RAMMSTEIN: Falámos com o coordenador de produção… o “nosso” Bruno Fernandes [entrevista]

Há portugueses em todos os lados, já se sabe. Até no Texas, mesmo que só de passagem por lá, com os Rammstein. Portugal gosta de amar os seus, lá fora. Por estes dias, muitos foram surpreendidos por uma cara nacional aparecer associada à gigante banda germânica. O canal Fox San Antonio, face a uma actuação da banda na cidade de Alamo, conseguiu uma entrevista técnica, um “behind the scenes”. Antes do concerto, no Alamodome, o jornalista Chuck Miketinac consegue a sua entrevista com o coordenador de produção. Nele fala-se da montagem do concerto, um processo que se pode ver aqui. São cinco minutos, genéricos, mas interessantes, sobre o concerto de mais impacto visual que neste momento rola pelas arenas e estádios de todo o mundo. Acontece que o coordenador de produção é nada menos que Bruno Fernandes. O mesmo Bruno que muitos se habituaram a ver dar a cara pelos grandes The Firstborn, entre outros projectos, que já foi stage manager por cá, em festivais como Vagos e SWR, e que tem uma já longa carreira fora de portas. Primeiro com os Hypocrisy, depois Sabaton, e agora Rammstein, para lá de outras experiências. A sua semelhança com Joakin Brodén, vocalista dos Sabaton, até já o levou a subir ao palco para o substituir. Diga-se que Bruno é um dos muitos técnicos portugueses que todos os anos andam nas estradas a acompanhar grupos. Os Kampfar, por exemplo, fazem questão de ter sempre o seu técnico português na estrada com eles, o Nuno Loureiro, ex-Painstruck, entre outras. A LOUD! recupera agora uma entrevista de 2017, com Bruno Fernandes, onde se pode descobrir mais sobre ele e a sua carreira. Para ler, enquanto se escuta um «The Noble Search» ou «Lions Among Men», excelentes trabalhos dos The Firstborn. Recordem-se sempre que a maior banda do mundo começou por ser uma banda local. Também os maiores técnicos começaram em bandas locais. Apoiem os grupos locais. De lá sai o futuro.

Como chegaste de stage manager nos festivais nacionais a road manager internacional?
Para resumir, foi estar no lugar certo à hora certa. Comecei por voluntarismo e amor à camisola, nos mesmos festivais em que tocava com a minha banda, The Firstborn, e a primeira tournée começou num festival, o Caos Emergente. Uma das bandas que lá actuou trocou uns contactos comigo, algo que acontecia com regularidade nessas ocasiões, mas que nunca esperava que daí viesse alguma coisa. Um tempo depois recebo um e-mail do baixista deles, o Frank Healy, a convidar-me para road manager da tournée deles, que iria começar um mês depois. Nunca tinha ambicionado seguir esse rumo, estava mais tentado seguir o de stage manager, responsável por toda a logística de palco e por fazer cumprir horários. Disse-lhe claramente que estava interessado, mas nunca tinha feito isso. “Não te preocupes, vai ser canja, fácil, divertido,” foi a resposta, e essa tournée foi exactamente o oposto do que ele me disse, e quando terminou jurei que nunca mais faria aquilo na vida. E cá estamos. Essa jura não valeu de muito. Depois disso comecei a trabalhar com Moonspell aqui em Portugal, depois também no estrangeiro, o que me abriu muitas portas e permitiu adquirir experiência e a mostrar serviço, o que levou a que outros artistas me contactassem. Foi a tal bola de neve que me levou a que hoje faça disso não só a carreira, mas também a principal prioridade.

Vamos voltar atrás e focar nesse trabalho de stage manager, em que fizeste festivais como Vagos, no arranque e várias edições de Barroselas, certo?
Sim, com pena minha hoje já não é possível fazê-lo, sobretudo em Barroselas. No ano passado fiz todos os possíveis para lá estar, até porque era a 20.ª edição, mas calha naquela altura em que obrigatoriamente estou na estrada. Nunca lá fui por dinheiro, aliás, nas primeiras edições, nem sequer havia possibilidade, nem eu me sentia bem a cobrar por algo que era uma espécie de aprendizagem, de estágio. Quando comecei a fazer o SWR, os irmãos Veigas decidiram apostar em mim, sem nenhuma prova dada, e ainda hoje lhes estou grato por isso. Resultou que tive jeito para a coisa e na altura imaginei-me a furar para os festivais mais mainstream de Portugal, mas esse meio é muito fechado e é um boys club no qual é difícil de entrar. Nunca tive essa possibilidade. Esses festivais onde colaborava, sempre foi um misto de paixão e profissionalismo no qual também me senti sempre muito em casa. Há sempre um sentimento familiar, em Barroselas, por exemplo, onde há uns anos não tenho ido, mas se conseguir ir, por exemplo na próxima edição, terei ainda esse sentimento de reencontro familiar, não só com os músicos das bandas, ou pessoal da produção, mas com grande parte do público, porque não sendo um festival enorme, ao fim de duas ou três edições já conheces toda a gente e isso sempre foi uma parte integral da experiência, não só para mim como para as bandas. Recordo que muita gente saía de lá com esse sentimento e depois voltava só como convidados, sem sequer vir actuar.

Em Barroselas há um cruzamento com os Hypocrisy que marca um ponto de viragem na tua carreira, correcto?
Sim e não, já conhecia o Peter Tägtgren por termos feito a tournée de Moonspell e Pain, por isso ele já conhecia o meu trabalho, depois o festival foi uma confirmação. Não foi caso único, ainda hoje encontro muita gente na estrada que conheci nos festivais e, sobretudo, do tempo em que trabalhei numa sala daqui da zona da grande Lisboa, onde fiz uma temporada de quase dois anos, onde fui responsável de produção. Nem sei bem como lhe chamar, pois éramos uma equipa tão reduzida que toda a gente tinha de fazer de tudo um pouco. Mas como dizia, ainda hoje acontece muito encontrar as pessoas, porque, a bem dizer, esta comunidade de saltimbancos não é assim tão grande quanto isso e acabam sempre por ser as mesmas pessoas que vês regularmente e equipas técnicas que conheci nos festivais, são em grande parte, os mesmos e já aconteceu até, trabalhar com eles directamente. Não é um meio tão vasto quanto isso, porque não é para todos, não é um estilo de vida, como dizem as pessoas, que permita viveres mais de dois ou três anos, se não tiveres de facto aquela paixão e bichinho. Acabas sempre por ver as mesmas pessoas e mesmas caras.

Essa incapacidade de sobreviver a esse tipo de vida, decorre de ser uma actividade que mexe com a vida pessoal de cada, a organização dela, relações, por aí fora. Vives numa cápsula um par de meses.
No meu caso pessoal não é fácil, seja em relações pessoais, ou amizades. Não é fácil porque não só estás muito tempo fora como quando regressas, a última coisa que te apetece é estares com pessoas, falar… e depois quando sais e vais jantar com amigos, perguntam o que tens feito e as tuas histórias são um bocadinho mais interessantes que dos outros, mas isso acaba por perder a graça muito rápido. Falo por mim, claro, não me sinto o género de pessoa que se gaba do que faz, não é de todo o meu estilo. Se estás à mesa com quatro ou cinco pessoas e puxam o assunto, as tuas histórias da estrada são um bocadinho menos aborrecidas, e isso embora possa fazer que pareças uma pessoa muito fascinante, passa muito rápido. Nem sempre queres ser o foco das atenções, o que é difícil quando o teu emprego envolve o que muitas pessoas sonham, ou julgam sonhar.

O circuito de que falamos tem muito poucos portugueses, sendo mais preenchido pelo pessoal da Europa central.
Há alguns, quase todos, se não todos, da escola de Moonspell, que de facto tem feito muito por muita gente, e vice-versa, falando por mim. Há, contando pelo dedos, o técnico de guitarra dos In Flames, o Jorge Pina que trabalha com Moonspell e faz Dark Tranquility, por exemplo, o Nuno Torres, técnico de guitarra, também deles e que faz não sei quantas bandas hoje em dia, o Adriano… não há muitos, quase todos técnicos de guitarra, não sei porquê, se calhar por causa da guitarra portuguesa e do fado. Fazemos sempre uma festa quando nos cruzamos nos festivais, lá estamos a falar muito alto, naquela língua que ninguém percebe nada e a malta deduz que somos portugueses.

Retomando Hypocrisy, foste quase um stage manager do Peter, já que operaste com vários grupos dele.
O Peter é uma pessoa com que simpatizo muito, um daqueles casos em que conhecer os teus heróis de adolescência não se tornou uma desilusão, antes pelo contrário. Uma pessoa com coração de ouro e ainda hoje, se trabalho com Sabaton, foi um pouco através do Peter, já que ele produz os discos deles. Comecei a trabalhar com Hypocrisy, depois ele trabalha sempre de forma alternada e quando terminou o ciclo de Hypocrisy, começou a preparar o que seria um disco de Pain e que terminou a resultar naquele disco com o Till Lindemann de Rammstein. Se as coisas tivessem decorrido com normalidade, teria tido o habitual ciclo de concertos, que não ocorreram por razões que não conheço totalmente, nem me compete aqui discutir. Ele é alguém que acaba depois por te dar muito trabalho, pois se os projectos dele não são bandas de grande cartaz, acabam a ter sempre algum culto e terem pessoas com interesse. Com o Peter desenvolveu-se uma relação de amizade e ainda recentemente quando estive na Suécia em trabalho, acabei por o ir visitar e isso faz muita diferença.

Já tocaste no tema Sabaton, que apanhaste em plena ascensão.
Das experiências mais aterradoras da minha vida, foi a primeira tournée que fiz com Sabaton, que hoje em dia, olhando para trás, até foi das coisas mais pequenas que eles fizeram. De repente estás a falar de um produção que envolve camiões e toda uma logística com que nunca tinha trabalhado. Com Moonspell em Portugal, já era um nível que se equiparava, mas mais visual, não em termos de tournée. Na altura estava a sentir a minha carreira a estagnar um bocadinho, não no mau sentido, mas tinha atingido um determinado patamar e já quase que sabia o que tinha de saber e de repente tive de aprender imensas coisas novas, em termos de logística e de estrutura. Adaptar-me a uma organização já com a sua experiência e seus métodos. Antes fazia as coisas à minha maneira e ali tive de fazer o inverso, o que também foi positivo, pois nem sempre fazemos as coisas tão bem como julgámos. Tem sido uma experiência muito enriquecedora, tenho crescido com a banda e eles não aparentam estar a parar de crescer, o que é óptimo para eles. De Setembro de 2016 a 2017, estive cerca de cinco, seis semanas, fora na estrada, o que torna complicado manter uma vida paralela a nível pessoal. Por outro lado não só me permitiu crescer como profissional, como adquirir uma independência financeira, que neste meio é complicado, pois nunca sabemos muito bem o que vai acontecer no futuro. Agora posso dar-me ao luxo de estar dois ou três meses em casa, sem ter de me preocupar com isso. É tudo muito aliciante, mas se acontece alguma coisa, um acidente de trabalho, ou o que for, se ficar impossibilitado de trabalhar, não há segurança social que me valha, não há subsídios, a não ser o dinheiro que for amealhando enquanto estou a trabalhar. Além disso, podem acontecer imprevistos, recordo-me de há um par de anos, uma tournée que estava pronta para arrancar, toda confirmada e nem um mês antes de acontecer foi cancelada, porque houve um problema familiar com um dos artistas e ele decidiu que não ia mais para a estrada. São coisas que podem acontecer. Mesmo a meio de uma tournée pode acontecer uma situação que faça com que fique tudo cancelado e adiado. Essa situação, a nível pessoal, não é muito atraente e acaba a haver pessoal que gosta de fazer isto mas prefere um pouco mais de estabilidade profissional, isso é difícil.

Colocando um tom mais colorido nisto tudo, quem te conhece pessoalmente, sabe da tua semelhança física com o vocalista dos Sabaton, Joakim Brodén, isto deve ter dado origem a boas histórias. Já chegaste a uma venue em que te confundissem muitas vezes com ele?
Muitas vezes. Ainda hoje acontece. Ainda agora estive no Japão e aconteceu, perguntavam se não era ele, se era irmão; se não era irmão, se me tinha contratado por ser parecido com ele. Já me tinha cruzado com eles num festival, na Alemanha, em que estava a trabalhar e eles foram lá actuar, e na altura ficamos a olhar um para o outro, assim “what the fuck?”. Na primeira tournée que fiz com ele, caí na parvoíce de deixar crescer a barba tal como ele a tinha, ao fim de três semanas, chegamos à Península Ibérica e toda a gente vinha ter comigo, tinha de mostrar o passaporte a provar que não era ele, mesmo assim, pessoas muito indignadas a dizer “se não queres, não dês o autógrafo, escusas de mentir”. Nessa tournée, lembro-me de no penúltimo espectáculo, em Lausanne, na Suíça, depois do concerto saí para fumar um cigarro e estavam uns miúdos à espera que saíssem, o normal. Estou a falar da Suíça, em Dezembro, a chover, nada agradável, e vieram ter comigo para pedir as fotos, lá expliquei que não era o Joakim e alguns minutos depois, quase a voltar para dentro, um dos miúdos vem ter comigo e “olha desculpa, sei que não és ele, mas podes tirar a foto comigo na mesma? Está frio e já é muito tarde, com a luz assim, até passas por ele.” No dia seguinte, última data, vesti-me como ele e no encore subi ao palco e ele ficou a cantar nos bastidores, andei a correr a fazer playback e depois entrou em palco. Ficou tudo sem perceber como aquilo tinha acontecido. Depois dessa tournée, decidimos que isso nunca mais ia acontecer, principalmente para não acharem que era ele com desculpas para não dar autógrafos. Pouco tempo depois conheci os pais do Joakim, e o pai dele, uma pessoa muito engraçada, tinha viajado muito nos anos 70/80, e a conversa foi logo “peraí, em que ano nasceste? Onde?” É muito curioso que tenha acabado por trabalhar com eles.