor, e mesmo neste concerto de menos de uma hora, resumido aos principais singles, ficou sempre a sensação de faltar algo. Entre o rock dos AIRBOURNE e o heavy metal dos IRON MAIDEN, os WITHIN TEMPTATION foram definitivamente baunilha.

Em 2018, os IRON MAIDEN traziam a Portugal a digressão Legacy Of The Beast. Dezasseis temas celebrando a banda- desenhada e jogo de vídeo do mesmo nome, inspirados pela mascote do grupo. Numa altura em que um disco de estúdio já estava, secretamente, preparado, é feito o anúncio do regresso da mesma digressão a Portugal. Entretanto o planeta entra em pausa, e até os IRON MAIDEN tiveram de parar. Com o regresso, lento, à normalidade, a Dama de Ferro resolve libertar o novo trabalho, «Senjutsu», mas fica ainda presa a velhos compromissos. E assim, em 2022, temos o cumprimento dessa velha promessa, mas trazendo, logo no início, os três primeiros temas de «Senjutsu», curiosamente, correspondendo a todos os singles editados até ao momento. Foram uns IRON MAIDEN mais velhos e pausados que surgiram nestes temas, num palco com elementos que remetem para a paisagem nipónica, e onde houve mesmo um Samurai Eddie que naturalmente se envolve com o irrequieto “Gimmick” Gers. Tirando o som irritante da bateria, os temas resultaram bem, com particular destaque para a épica «The Writing On The Wall», que surgiu com referências ao vídeo, nos ecrãs.

A banda retira-se de palco, o cenário é substituído pelo que anteriormente fora usado na Legacy Of The Beast, e a partir daqui foi quase repetir o que Lisboa já vira antes, aqui e ali com um tema suprimido, noutros locais com a ordem alterada, como «Aces High» que passou da abertura para o segundo e último encore. Os anos passam e todos já correm menos, mas mesmo assim, Steve Harris ainda faz curtos sprints. Nas peles, Nicko toca mais devagar, mas com a mudança de cenário, o som da bateria acabou por ficar mais perto do tradicional. Bruce, muito magro, é hoje um actor que se entretém a teatralizar cada tema. Como deve saber bem, aos 63 anos, caminhar perante milhares de pessoas a disparar um lança-chamas, como faz em «Flight Of Icarus». Do lado do público, o mais atento segura o telemóvel e já sabe que tema se segue, apenas tentando perceber que cenário irá trazer. Nota para «The Clansman», mudado estrategicamente para o meio do primeiro encore e cujo backdrop, face ao jogo de luzes, carrega como cores o azul e amarelo, sem precisar de referir a causa. Basta a letra: “And I swear to defend/I will fight to the end”. Claro que cada fã dos Maiden que os tenha visto mais de um par de vezes, e são quase todos aqui, acaba a sugerir todo um setlist alternativo de temas em falha. Até clássicos como «The Number Of The Beast» já se pedem por alguns para serem removidos, abrindo espaço para o retorno de antigas malhas.

Musicalmente está lá tudo, mesmo que noutro ritmo, e outras roupagens, em particular os solos. Hoje é claro como eles evoluem. Bastou escutar atentamente e olhar as guitarras em «Blood Brothers» para perceber que de Murray, o solo continuou com Gers e Smith, terminando de novo em Murray, o eterno senhor-mor das seis cordas no grupo. Foi exactamente este tema que Bruce quase “assassinou”, enganando-se na entrada da voz, mas disfarçando bem. O mesmo Bruce que faz um gigantesco agradecimento à road crew, revelando como o concerto até chegou a estar em perigo, depois do cancelamento de um voo. Ora, neste discurso teria cabido bem improvisar uma «Heaven Can Wait», mas na máquina oleada dos Maiden, não há espaço para o improviso, para o inesperado. Ganha-se a certeza da qualidade, perdendo o arrojo do espontâneo. Opções. No fim, pode dizer-se que não correu nada mal, este que foi um dos mais concorridos concertos do grupo em território nacional, e o primeiro verdadeiramente de estádio. Actuação que marcou o encerramento da fase europeia da digressão. Espera-se agora – já em 2023? – pela verdadeira digressão promocional de «Senjutsu», ou terá a mensagem final de Bruce, “maybe we can meet again somewhere on tour?”, lançado outra hipótese?

Setlist Airbourne:
Ready To Rock
Back in the Game
Girls In Black
Burnout The Nitro
Breakin’ Outta Hell
Live It Up
Runnin’ Wild

Setlist Within Temptation:
Our Solemn Hour
Paradise (What About Us?)
Faster
In The Middle Of The Night
The Reckoning
Entertain You
Stand My Ground
Raise Your Banner
Ice Queen
Supernova
Mother Earth

Setlist Iron Maiden:
Vê aqui

FOTOS: Pedro Almeida