KANDIA: “Em dado momento, chegámos a pensar mudar de nome” [entrevista]

Por vezes, ter uma banda é como andar numa montanha-russa sem condutor. Os últimos anos têm sido assim para os KANDIA. O grupo, que roda à volta do guitarrista André da Cruz e da cantora Nya Cruz, preparava-se para voltar em força durante 2019. Fizeram duas actuações e, depois, todo o jogo mudou. Planearam então um EP, que acabou por se transformar num álbum quando a editora italiana Frontiers Records os descobriu. Pelo meio, perderam o seu baterista para os MOONSPELL e, às força da pandemia, viram o concerto de aniversário ser adiado duas vezes, convertendo-se agora na apresentação de um álbum, «Quaternary», com que nem sonhavam quando ensaiaram o regresso em 2019. Dia 5 de Fevereiro sobem ao palco do Hard Club, no Porto, colmatando assim dois anos de algumas adversidades, mas também de alegrias. Antes de os rever em palco, a LOUD! esteve à conversa com a dupla criativa de um projecto com um futuro brilhante.

Como se reage a tudo isto?
Nya Cruz: Foi o chamado banho de água fria!
André Cruz: Um sinal divino para arrumar as botas.

Onde ficou então esse EP que estava planeado? E a «4 Walls», que não surge no novo álbum?
Nya: O EP passou a ser o álbum. Pegámos nas músicas que tínhamos, pusemos a «4 walls» de lado, e fizemos mais temas em cima disso.Na verdade, já tinha passado algum tempo desde a «4 Walls» e não fazia sentido editá-la agora. O EP ia ter quatro ou cinco temas… No fundo, foi fazer mais músicas, porque a temática ia ser a mesma. Foi só tornar esse projecto maior.

Uma edição de autor que acaba por ser um álbum na Frontiers. Como surgiu a editora no vosso percurso?
Nya: Quem me enviou o link para a iniciativa da Frontiers, foi a Mariangela Demurtas, que também tem a banda dela assinada na editora. Um tempo antes, tínhamos estado a falar da gravação do EP, e ela mandou a sugestão e sugeriu experimentarmos, pois eram fixes e respeitadores dos artistas. Pegámos no que tínhamos e mandámos para eles. Uma semana depois, contactaram-nos e começámos a negociar o contrato que será para vários discos, se tudo correr bem.

Até que ponto a Frontiers teve peso na decisão de fazerem um álbum?
Nya: Eles não queriam fazer o EP, queriam um disco. É claro que a editora ajudou com alguma verba, mas tivemos parte do encargo do nosso lado. Não ficou tudo em cima da editora. No fundo, foi pegar no budget que tínhamos para o EP e, depois, a editora ajudou a fazer as coisas e permitiu-nos trabalhar com o Daniel Cardoso, como queríamos. Eles respeitaram imenso isso, porque explicámos que o Daniel faz parte da equipa e da génese da banda. Não interferiram minimamente no processo criativo e respeitaram-nos muito desde o início. Também já tinham ouvido e sabiam aquilo com que estavam a contar.
André: Eram duas músicas.
Nya: Duas músicas e uma demo.

Escutando este disco não era de esperar integrarem o rooster deles mas, por outro lado, estão entre os primeiros a integrarem um ramo da nova geração.
Nya: Não somos só nós, há mais bandas, para já poucas. Quando ouvirem o disco e virem que vem da Frontiers, as pessoas vão pensar “O que é isto?”.
André: Chega a ser um bocadinho ingrato. Para mim é estranho, pois ouço música desde que me conheço, mas ouço os discos de uma banda e não vou procurar a editora ou as outras bandas dela. É um bocado esquisito seguir uma editora, em lugar de seguir uma banda, mas nos últimos anos reconheço que se fala nas bandas das editoras. A tal ingratidão, resulta do core da editora ser muito distante daquilo que fazemos, por isso vamos chocar com muitos ouvidos. É um risco que temos de correr. Fazer este passo e levar com as balas.
Nya: O público deles não é o nosso, mas acredito que vá apanhar algumas pessoas pelo meio. Com estas bandas que já não são o rock clássico que é o ponto forte do catálogo, acredito que se abra mais o leque. É super engraçado estar na mesma editora que os Racer X, aquela banda de que a minha mãe tinha um disco lá em casa e eu costumava ouvir non stop e cantava as músicas. Temos uma responsabilidade muito grande, pois temos o nome da editora por trás e temos de o respeitar.

Um risco da editora também, cujo departamento de promoção tem de saber o que fazer.
André: No entanto, creio que a máquina deles ainda esteja um pouquinho viciada nas coisas antigas. Pelo que temos recebido de pedidos de entrevistas e reviews, creio que ainda estão a desbravar terreno.
Nya: Já se nota que perceberam que o tipo de som que estamos a fazer não é tanto para a Europa, mas mais para os Estados Unidos. Noto que a promoção e as entrevistas que estamos a fazer são todas mais direcionadas para a América do Norte.

Chamaram «Quaternary» ao disco.
Nya: Sim, por várias razões, principalmente por aquilo de que se fala no disco, sendo quaternário o período geológico em que estamos no momento, aquele onde há mais impacto da espécie humana. Vejo este disco como se fosse um filme, que se chama «Quaternary» e que passa por várias fases, até que termina em «Hallocene», o grito de esperança. Pensei que era um bom título pois enquadrava tudo que nele se passava. Depois tens aquela coisa engraçada do trocadilho com o compasso musical, pouco presente no disco, e podes ir buscar a referência do quarto trabalho de estúdio, porque o EP também conta.

Como se faz a composição de um disco tão versátil como este?
Nya: Durante…
André: É para entregar o master daqui a um mês e meio ou dois meses? Tem que se trabalhar, enfoque completo e operar ao máximo as bases que se criam. Em termos instrumentais, as ideias seguem para o Daniel, que as molda um bocadinho. Depois devolve e trocamos algumas ideias até a coisa ficar relativamente audível. Aí entra a Nya, que ouve e sente o que a música lhe transmite e faz a letra explorando as linhas de voz. Por ser focado, é um trabalho relativamente rápido. Não é fácil porque o processo criativo é sempre muito subjectivo. Apesar de estarmos a fazer um recomeço, há a bagagem que está para trás e que nos trouxe boas coisas, que nos criou um standard de ser melhor ou igualar pelo menos. O novo não significa melhor ou pior, mas pelo menos diferente. No fundo, a criatividade passa pelo momento em que nós estamos.
Nya: Trabalhámos remotamente com o Daniel, com muita troca de ficheiros e telefonemas. Já não somos uma banda de ensaios. Sou eu e o André que compomos, além do Daniel, e é tudo muito caseiro. Por vezes com outra ajuda, mas já não faz sentido compor em sala de ensaio, fazemos tudo em casa.

E como resultam as letras, já que chegam depois da música?
Nya: Tinha uma ideia inicial sobre os temas de que queria falar, já na altura em que estávamos apenas a pensar no EP. Depois as coisas surgiram de forma natural, conforme fui sentindo. Escuto o instrumental e sinto o que me sugere, o mood da música, o que me inspira. Então aí penso no que o tema vai buscar, e é um processo natural. A dada altura faltava “aquele” tema que queria que fosse a «Holocene», em que já sabia do que queria falar. Aí, o que desbloqueou o processo foi uma conversa com o Daniel. Esse tema foi mesmo muito especial. Queria que fosse uma música suave a fechar e era mesmo o tema que pretendia para encerrar. Geralmente, é a musica que me traz o mood e a inspiração, daí termos falado na versatilidade vocal e na melodia. Explorei todas as possibilidades, que há muito procurava e ainda não tinha feito. Há temas com a voz mais agressiva, outros nem tanto. Tem muito a ver com a relação da letra e da música.

Como vai ser a vossa formação no dia 5?
André: Tivemos de arranjar um baterista para o concerto e, na minha óptica, é o melhor que podíamos ter. Escolhemos o Marcelo Aires para nos acompanhar. De resto, não há grandes mexidas; o Paulo, que fez quase todos os teclados do disco, vai assumir essa função no concerto, coisa que nós, até hoje, tínhamos em background. O Bernardo vai estar no baixo e, claro, vamos estar nós os dois – que é algo que não dá muito jeito mudar.

Este é coo que o primeiro disco dos Kandia, um renascer fruto de uma mudança profunda, até a nível sonoro.
André: Em dado momento, chegámos a pensar mudar de nome. Só não o fizemos porque o Daniel acabou por fazer força, já que era recomeçar completamente e achava que íamos deitar fora o que já estava atingido. Embora haja um fio condutor desde o nosso primeiro disco, há uma diferença sonora gigante. São anos-luz. Tentamos sempre evoluir um bocadinho, tendo um fio condutor de ligação ao trabalho anterior.
Nya: São uns Kandia 2.0.
André: A parte fulcral da banda mantém-se. Não fazemos música pré-fabricada, mas está tudo um pouco pré-definido, a nossa base instrumental é relativamente simples, e o trabalho está na voz e em explorar as linhas de vocais e a sua melodia. A mistura não é tão pesada como numa banda de metal, nem tão leve como numa banda de rock normalzita.
Nya: Nem carne, nem peixe!