MGŁA + ULCERATE + MORD’A’STIGMATA @ RCA Club, Lisboa | 02.12.22 [reportagem]

Apesar de todas as preocupações, naturais em relação ao futuro, perante a constante incerteza com os aumentos da inflação e o impacto que isso coloca sobre as digressões de bandas de música pesada — que, muitas vezes, já têm as contas feitas ao limite –, não deixa de ser um sinal positivo termos esta digressão a passar por três pontos de Portugal (quando o que tem sido hábito é apenas um) e ter como última data um RCA Club completamente esgotado. O que também demonstra a fidelidade do público português aos MGŁA, que desta vez vieram muito bem acompanhados pelos ULCERATE e pelos MORD’A’STIGMATA, que seriam os primeiros a subir ao palco da sala lisboeta numa noite em que o negro esteve sempre em evidência (como seria expectável), mas que salientou também muitas outras cores. Os também polacos regressaram este ano com «Like Ants And Snakes», um álbum que os viu a largarem alguma da abrasividade do passado em busca de uma maior profundidade atmosférica — o que lhes permitiu reforçarem a sua costela “post-qualquer-coisa”. Ainda assim, e feita a contextualizando com a digressão onde estavam inseridos, o seu concerto foi um equilíbrio entre essas duas faces da sua identidade que estão-se a tornar cada vez mais distintas. Começaram com uma assombrosa «Inkaust» e foram intercalando temas do novo álbum, como o tema-título e «Blood Of Angels», que viria a fechar a sua actuação, com outros mais antigos. A contemplação e o headbanging moderado foram a reacções mais comuns num concerto que nos pareceu algo longo para uma banda de abertura.

Ainda assim, os MORD’A’STIGMATA deixaram boas indicações em relação ao seu momento presente. Um dos pontos positivos da acutação dos polacos foi verificar a técnica de Ygg na bateria, instrumento que viria a estar em destaque também com os neo zelandeses ULCERATE. Isto porque o jogo de pratos de Jamie Saint Merat foi impressionante, assim como foi vê-lo a usá-los, como ao restante kit, roubando claramente as atenções em relação ao resto da banda. Atacaram logo com «The Lifeless Advance», o tema de abertura do último álbum de originais «Stare Into Death And Be Still», que acabou por estar em destaque ao ocupar grande parte do alinhamento. O público, esse, demonstrou mais entusiasmo do que em relação à banda anterior, fruto também de terem a brutalidade mais à flor da pele, indo brevemente buscar ao passado munições para manterem o nível elevado — «Cold Becoming» e «Everything Is Fire» foram os temas escolhidos. Um trio que impressionou todos os presentes, que não precisou de qualquer comunicação (a não ser no final quando se despediram, agradecendo ao público) e que foi o aquecimento perfeito para o ponto alto que já era previsível que viesse de seguida.

Os MGŁA têm sido presença assídua por cá nos últimos tempos e continuam a ser um dos nomes mais apetecidos para os fãs de black metal mais atmosférico, com uma fórmula que serviu (e ainda serve) de inspiração para muitos outros que os seguem. O sucesso alcançado com «Age Of Excuse» não deixa de ser marcante, algo que o facto de andarem em digressão de apoio ao álbum lançado em 2019 — e não terem sido demovidos da mesma pela pandemia — bem comprova. O alinhamento diferiu consideravelmente da última visita ao RCA Club em 2019, mas acabou por ser rigorosamente igual ao do concerto no SWR – Barroselas Metalfest em Abril passado. Algo que não se revelou um problema para o público, que não demorou muito tempo até começar a manifestar-se através de mosh intenso. Atrás falámos de comunicação e aqui já é sabido que, com esta banda, é mesmo a música que fala mais alto — até porque qualquer coisa que não isso seria quebrar o conceito de distanciamento e despersonalização –, mas ainda assim não se sente a frieza esperada de uma proposta de black metal. Muito por responsabilidade do público, que nitidamente viveu intensamente os temas do já citado «Age Of Excuse» e também do «Exercises In Futility», os dois LPs com maior destaque no alinhamento. Não deixou de ser engraçado, à semelhança do que se tonha passado no concerto dos Nile, ver a forma como as vagas de crowdsurfing morriam antes de chegarem à praia/palco, com um segurança zeloso a garantir que ninguém pisava o palco além dos músicos.

Podemos ser sempre cínicos e dizer que não percebemos a razão do sucesso de bandas como os MGŁA e afirmar que o mesmo se deve apenas a um gimmick que até já não é tão eficaz como isso, mas a cada concerto que assistimos por parte dos polacos ficamos com mais certezas de que não bastam gimmicks para ter um sucesso prolongado, e que é fundamental ter algo extra que os faz transcender perante toda a concorrência. Uma sala completamente esgotada mostrou mais uma vez isso, culminando assim em apoteose mais uma passagem, com três paragens, pelo nosso país, que os vai receber de braços abertos novamente num futuro que se quer próximo.

FOTOS: Sónia Ferreira