QUARANTINE SONGS [playlist]

Nos últimos dias, temos tido amplas provas que o underground musical, a internet, e a humanidade em geral, não são só poços de egoísmo, ganância e estupidez, com várias iniciativas de louvar por parte de várias instâncias, como o Bandcamp a prescindir das suas taxas para que os lucros das vendas fossem 100% para os artistas, por exemplo. É uma pena que seja preciso uma pandemia assolar o planeta inteiro para chegarmos a este ponto, mas seja, aceitemos o que de bom acontece por estes dias. Também se têm multiplicado as playlists e os mixes boa onda, para nos levantar o espírito enquanto definhamos fechados em casa (a maior parte de nós, pelo menos), que tiveram o seu culminar absoluto num magnífico ROQUE À SEXTA, todo ele um festival de bom gosto e boas energias do “nosso” grande Pedro Roque.

Estamos então servidos de boa onda. Então e de má onda? Se há coisa que sabemos, enquanto metálicos/metaleiros (escolham a que preferirem, para evitar discussões) ao longo dos anos, para além de que temos um estômago maior para aguentar certos assuntos, é que a catarse e a cura muitas vezes escolhem como melhores caminhos os aparentemente menos prováveis. Ainda há duas edições atrás tivemos na revista o grande Andrew Craighan, dos MY DYING BRIDE, a dizer-nos que quando está mesmo triste, o que quer é ir ver episódios do «Black Adder» e do «Father Ted», e só quando está feliz é que lhe brota da imaginação o doom metal mais miserável e mais depressivo. Assim sendo, para o pessoal da quarentena, segue uma playlist bruta e negra, para olharmos o inimigo olhos nos olhos, só com temas sobre isolamento, doenças, quarentena, pandemias e, essencialmente, o fim da humanidade. Para que nos lembremos contra quê, e pelo quê, é que estamos a lutar.

PLAYLIST

01. [0:00]
Neurosis
Takeahnase
(do álbum «Souls At Zero», 1992)
Não podíamos deixar de começar pela banda mais apocalíptica de sempre. Se quando um cometa errante estiver prestes a chocar com a Terra e erradicar toda a vida que ainda reste, não estiver a tocar a «Locust Star» em qualquer lado, ficarei gravemente desiludido. «Takeahnase» é o último tema do «Souls At Zero», o título é uma palavra de fonética nativo-americana criada pelo Scott Kelly, e é uma espécie de prenúncio do apocalipse vindouro, causado por uma mistura de capitalismo e fanatismo religioso. “When it begins –Takeahnase / The floods will sever the christs from the earth / Thieves called it property –Takeahnase / You’ll drown for our mother’s disgrace

02. [7:55]
Venom
Infectious
(do álbum «Cast In Stone», 1997)
Metalizemos ainda mais a coisa. Do melhor álbum dos Venom (fight me!) vem um tema praticamente auto descritivo e imensamente apropriado para o mundo em Março de 2020. “Hour of need / Jaws of greed / Breeds infection fast / Life – kills – live / infectious, infectious / Humanity’s dying / Blackened

03. [11:32]
Cattle Decapitation
Bring Back The Plague
(do álbum «Death Atlas», 2019)
Os Cattle Decapitation andam há anos a avisar que isto do mundo e da humanidade vai dar merda, e há meros meses atrás, tiveram esta bela melodia premonitória. Pode não ser “a peste” propriamente dita, mas o efeito é o mesmo. “Every body, a host / Every body, infected / Corpses white as a ghost / Naturally selected

04. [16:01]
Immolation
Fall In Disease
(do álbum «Dawn Of Possession», 1991)
Um clássico intemporal do death metal, e uma visão tenebrosa de uma doença que varre letalmente o planeta. “Miles away the dead are left / Quarantined contain the death / Brought to man a gift from Hell / Infectious blood devours all

05. [19:52]
Kreator
Isolation
(do álbum «Cause For Conflict», 1995)
O último tema de um dos álbuns mais injustamente “esquecidos” dos Kreator – dêem-lhe lá mais uma voltinha e vejam bem os malhões que ali há para o meio – é praticamente uma ode à paz que o isolamento pode trazer. “In this life of sadness / True serenity lies within / Dream of distant places / Where no soul has ever been / In my mind / No time no space / So close / Misery, I can escape

06. [24:06]
Slayer
Epidemic
(do álbum «Reign In Blood», 1986)
Alguém pode seriamente fazer uma playlist sobre epidemias sem esta lá estar? Não me parece. Esperemos é que não passem anos antes da cura, como a última frase sugere… “Unyielding kings of agony / Test your body chemistry / Pulmonary overthrow / Possession of your inner throne

07. [26:29]
Pig Destroyer
Contagion
(do split Benümb / Pig Destroyer, 2002)
Durante algum tempo não tínhamos letras destes temas mais antigos dos Pig Destroyer, porque o JR dizia que se tinha esquecido do que grunhia, mas entretanto lá apareceram, e com elas à frente até se percebe minimamente a vocalização. E enquanto leram estas linhas, já este épico de dezassete segundos acabou. Nem chega para lavar as mãos! “One hand to another / Spreading the disease

08. [26:46]
Napalm Death
Quarantined
(do álbum «Utilitarian», 2012)
Não trata necessariamente de uma quarentena médica, e é um tema recheado de referências ao sistema socio-político com é habitual no Barney, mas tudo bem. Por curiosidade, foi o «Utilitarian» que serviu de mote à capa da primeira LOUD! desta segunda fase da existência da revista, na histórica edição #131. “Sleepwalk through every damned systemic derivative / Through every curtailed human prerogative / Quarantined, quarantined

09. [29:32]
Doom
Fear Of The Future
(do álbum «War Crimes», 1988)
O medo do futuro destas lendas do punk britânico, como era comum nos anos 80, tinha a ver com a possibilidade de um conflito nuclear, mas o sentimento em relação aos dias de hoje é semelhante. “I don’t wanna live in a world of hate / I wanna live in peace ‘till I’m old & grey

10. [31.05]
Dead Kennedys
Government Flu
(do álbum «Plastic Surgery Disasters», 1982)
Esta “gripe” que o Jello Biafra fala no tema de abertura deste álbum icónico tinha a ver com um cenário em que o governo dos Estados Unidos testava um vírus na sua população através da água, para aferir da sua utilidade como arma contra a União Soviética. “Got a head cold / Got a chest cold / And it’s three days old / Goin’ on forever / Make you hazy / Make you lazy / Drive you crazy / For days and days and days and days and days / And years

11. [34:06]
At The Drive-In
Quarantined
(do álbum «Relationship Of Command», 2000)
Compreendam-me, quando uma banda importante tem um malhão chamado quarentena, é difícil não o usar! Tal como o tema dos Napalm Death, também este tem outro significado, nomeadamente o da sobre-lotação das prisões norte-americanas. Ainda assim, imagens muito fortes. “Sanction this outbreak; a virus conspires / Push become shove, days become months / And I seem to have forgotten the warmth of the sun

12. [39:30]
Therapy?
Isolation
(do álbum «Troublegum», 1994)
Talvez o tema mais emblemático e também mais poético sobre a temática do isolamento, se bem que usar o original dos Joy Division era óbvio demais, e desviava um bocado estilisticamente da linha condutora da playlist. Assim sendo, cá vai esta cover estrondosa dos eternos rockers de Belfast. “Surrendered to self preservation / From others who care for themselves / A blindness that touches perfection / But hurts just like anything else / Isolation

13. [42.41]
Killing Joke
I Am The Virus
(do álbum «Pylon», 2015)
O Jaz Coleman sempre gostou de uma boa teoria da conspiração, e neste tema que foi o primeiro single do álbum de 2015, soa, à luz de hoje, absolutamente, e assustadoramente, profético. “Death misery and tears / Calculated waves of fear / Drawn up by think tanks / There’s a darkness in the west / Oil swilling guzzling corporate / Central banking mind fucking omnipotence / Death misery and tears / I am the fury the spirit of outrage
/ I am the fire I am the virus I am the virus


14. [48.20]
Pitchshifer
Virus
(do álbum «Infotainment?», 1996)
Tema escolhido por razões óbvias, também porque este álbum dos Pitchshifter é um Tesourinho muitas vezes ignorado, e porque a frase central “kill, eat, exploit the weak” nos faz lembrar as imagens que temos visto de alguns supermercados nos últimos dias. “replicate, divide, mutate, survive

15. [52.04]
Converge
Plagues
(do álbum «No Heroes», 2006)
Totalmente auto-descritiva. “Dark days / Greet us / With teeth / With claws

16. [56.46]
Trap Them
Every Walk A Quarantine
(do álbum «Darker Handcraft», 2011)
As letras do Ryan McKenney são um labirinto explosivo e que engloba todos os álbuns dos Trap Them, por isso nem vale a pena começar aqui a dissertar sobre o significado maior deste malhão, porque não temos o dia todo. Just enjoy. “We all stay sick / we all stay fucking sick

17. [59:43]
His Hero Is Gone
Epidemic
(do EP «The Dead Of Night In Eight Movements», 1996)
Que uma banda de crust consiga chegar a este extremo de peso e densidade diz tudo sobre a importância crucial dos His Hero Is Gone. E a mensagem é curta, mas mordaz. “Conquered lands will soon forget / the human cancer that infects

18. [1:02:12]
Kill The Client
Pandemic
(do álbum «Set For Extinction», 2010)
De grind em grind até à vitória final! Um tema que fala do aproveitamento das pandemias e da manipulação que os media exercem às questões. “It’s the state of emergency / But the front door is wide open / Paranoia pandemic profiteers

19. [1:04:20]
Revenge
Diseased Intrusion
(do EP «Deceiver.Diseased.Miasmic», 2018)
Inteiramente dedicada à merda do covid-19, que nos impediu (para já) de irmos finalmente ver os Revenge a mandar Barroselas abaixo no SWR. #fuckcoronavirus #letraséparameninos

20. [1:08:45]
Virus
As Virulent As You
(do álbum «The Black Flux», 2008)
Claro que uma das bandas mais interessantes da última década, e com um nome destes, tinha que fazer parte desta playlist desse lá por onde desse. A letra, que teve ajuda da caneta do Mat “Kvohst” McNerney, é deliciosamente surreal como de costume. “Naked and bare like a knife / My bed is a tomb / I live in your virulent womb

21. [1:14:44]
Arcturus
Hibernation Sickness Complete
(do álbum «Sideshow Symphonies», 2005)
Olha, isso é que era. Hibernar. Irmos dormir, e que alguém nos acorde quando já pudermos abraçar os amigos e ir passear. O problema é se acordamos e continua tudo na mesma, ou pior… “A nightmare released / A terrible disease / Lurking behind a thin wall of sleep

22. [1:19:45]
Those Poor Bastards
The Plague
(do álbum «The Plague», 2008)
Uma praga que infecta a humanidade em quarentena, e que ninguém tem bem a certeza de onde veio. Faz lembrar alguma cena? “A quarantine is in effect / There are not too many left / No one has yet been immune / Mankind will now face its doom / Chaos now descends / Look at how we squirm / We are as enlightened / As the wretched worm

23. [1:22:40]
Wrekmeister Harmonies
The Alone Rush
(do álbum «The Alone Rush», 2018)
Um álbum todo ele pensado e capturado em isolamento social completo, numa altura em que ainda não era obrigatório. E uma paisagem sonora esmagadoramente bela e melancólica para fechar a selvajaria. “Watch the flames grow higher as the days run away behind the hills“.

Vemo-nos por aí, qualquer dia.