OUT OF THE BOX: O som de JERRY CANTRELL

O pessoal da LOUD! faz um sumário perfeito. Mais do que grunge, ou qualquer outro género mais restrito onde se tenha convencionado encaixar o homem, JERRY CANTRELL assume-se hoje, ao fim de mais de 35 anos de carreira, como uma figura maior do rock. Só assim, sem mais epítetos nem limitadores. Ao longo da carreira tem assinado algum equipamento verdadeiramente extraordinário, que aqui revemos. Dono de um estilo absolutamente único de execução e composição, com o seu legado perfeitamente assegurado pelo que já fez (e fará ainda, esperemos!) aos comandos dos míticos ALICE IN CHAINS, e com uma carreira a solo que, ainda que relativamente esporádica, se tem revelado como de enorme categoria — enriquecida agora com o novo «Brighten» –, o guitarrista mantém-se apesar da sua história tão relevante e tão activo como sempre. Aquilo que nos traz aqui, no entanto, é precisamente o supracitado estilo único de execução. A sua assinatura sónica e, muito particularmente, o equipamento que está marcado com essa assinatura. E nada como começar pelo mais recente…

por Nero

WINO & LEO

A par da chegada do novo álbum, a Gibson Custom Shop anunciou o lançamento da guitarra de edição limitada Jerry Cantrell “Wino” Les Paul Custom, a primeira colaboração oficial dos luthiers da Gibson com o músico. Apenas 100 foram construídas e cada uma delas é assinada à mão, na parte de trás do headstock, pelo próprio Jerry Cantrell. Feita para reproduzir o icónico modelo Les Paul Custom do guitarrista dos ALICE IN CHAINS e que, aliás, passou a gravar a maioria dos discos da banda deste «Black Gives Way To Blue» (2009), esta Jerry Cantrell “Wino” Les Paul Custom tem muitos toques pessoais, incluindo um deslumbrante acabamento Murphy Lab “Wino” Wine Red envelhecido sobre um tampo de maple e um corpo em mogno, ferragens douradas envelhecidas, afinadores Grover Kidney e os pickups 490R e 498T, além de um piezo Fishman Powerbridge para opções semi acústicas. Há dois controlos de volume (um para cada pickup magnético), e um terceiro volume (onde estaria normalmente o controlo de tone da ponte) para o piezo. Um master tone e um switch de pickups de três posições completam os controlos. A guitarra vem num estojo rígido personalizado e alusivo ao músico que a assina. Mais informações aqui.

Estávamos na transição do ano de 1964 para 1965 quando Leo Fender vendeu a monstruosa marca que fundou à CBS, gigante da comunicação e media. Jerry Cantrell nasceu no ano seguinte. Em 1979, Leo Fender e George Fullerton decidiram que estavam fartos de passar os dias de papo para o ar, a viver em cima dos lucros milionários da venda da Fender, e fundaram a G&L Musical Instruments. Na verdade Leo passara a década a criar designs para a Music Man (era um génio, mesmo) mas, para ser mais conveniente com o contexto, avançamos uma década. Especulamos que, nessa altura, com 13 anos de idade já “dava uns toques”. Ora, a Fender estava em queda e os instrumentos G&L, anunciados como “os melhores instrumentos alguma vez construídos” cedo ganharam uma reputação de enorme credibilidade junto de muitos músicos. Talvez isso tenha sido decisivo para Cantrell se apaixonar pelas G&L Rampage. A primeira que comprou (em 1984) e a sua favorita foi a “Blue Dress”. Actualmente, esse modelo está equipado com humbuckers custom da Motor. Infelizmente, com o passar dos anos, a guitarra abriu uma fissura nas costas do corpo e só é usada muito esporadicamente. Todavia, Cantrell ganhou duas assinaturas com a G&L, dois modelos na gama Tribute da G&L, uma Rampage e uma Superhawk Deluxe.

FRIEDMAN

Em 2019, a Friedman Amplification, ao lado de Jerry Cantrell, recriou o amp de assinatura do guitarrista dos ALICE IN CHAINS numa versão de 20 watts, o JJ Junior. O amp condensa todas as características que mais distinguem o imponente modelo JJ-100 num formato mais maneirinho para gravar em casa ou para actuar em palcos pequenos (digamos que tem jarda que chegue para o LOUD! Dungeon no SWR). O JJ Junior baseia-se em duas EL34 de potência e três 12AX7 de pré. Possui saída simuladora de coluna (XLR Cab Simulated output c/ Ground Lift, Axis e Level switches) e selector de impedância, 8 ou 16-ohm. É um amp de dois canais relativamente simples, com o canal limpo a apresentar o controlo de volume e um alternador de brilho (médios-agudos) e o canal de distorção a possuir os controlos gain, master, treble, middle e bass, além do alternador de voicing JBE que oferece gain extra. O amp tem coluna gémea (1×12) ou pode ser adquirido na versão combo, com uma 12” Celestion Creamback. Mais detalhes na Friedman.

Naturalmente, Cantrell usou outros amps. Por exemplo, o «Dirt» foi maioritariamente gravado através de um Mesa/Boogie Dual Rectifier, amp idolatrado por muitos guitarristas dos espectros mais pesados da música. Também foi usado um clássico Marshall JCM800 2203No álbum seguinte dos ALICE IN CHAINS, o trabalho homónimo de 1995, a escolha recaiu num Peavey 5150. Como Cantrell recordava em entrevista a uma edição da Guitar World de 1996: “O Eddie [Van Halen] ofereceu-me três stacks (cabeço/colunas) após uma tour que fizemos com eles. Nessa ocasião ele aparecia com os cabeços e uma das suas guitarras Music Man e perguntava-me se queria comprar-lhe alguma. No final da tour, no regresso a casa, tinha três stacks à minha espera na garagem. Ele era o gajo mais bacano! Também me ofereceu um par de guitarras suas“.

No primeiro álbum, «Facelift», o JCM800 foi cruzado com um Randall RG 1503 para gravar o super single «Man In The Box», fazendo fé nas palavras do produtor Dave Jerden. Já para os sons limpos, Cantrell sempre foi adepto dos Vox AC30. Depois, durante muito tempo, o músico afiliou-se à Bogner, usando vários modelos, com destaque para o Bogner Shiva, cujo sinal era combinado com o de um Marshall, um amp construído por Dave Friedman. E assim se fecha o círculo, pois foi com Friedman que Cantrell criou o seu primeiro amp de assinatura, de 100 watts. O JJ-100 é um modelo de dois canais alimentado por válvulas EL34, como referido anteriormente, e capaz de um som carregado de sobretons harmónicos que asseguram a complexidade integral do espectro de frequências, mesmo saturadas, que são debitadas. Quando soa limpo, o seu carácter aproxima-se, precisamente, de um AC30.

STOMPBOXES

O líder dos ALICE IN CHAINS não é propriamente maluco pelo processamento do sinal, mas também não abdica de alguns efeitos na sua pedalboard. Remetemo-nos aos mais recentes. Ainda em Agosto, num live no Instagram (que podem reproduzir aqui), pode ver-se que Cantrell tem um Ibanez TS9 Tube Screamer, apesar de usar preferencialmente uma muito mais finória versão TS808HWB. Outra das unidades que passou a usar ou só foi possível confirmar mais recentemente é um Radial HotShot DM1. este não é exactamente um pedal de efeitos ou de guitarra, mas um footswitch que permite desviar o sinal do microfone para comunicar apenas com os técnicos de monição. Útil e engenhoso. O overdrive que passou a usar nos últimos tempos é um Barber Electronics Direct Drive e a talk box, efeito que usou com tanta distinção como Peter Frampton fez nos anos 70, passou a ser uma unidade MXR M222. Todavia foi com um Dunlop Heil HT1 que terá gravado «Man In The Box».

Além dos vários MXR, Cantrell também usa vários pedais da marca mãe, a Dunlop. Caso do JD-4S Rotovibe e dos wahs de Dimebag, o Cry Baby From Hell, e o de Hendrix. Foi aliás um wah que se tornou o seu único pedal de assinatura, criado com Jim Dunlop, o JC95. Simplificando, o que distingue os pedais wah wah uns dos outros é, basicamente, a duração e profundidade da filtragem de bandas de equalização no som. Portanto, os pedais de assinatura são uma ferramenta muito rápida de encontrar um que nos satisfaça, basta pensarmos no som de wah do guitarrista de que mais gostamos. E o JC95 não engana, é precisamente um pedaço do som wah da banda grunge, provavelmente, favorita dos guitarristas. Uma enorme profundidade de frequências, descendo até aos 350Hz, que pode ser ainda mais potenciada pelo grande destaque deste modelo: um controlo que, quando activado, é quase um boost ao som normal do pedal [capaz de escalar até aos 1000Hz], permitindo um máximo de frequências altas a bater nos 2000Hz. Devido à zona de graves até onde é capaz de descer, este é um pedal com um wah mais sombrio, mais característico, mas que permite na mesma toda a capacidade dum Cry Baby Standard. Quanto a mim, este é o melhor wah da série de modelos de assinatura que a Dunlop desenvolveu.

Na LOUD! de Outubro, que está disponível nas bancas e aqui, mês em que edita o referido segundo álbum a solo, Jerry Cantrell abriu a sua alma à nossa/vossa revista, revelando vários pormenores extraordinários sobre a forma como encara a composição, alguns dos seus hábitos e métodos, vários períodos da sua vida artística, e muito mais para além disso. Uma conversa imperdível, que por si só justificaria a compra deste número #247 muito especial.