NEGRO MAIS PROFUNDO #12

Os DECAYED são, certamente, a banda nacional com um catálogo mais vasto – e, não estranhamente, também são daquelas em que é mais complexo encontrar todos os formatos e títulos. J.A. é conhecido por fazer, nos tempos recentes, lançamentos digitais que só depois recebem formato físico. Antes eram edições em formato CD-r, praticamente vendidas apenas nos concertos da banda, como no caso de «French Attack», em 2000. Pois bem, em Setembro de 2019, era editado, em formato digital, o EP «Oath Of Heathen Blood». Uns meses depois, saía o álbum «The Oath Of Heathen Blood» através da Lusitanian Music. Apesar do nome, o álbum apenas repetia o tema-título, mas com mais quatro minutos de duração, pois a versão incluída no EP era um edit. Já em 2020, sai um novo EP, desta feita «The Neo Plague (Seven Anthems Of Decadence)». Novamente disponível apenas em digital e repetindo a formação, com o guitarrista/vocalista acompanhado por Vulturius, na voz principal e no baixo, e G.R. na bateria. Seguir-se-iam duas compilações, mas os temas dos EPs permaneram fora dessas edições. Neste princípio de Verão, surgiu a HALORAN RECORDS, que decidiu reunir esses dois lançamentos num só CD e dando aos fãs a possibilidade escolherem a capa a colocar, pois ambas foram reproduzidas para esta edição. « Oath Of The Plague», assim se chama o disco, resultou no argumento perfeito para conhecermos esta nova editora e percebermos melhor como tudo isto aconteceu.

Como surge a ideia de criar uma editora?
É uma ideia de realização pessoal pura, como apreciador e coleccionador de música. Ao longo dos últimos anos assisti ao trabalho incrível de algumas editoras nacionais que vão marcar para sempre a história do nosso underground e isso influenciou-me a querer fazer algo de, e para, a nossa cultura. Outro motivo é que, conhecendo alguns músicos e bandas, sinto que, se não for eu a editar, certos “lançamentos”, projectos e bandas de que gosto acabarão por morrer.

Porquê o nome Haloran Records?
O nome foi inspirado no filme ‘Dementia 13’, do Francis Ford Coppola, de 1963, em que há todo um mistério em torno da família Haloran e foi algo que me soou bem. Sendo eu um cinéfilo convicto, acabei por juntar duas paixões num nome, o cinema e a música.

Graças ao primeiro projecto, naturalmente surge a conexão ao black metal. É o que se passa efectivamente?
Sim e não. Embora haja uma “queda” pessoal para o metal mais extremo, estou aberto a qualquer tipo de sonoridade, até fora do metal, sendo o critério mais importante para lançar algo o gosto pessoal. Para mim só existem dois tipos de bandas: as que aprecio e as que não aprecio. Quanto ao black metal, posso adiantar que o pouco que está planeado é quase todo dentro do género.

Há inúmeras bandas e projectos, de repente sai logo um CD dos DECAYED e a edição de dois EPs em formato físico. Como surge o contacto e qual o diálogo com a banda?
O contacto com a banda é mais ou menos regular. A questão que levou à edição do «Oath Of The Plague» foi termos chegado a um ponto em que muitas bandas lançam determinadas coisas apenas em formato digital e isso é algo que me chateia profundamente… Não ter o objecto físico de um lançamento de uma banda que adoro. Estamos a falar dos Decayed, mas podíamos estar a falar de outra banda. Então, já que estava gravado, por que não fazer uma edição simbólica de cem unidades? Qualquer editora podia tê-lo feito. O diálogo surgiu precisamente pela questão da música ter chegado a este ponto tão “digital”. Acho que a música deve ser disponibilizada através das diversas plataformas que existem, principalmente como meio de divulgação, mas daí a chegar a um ponto em que é só disponibilizada em meios digitais… Reflecte um mundo com o qual não me identifico. Estes dois EPs foram gravados recentemente e a segunda parte tem das faixas mais cruas que a banda alguma vez gravou, por que razão isto não estava cá fora?

Esperavas arrancar logo com um nome tão simbólico a nível nacional?
Claro que não. Se há dez anos me colocassem a questão, hipoteticamente, ia achar completamente surreal. Foi uma banda que marcou muito a minha adolescência e é daquelas bandas que nunca sai das playlists, sendo algo cíclico, posso estar dois meses a ouvir muito dois álbuns, eventualmente vou comprar ou descobrir um lançamento que nunca ouvi, ou outro que não entrou tão bem no passado e o ciclo vai-se completando. Ter contribuído para a história da banda, desta forma, não tem preço.

No momento que falamos, a edição está praticamente sold out. Causou surpresa, esgotar quase tudo numa semana?
Sim. Tenho expectativas extremamente baixas no que toca à música. Mentalizei-me e preparei-me para fazer um lançamento e vender zero cópias. A partir da momento que vendi uma, ultrapassei as minhas expectativas. Acho que as editoras, lojas e distribuidoras se devem mentalizar para isso, porque a probabilidade de investir em algo e não ter retorno pode ser elevada. Acho que é bom pensar-se e estar-se preparado para o pior, ou seja, não vender nada, antes de se pensar em vender alguma coisa. Não estava à espera dum boom tão rápido nos dois primeiros dias, tanto cá em Portugal como lá para fora. Lá está, são só cem unidades… Quando eram apenas lançamentos digitais tinham esta procura? Claro que não. No metal, e sobretudo no black metal, existe uma enorme fidelidade ao formato físico. A editora acaba por surgir também “de” e “para” fieis colecionadores.

E agora, há mais nomes planeados? Pode levantar-se algo do véu?
Há nomes e um álbum de estúdio a ser lançado este ano. No entanto, o véu nunca se vai levantar. As coisas simplesmente saem e são anunciadas no dia em que saem. Não há pré-avisos, nem anúncios da banda X ou Y. Simplesmente vai chegar um dia e o lançamento vai estar cá fora.

Quanto a formatos, naturalmente que o hype gira à volta do vinil e, no black, das tapes. É algo para futuro?
Sim, o primeiro lançamento até era para ser em tape, mas por razões de força maior não foi possível. Quanto ao vinil, é algo que está pensado para um lançamento muito especial, e único no nosso meio, mas ainda é muito cedo para falar nele, visto que existem outras coisas à frente na agenda.

E com os DECAYED? Face ao sucesso e aos inúmeros splits e até EPs como «Apocryphal Spells», já se falou em algo mais?
Sim, já se falou e é muito provável que saia algo especial dos Decayed no nosso catálogo durante o próximo ano.

Sem grande alarde, de fãs e para fãs, nasceu assim a HALORAN RECORDS. Resta esperar que cresça e que ajude a realizar sonhos pessoais, além de fornecer um suporte físico ao digital. Apenas com um título no catálogo, podem começar a ver este selo crescer através do seu Bandcamp.