MESHUGGAH: «Immutable» | Atomic Fire, 2022 [review]

Que os Meshuggah operam num patamar único de progressividade, inovação e destreza criativa já não será grande novidade para qualquer fã de música pesada mínimamente familiarizado com esta verdadeira instituição do metal. Que ao nono longa-duração de uma carreira que já passa as três décadas, os suecos nos apresentem um disco como «Immutable», mostra como, mantendo-se iguais a si mesmos, são mestres na arte da reinvenção. O título do disco tem, por isso mesmo, tanto de sintomático como de enganador. Sintomático porque revela que estes são os mesmos Meshuggah de sempre, percusores de um estilo só seu, tão influente que sozinho acabou por dar origem a um subgénero (djent); sintomático porque demonstra que continuam a ser aquela banda tantas vezes imitada, porém nunca igualada;  e sintomático porque desvenda que, sim, em termos gerais, isto soa exactamente ao que se poderia esperar deles. Porém, é também enganador, porque quando os Meshuggah decidem fazer o que lhes dá na real gana e o concretizam neste nivel de esplendor, o resultado expectável revela-se afinal imprevisível. Paradoxal tal como estes 66 minutos de desafiante música, que perfazem o disco mais extenso e mais diverso que já gravaram.

«Immutable» é uma súmula das múltiplas nuances que os Meshuggah foram revelando de álbum para álbum (verdade seja dita que do asifixiante «Chaosphere» pouco há, além dos emblemáticos solos de Thordendal) e, simultanemante, um afoite por terrenos que nunca tinham desbravado. Tudo feito com tamanha segurança e mestria, que mesmo o que não antes lhes ouvimos, acaba por soar, naturalmente, a eles mesmos.

O primeiro fator diferenciador deste «Immutable» é, desde logo, a produção: quente e enleante, capaz de dar cunho humano à precisão robótica desta linha de produção massiva de polirritmos inimagináveis ao comum dos mortais. A afinação das guitarras está menos grave, pelo menos em certas partes de alguns temas, e o som de bateria de Tomas Haake, a par da prestação, anda no limiar da perfeição. No que toca a bateria e guitarras torna-se praticamente impossível não questionar quando se irá esgotar o arsenal de criatividade rítmica desta gente. É que há sempre uma volta inesperada, um contratempo súbito, uma nota fantasma, para nos lixar a cadência do headbanging. E, ainda assim, «Immutable» pode muito bem ser o disco mais groovy de sempre dos Meshuggah.

A inicial «Broken Cog» é um colosso de peso e balanço. Desde o spoken word, logo a abrir, passando pelas harmonias em cima do repetitivo padrão de bateria, até ao inesquecível riff a partir dos três minutos, confirma que, sim, isto é defitivamente Meshuggah, mas não, não vai ser apenas mais do mesmo. Na verdade, nunca soaram tão atmosféricos, melódicos e – porque não dizê-lo? – acessíveis. E é muito desse equilíbrio entre caos estruturado, experimentação q.b. e uma composição que incorporando novos elementos acaba por ir mais direta ao assunto, que se faz a magia deste disco.

Desta feita, os Meshuggah escreveram verdadeiras canções e para isso não só não tiveram de fazer concessões como ainda se deram ao luxo de expandir horizontes, estimulando-nos os sentidos. Dá para ouvir «The Abysmal Eye» e não ficar de queixo caído com a intensidade frenética, a ambiência apocalíptica, o espancamento da tarola ou o peso esmagador do riff final? Será possível resistir ao hipnotizante e castigador meio-tempo de «Light Shortening The Fuse» sem mexer o esqueleto? Talvez seja, mas nesse caso será melhor o caríssimo ouvinte verificar os sinais vitais, porque alguma coisa é capaz de não estar bem.

Para quem está convencido que os Meshuggah escrevem sempre o mesmo disco, que tal um instrumental de quase dez minutos, sendo os primeiros três acústicos, estrategicamente colocado a meio do álbum? Haake define-o como o «Orion» dos Meshuggah, mas aqui para este escriba é apenas uma prova de maturidade e do número de “fucks given” pelo coletivo sueco. Um tema que permite respirar e ganharmos fôlego para a segunda metade de tareia auditiva, que embora ligeiramente menos memorável, se mantém interessante e, quiçá, até mais surpreendente. Prova disso é o inesperado tremolo picking de «Black Cathedral», um tema que vive na fronteira entre o death e o black metal mais dissonante e que nos deixa ansiosamente a salivar por uma qualquer batida que acaba por nunca chegar. O que chega é um negrume pantanesco que nos “drona” a energia até a monstruosa «I Am That Thirst» nos matar a sede de groove esquizofrénico. À medida que avança, «Immutable» torna-se mais sinistro, atingindo o apogeu na final «Past Tense», pertubador instrumental onde demonstram que nem só de distorção se faz o peso. Os Meshuggah seguem imutáveis, mas quem se entregar de corpo e alma a este disco dificilmente permanecerá o mesmo. [9]