KENNETH ANGER (1927-2023)

Kenneth Anger poderá ser um perfeito desconhecido para muitos. Terminou a sua presença no plano terrestre a 11 de Maio deste ano, soube-se agora, momento para o relembrar. Para alguns ficará como o autor de «Hollywood Babylon» de 1959, que teve uma sequela em 1986. Nestes livros, retratava a vida de Hollywood. Nascido a 3 de fevereiro de 1927, na Califórnia, como Kenneth Wilbur Anglemeyer, esteve sempre no underground, quer como realizador, quer como actor. São mais de 40 filmes realizados por ele. Predominante na curta-metragem, o director descreveu-se a si próprio como “um dos primeiros cineastas homossexuais”, não refutando o homoerotismo nas suas obras, como «Fireworks», de 1947, sua primeira obra, e «Scorpio Rising», de 1964. Um pouco da obra de Anger, para quem quiser conhecer melhor, é analisada aqui.

Porém, o que leva a estas linhas, é o seu interesse pelo ocultismo, o fascínio pelo britânico Aleister Crowley, que o levaria a seguir a doutrina da Thelema. Os seus gostos neste campo originaram «Inauguration of the Pleasure Dome», de 1954, e «Invocation of My Demon Brother», em 1969. Nas décadas de 1960 e 70, associou-se a Anton LaVey e sua Church of Satan, além de conviver com artistas como Jean Cocteau ou músicos como Mick Jagger, Keith Richards e Marianne Faithfull. Aliás, os glimmer twins integraram o elenco do seu filme «Demon Brother», filme em que o protagonista veio a integrar o grupo seguidor de Charles Manson. Inspirou Martin Scorsese, David Lynch ou o também maldito John Waters. O gosto pelo LSD tornou-o num dos primeiros artistas fora do rock a usar a substância como meio de criação

Para a história da música, no entanto, fica «Lucifer Rising», datado de 1972, mas que só conheceu distribuição nos anos 80. Nele, Anger desempenha o papel de um mago. A banda-sonora esteve a cargo de Bobby Beausoleil, que mais tarde foi acusado de assassinar Gary Hinman, sob as ordens de Charles Manson. Iniciado em 1967, o filme seria oficialmente completado em 1972. No entanto, em 1973, num leilão de um manuscrito de Aleister Crowley, Anger viria a conhecer Jimmy Page, guitarrista de Led Zeppelin. Do encontro surgiria um pedido para que o músico escrevesse alguma nova música para o filme.

Obviamente que tudo correu mal. Page compôs vinte minutos de música, mas Anger desejava 40. As discussões surgiram e a namorada de Page, à época, Charlotte Martin, expulsou Anger da cave onde este vivia. À época, a cave estava situada na célebre Boleskine House, propriedade de Page, hoje abandonada e em recuperação por uma fundação. Situada nas margens do Lago Ness, na Escócia, tinha sido pertença de Aleister Crowley e por isso adquirida por Page. Anger ficou ressentido do facto e anos depois ainda apontaria um dedo acusatório ao guitarrista, que acusou de estar viciado em heroína e por isso incapaz de criar mais música. Principal consequência, Anger lançou uma maldição a Page e Charlotte, que alguns relacionam com os problemas vividos pela banda a partir de 1975 e até ao seu término. “Transformei ambos em estátuas de ouro porque ambos tinham perdido a noção”, afirmou, mais tarde, o realizador.

Ocasionalmente surge uma edição contendo a banda sonora composta por Page, embora este a renegue. Da mesma forma, o psicadelismo do filme ainda atrai seguidores. Há poucos anos, um fã, resolveu mesmo usar excertos do filme, para ilustrar um fan-edition da versão dos Ghost para «Here Comes the Sun», original dos Beatles. Um pouco das opiniões do realizador, podem ser vistas aqui. De qualquer forma, já não haverá mais Anger Movies, como o realizador, agora falecido, gostava de assinar as suas obras.