Marginália e Imaginário

MARGINÁLIA E IMAGINÁRIO: Os Gatos Instruídos, e outros que também arranham umas músicas

Toda a verdade sobre a inteligência felina.

A 21 de Fevereiro de 1829 os londrinos que leram a edição desse dia do periódico The Literary Gazette, um jornal de cultura e actualidades, foram certamente surpreendidos pela revelação de que um prestidigitador italiano andava há mais de um mês a demonstrar nos seus aposentos em Regent Street a verdade sobre a inteligência felina: desde Janeiro que um tal Signor Capelli, mágico toscano, encantava o público inglês com uma trupe estupenda de gatos amestrados. Denominados de “a maior maravilha de Inglaterra”, estes “gatos instruídos” eram capazes de executar os mais intrigantes truques, como tocar tambor, afiar facas, moer arroz (à maneira italiana), torrar café, tirar água de um poço e tocar música, obedecendo a ordens dadas em francês e italiano — porque três gatos tinham nascido em França e um na Itália.

O espectáculo era diário, a cada meia-hora entre o meio-dia e as cinco horas da tarde, e o próprio Capelli servia de banda de suporte aos gatinhos, executando truques de ilusionismo; em seguida, quando os gatos finalmente apareciam, já toda a gente retesava de antecipação — e não raras vezes alguns indivíduos mais endinheirados pediam a este estranho, mas pacífico mestre de picadeiro que repetisse a façanha à noite em suas casas. Os Gatos Instruídos de Capelli andaram, posteriormente, em digressão pelo Reino Unido, regressando a Londres três anos depois para mais uma temporada de sucesso na Feira de São Bartolomeu.

Porém, já em meados do século anterior, um ex-sapateiro escocês chamado Samuel Bisset fora o primeiro a criar uma trupe de gatos músicos e cantores: ensinara-os a tocar um saltério com as patas e a miarem, concertadamente, diversas harmonias. Os Gatos Musicais tornaram-se tão célebres que um empresário contratou-os para um grande concerto; Bisset preparou um espectáculo ambicioso, uma verdadeira ópera, mas na véspera da estreia o empresário desistiu, deixando-o com um enorme sarilho nas mãos. Sem perder a coragem, confiante nas capacidades dos bichaninhos, o amestrador de gatos não cancelou o espectáculo e sozinho, em apenas poucas semanas, ganhou cerca de mil libras.

Os gatos amestrados tinham vindo para ficar — trajectória de sucesso, aliás, comprovada e prosseguida por actuais e engraçadíssimos vídeos publicados em diversas redes sociais com gatos que “cantam” versos legendados pelos criadores de conteúdos. Mas também nesse campo não se inventou nenhuma novidade: no início do século XX, Peter Alupka, o famoso Gato Falante, andou em digressão europeia com a tratadora maravilhando audiências com a sua perfeita pronunciação de palavras em alemão, incluindo uma interpretação da música O Tannenbaum e até exclamiações de Hurra! sempre que lhe diziam o nome do Kaiser Guilherme II.

Bichanos artistas do tempo dos nossos avós: só para nos lembrarmos que o mundo de há cem, duzentos ou até trezentos anos também era feliz, engraçado e fascinado por coisas giras.