MADRUGADA: “Portugal lembra-me a zona da Noruega onde eu cresci. Sinto-me sempre em casa.” [entrevista exclusiva]

É já no próximo dia 10 de Junho, dia de Portugal, que os MADRUGADA regressam ao nosso país para um concerto muito antecipado, no âmbito do festival SONS NO MONTIJO, do qual serão cabeças-de-cartaz. Desde que por cá passaram em 2019, durante a muito bem sucedida digressão de regresso após mais de uma década de inactividade, os noruegueses editaram «Chimes At Midnight», o seu primeiro álbum desde o auto-intitulado de 2008, e o primeiro sem o guitarrista Robert Burås, tristemente falecido em 2007, o que de resto levou à dissolução dessa primeira incarnação da banda, e as reacções têm sido estrondosas. Com o tempo a ajudar a curar algumas feridas, o trio nuclear formado por Sivert Høyem (voz), Frode Jacobsen (baixo) e Jon Lauvland Pettersen (bateria) está novamente a carburar em pleno, sempre na estrada, e com muita vontade de continuar um trajecto que chegou a parecer terminado. Para esse concerto da próxima semana, segundo Pettersen (um fã de Portugal confesso, de resto), com quem conversámos, está prevista uma visita a todos os álbuns do grupo, e ainda uma ou duas surpresas. A não perder, portanto.

Já lá vão uns meses desde o «Chimes At Midnight», portanto já deves ter uma perspectiva mais enquadrada do que este álbum significou para ti e para a banda. Podes falar um pouco disso?
Jon Lauvland Pettersen: Quando o álbum foi editado, há cerca de um ano atrás, seguimos imediatamente para tour, e tocámos muitos temas novos nesses concertos, como é natural. Agora que já passou algum tempo, nesta nossa próxima visita a Portugal, creio que vai haver uma mistura maior de todos os trabalhos da nossa carreira. Mas mesmo assim ainda vamos tocar três ou quatro do «Chimes At Midnight», claro. Mas de qualquer forma, foi um processo fantástico. Toda a gravação do álbum está assente nos ombros da grande digressão que fizemos em 2019. Como sabes, juntámo-nos novamente para celebrar o 20.º aniversário do «Industrial Silence», e tocámos os temas todos desse disco durante cerca de um ano, o que foi, sem dúvida, uma forma de voltarmos às raízes musicais da banda. Nós começámos a tocar juntos no princípio dos anos 90, mas apesar de tudo, o «Industrial Silence», que é de 1999, foi o nosso primeiro longa-duração. Acho que é importante olhar para o «Chimes At Midnight» dessa forma, como resultado de uma banda que estava em fase de pleno regresso às suas raízes, a olhar muito anos para trás e talvez a tentar recuperar alguma forma mais clássica de composição de canções que acho que tínhamos nessa altura. Blues rock, psicadelia, tudo baseado em melodias fortes. Penso que no final de contas o álbum resultou muito bem, tendo em conta todo este contexto. Tínhamos um mantra entre nós, havia algo que sempre quisemos fazer, que era gravar ao vivo no estúdio. Sempre foi um sonho nosso, e aproveitámos esta oportunidade para finalmente o concretizar. Escolhemos um estúdio que é lendário, e que também é conhecido pelas suas condições sonoras magníficas, que foi o Sunset Sound em Los Angeles.

Entraram em estúdio com um timing… complicado, digamos, não foi?
Jon: Pois, foi em Março de 2020, e acho que toda a gente sabe o que é que aconteceu nessa altura. [risos] Mas acabámos por ter sorte. Conseguimos gravar tudo num período de tempo muito curto, ou seja, a situação inversa de todos os outros álbuns que já gravámos, ou pelo menos aqueles em que participei. A bateria e o baixo ficaram prontos em dez dias, e foram aqueles dias caóticos que se viveram ali a meio de Março. Tínhamos previsto um mês! Foi uma experiência especial. O facto de termos conseguido obter os resultados que queríamos nessas condições foi algo de fantástico.

O resto do álbum foi já gravado remotamente?
Jon: Sim, foi basicamente via Skype, já de volta a Oslo. Acabou por ser uma forma estranha de fazer as coisas – primeiro despachámos quinze ou dezasseis temas num dos estúdios mais fantásticos do mundo, em tempo recorde, a jogar contra o relógio sem sabermos quando seria o último dia em que poderíamos lá estar, e logo a seguir, reclusos a trabalhar remotamente com o produtor… Essa parte já demorou bastante. Quando estamos com o produtor, no estúdio, é fácil experimentar ideias, alterar coisas, meter um fader, seja o que for. Quando para cada coisinha que se quer experimentar se tem que enviar uma mensagem, a outra pessoa ler, perceber o que queremos, fazer, mostrar o resultado… Mas acabámos por lá chegar. Demorou, mas aconteceu.

Lembro-me que a primeira coisa em que pensei no final do vosso concerto no Lisboa Ao Vivo, em 2019, foi, “quem me dera que fizessem um álbum novo”, porque nessa altura não se sabia se vocês iam continuar depois da tour de celebração do «Industrial Silence»…
Jon
: Nessa altura nós também não sabíamos! [risos]

Era precisamente essa a pergunta que ia fazer! Não foi, então, uma decisão imediata, assim que se juntaram?
Jon: Não, nada disso. Claro que houve algumas conversas soltas aqui e ali no tour bus, durante essa digressão, mas a reunião decisiva só aconteceu uns meses depois, em Stavanger, na Noruega, onde nos reunimos todos com o único propósito de discutir esse passo, de perceber se tínhamos condições de continuar com os Madrugada e de ir para estúdio gravar música nova. Nós tocámos em Portugal em Junho de 2019, e essa questão só ficou resolvida em meados de Novembro desse ano. Mas não foi uma decisão difícil de tomar, há que o dizer.

Era óbvio que todos tinham vontade de continuar?
Jon: Foi um ano tão divertido, sabes? Esta banda sempre teve alguma tendência para estar envolta em circunstâncias meio trágicas, o que culminou com a morte do Robert, e 2019 foi um ano tão feliz. Foi um ano de celebração, de camaradagem, e esse laços tiveram como resultado uma unidade musical coesa também. Ninguém queria que a tour acabasse! E a única maneira de isso não acontecer era regressar ao estúdio e fazer música nova. Logo a seguir às últimas datas fomos a um estúdio nos arredores de Oslo para fazer umas demos e ver o que é que saía dali. O Sivert tinha umas canções do seu projecto Paradise, e também do seu trabalho a solo, eu e o Frode também tínhamos algumas… Não diria que algum de nós andava a escrever para um álbum de regresso dos Madrugada, mas o que é certo é que essas sessões baseadas no material solto que tínhamos foram fantásticas, muito eficazes, saímos de lá com bases muito importantes para esse eventual regresso. Voltámos a Berlim em Janeiro de 2020 para fazer mais uma sessão desse estilo, e foi durante esses dias que decidimos marcar o estúdio em Los Angeles, porque sentimos que já estávamos prontos. Foi uma fase em que tudo aconteceu muito depressa, mas de forma muito natural.

Aquelas horas todas que passaram juntos durante a tour ajudaram bastante, imagino.
Jon: Sim, foram centenas de concertos, milhares de horas a tocar juntos, tornámo-nos novamente numa unidade super coesa, numa banda musicalmente muito competente. Todos estávamos no mesmo comprimento de onda novamente, ao fim de tantos anos.

A tal decisão de gravar ao vivo no estúdio, para além de ser algo que já queriam fazer antes, também ajudou a manter essa vibe orgânica, de concerto, de tocarem juntos?
Jon: Sim, exactamente. E por seu turno, isso fez com que a experiência de estúdio, mesmo que interrompida a meio e nas circunstâncias em que aconteceu, tenha sido fantástica. Gostámos mesmo daqueles dias, e não foi necessariamente sempre assim de cada vez que entrámos num estúdio no passado.

Notaram diferença nos concertos que deram depois do álbum? As reacções das pessoas aos novos temas foram boas?
Jon: O álbum saiu no final de Janeiro de 2022, e em Fevereiro já estávamos na estrada a tocar em montes de sítios, e nesses primeiros espectáculos percebemos que as pessoas ainda não tinham tido tempo suficiente para ouvir os temas novos e conhecê-los devidamente, o que é perfeitamente natural. Mas à medida que se passaram os meses, com a época de festivais no Verão e depois nos concertos que demos no Outono, as canções novas já parecia que faziam parte do setlist há anos, já eram parte integral. Algumas delas, como a «Nobody Loves You Like I Do» ou a «Help Yourself To Me» parecem ter sido crowd pleasers instantâneos! [risos] A «Stabat Mater» também parece ter estabelecido uma ligação muito forte com os fãs. Acho que é uma boa representação daquilo que o álbum é.

Houve, em alguma altura, algum receio, ou pelo menos algum peso da responsabilidade, tratando-se de um álbum “de regresso”, com tudo o que isso implica?
Jon: Sim, creio que todos nós sentimos algum receio a certa altura, é normal. A composição e a gravação correram muito bem, sim, mas passou tanto tempo em que estivemos separados, não podíamos ter a certeza absoluta que ainda conseguíamos ser uma banda válida, musicalmente forte, como tínhamos que voltar a ser.

Tens temas favoritos de tocar, que possas revelar? Seja dos novos ou dos antigos?
Jon: A «Nobody Loves You Like I Do» é especial, admito. Representa a forma como a nossa escrita de canções costumava ser, antigamente. Faz-me lembrar a «Strange Colour Blue», é muito simples, mas tem um groove que se desenvolve lentamente, vai criando uma atmosfera, é quase como um tema de jazz. Ou algo reminiscente dos The Doors, aquela onda meio xamânica, Miles Davis, blues, isso tudo… Acho que é um tema que podia ser inserido na cena do chamber pop europeu, tipo Talk Talk e coisas do género. O Frode apareceu com um riff de baixo incrível, eu consegui fazer umas partes de bateria que se ajustaram na perfeição, e o Sivert arranjou aquelas guitarras meio “gritadas” para meter por cima, foi uma canção que resultou de uma colaboração entre todos nós, como acontecia nos primeiros anos, e essa sensação foi maravilhosa.

Já percebemos que essa vai fazer parte do setlist no Montijo. [risos]
Jon: Sim, sim, essa já faz parte, já não há volta a dar.

Podes revelar-nos mais alguma coisa sobre o que podemos esperar desse concerto?
Jon: Bom, quando tocamos em festivais tem sempre que ser uma espécie de resumo, de versão condensada da alma da banda, portanto, sem revelar demasiado, acho que vamos ter qualquer coisa de cada um dos álbuns, com os temas que tocamos mais frequentemente em maioria, mas se calhar com uma ou duas surpresas.

Metendo aqui o meu gosto pessoal ao barulho, se a «You Promised To Wait For Me» fosse uma das surpresas, era bonito…
Jon: Olha, tem piada, que esse tema é uma ideia minha! Sei que a vamos tocar pelo menos uma vez durante o Verão, porque temos uma versão alternativa, em que a transformámos num dueto, com a Ane Brun, que já tinha cantado a «Lift Me» connosco. Quando escrevi o tema, a minha ideia principal já era essa, de vir a ser um dueto, mas depois ao trabalhá-la no estúdio isso acabou por não acontecer. Gosto muito da versão do álbum, mas este dueto que depois fizemos é especial, porque foi assim que imaginei as coisas originalmente. Mas fico muito satisfeito que tenhas falado dessa música em particular. Nasceu de uma inspiração no período de Las Vegas do Elvis misturado com R.E.M., basicamente. [risos]

Que lembranças tens de tocar em Portugal, algo que te tenha ficado na memória?
Jon: A primeira vez que aí estive foi mesmo com a banda, quando tocámos em 2000, mas a memória mais presente que tenho de Portugal até foi de uma viagem normal, sem ser com os Madrugada, quando eu e o meu irmão guiámos de Barcelona até Lisboa, foi uma viagem fantástica. A ideia era só ter ficado pelo sul de Espanha, mas eu já tinha ido naquela tal ocasião de 2000 a Lisboa e tinha gostado tanto do pouco que tinha visto que o convenci a darmos o salto até Lisboa. Foi na altura do Natal, estava um bocado de frio, mas adorámos. Na verdade, nessa altura do Inverno, Portugal lembra-me de certa forma a zona da Noruega onde eu cresci.

A sério? Também és de Stokmarknes, certo?
Jon: Sim sim, na região de Vesterålen, foi aí que nasci e cresci. Especialmente viajando pela costa, nas zonas menos populadas e mais montanhosas, sinto-me sempre em casa. E também tem a ver com as pessoas – normalmente não se fala muito das parecenças entre as pessoas dos nossos países, mas eu acho que há bastantes. Ainda tenho que referir o Porto, que não conhecia e onde estive pela primeira vez aquando do concerto de 2019, e é uma cidade fantástica, pelo que pude ver. A arquitectura é sublime. Ah, e há mais uma coisa que me faz sentir em casa quando estou em Portugal – o bacalhau! [risos] Infelizmente desta vez vamos estar em Portugal menos de 24 horas. Temos tantos concertos marcados – só durante o Verão vão ser 35, em festivais vários. Espero que não tenhamos nenhum daqueles momentos “hello Cleveland” quando na verdade estivermos em Lisboa ou assim. [risos]

E depois disto tudo… já pensaram no que vem a seguir? Estando a experiência a correr tão lindamente, podemos esperar mais álbuns dos Madrugada, mais música nova?
Jon: Bom, a próxima coisa a acontecer vai ser um álbum a solo do Sivert, portanto não temos ainda planos muito concretos em relação a isso, mas por outro lado, nós nunca fomos muito bons a fazer grandes planos em antecipação. Enfim, continuamos os três a escrever canções dos Madrugada quando estamos em casa e a divertirmo-nos imenso quando estamos juntos, portanto… quando acontecer, acho que até vamos estar mais bem preparados do que estávamos em 2019.


O festival SONS NO MONTIJO vai decorrer nos dias 9 e 10 de Junho, na Frente Ribeirinha do Montijo. Para além dos MADRUGADA, há também a destacar actuações dos Mão Morta e Ash Code, entre outros. Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.