MISSA ORTODOXA: Shelton Chastain – «The Edge of Sanity: 88 Demo Session»


SHELTON CHASTAIN
«The Edge of Sanity: 88 Demo Session»
[Postmortem Apocalypse, 2018]

Ainda no luto pela morte do Mark Shelton e o fim dos Manilla Road, eis que surge uma verdadeira pérola perdida que tem, diria que obrigatoriamente, de figurar neste espaço. Uma surpresa que vem da mão de David T. Chastain, um excelente guitarrista que, nos anos 80 (e não só) nos deu magníficos álbuns com os CJSS (lembro-me de ser miúdo e delirar com o «Praise The Loud»), e os Chastain, que revelaram a incrível voz de uma das minhas vocalistas preferidas de sempre, a Leather Leone. Reza a história que, após problemas com a distribuição da Black Dragon Records nos Estados Unidos, foi o David Chastain que acolheu os Manilla Road na sua editora Leviathan Records para o lançamento de «Out Of The Abyss» em 1988. Como curiosidade, já dois anos antes a Leviathan havia lançado nada mais nada menos que a edição americana de «Epicus Doomicus Metallicus» dos Candlemass, originalmente editado na Europa pela Black Dragon. É impressionante o que se descobre a pesquisar para estas missas. Sabiam, por exemplo, quem escreveu o tema-título de «Shock Waves», o primeiro álbum do projecto a solo de Leather Leone (não digo único porque saiu este ano o segundo)? Pois, foi o Mark Shelton! E tantos anos ouvi esse álbum sem o saber!

Um gajo que ainda hoje toca bem como o caraças.

A amizade entre Shelton e Chastain deu origem nesse mesmo ano de 1988 a que o primeiro fosse convidado pelo segundo a criar um conceito lírico e vocal para algumas composições que estavam em fase instrumental. Shelton, sentindo-se honrado e elogiado, completou a música ao seu estilo. E assim se fizeram estes temas que ficaram esquecidos na bruma dos tempos durante três décadas até que Phil Ross, baixista dos Manilla Road, ouvindo velhas cassetes do porão de Shelton em busca de potenciais faixas-bónus para futuras reedições de Manilla Road, deu com a prisca gravação. Na realidade já ninguém se lembrava quanto tempo exactamente tinha levado a criação destes temas, mas a data de 1988 para o início do projecto é dada como certa. Shelton estava pessoalmente empenhado na ressurreição destes temas desde Fevereiro do corrente ano. Não viveu tempo suficiente para ver a obra cá fora, mas ela aqui está.

O Shark não podia acabar de rachar a lenha que não lhe desse logo vontade de tocar guitarra.

Isto soa tanto a demo que até me pareceu mais apropriado mandar vir dos States a versão em cassete. Além disso, é este o verdadeiro lançamento original (em 102 exemplares), pela própria editora de Phil Ross, que assina as liner notes. A produção caseira e crua, a caixa de ritmos em vez de bateria a sério, demonstram um projecto em fase intermédia, que teria merecido uma verdadeira gravação de estúdio. Mas a força dos temas brilha através destas insignificantes limitações. O material é composto apenas por dois temas fortes ao estilo quase thrash de «Out Of The Abyss» e uma longa e ambiciosa composição em duas versões. O lado A da cassete principia com «The Edge Of Sanity», tema agressivo e directo em que Shelton canta com criatividade acerca de uma vítima da proverbial maldição do Faraó, que contempla em completa aflição o destino desgraçado que está prestes a abater-se sobre a sua cabeça. Noutro estilo, segue-se «Orpheus Descending», impressionantíssimo épico de quase doze minutos, com muitas passagens mais melódicas alternadas com Metal pesado, muito ao estilo de fenomenais temas de Manilla Road como «Helicon». Mark Shelton canta aqui a história mitológica de Orfeu e Eurídice, e a sua presença vocal faz com que este tema em particular, mais ainda que os demais deste lado da cassete, soe a Manilla Road. Encerra «Fields Of Sorrow», poderosa faixa de que também gostei muitíssimo, sobre a devastação da natureza e a ameaça nuclear, que termina o lado A com um toque de vigoroso power metal. O lado B, por seu lado (ah ah!), está ocupado exclusivamente por uma versão ainda mais extensa de «Orpheus Descending», com 21 minutos(!) e com mais passagens da brilhante guitarra de Chastain e um ambiente ainda mais épico. No total três temas, um dos quais em duas versões, que totalizam quase 42 minutos de música. Espantoso mas verdadeiro.

A demo-tape agora com capa e tudo.

Um grande lançamento que está disponível em CD e vinil, e talvez ainda em cassete, que é mais que recomendado a quem se interesse por heavy metal em geral e pelo Mark Shelton e o David Chastain em particular. Uma boa surpresa que nem se sabia que existia.

Há coisas que apetece mesmo comprar é em cassete.