Orange Goblin

SONICBLAST @ Praia da Duna do Caldeirão, Âncora | Dia 3 – 13.08.22 [reportagem]

Praia da Duna do Caldeirão, Âncora, concelho de Caminha, distrito de Viana do Castelo. É esta aquela que se espera seja a morada por muitos anos de um festival que começou por ser conhecido pela sua piscina e, este ano, cresceu para ter um oceano aos seus pés. Se antes a praia era uma realidade ainda algo distante, hoje é o local onde o evento se realiza, com o mar ali a escassas dezenas de metros e onde se pode escutar a música que sai dos dois palcos, montados lado a lado. Foiprecisamente no regresso da praia que a LOUD! encontrou aquela que deve ter sido a festivaleira que mais quilómetros viajou. Vinda da Nova Zelândia, conheceu o SONICBLAST em 2019; regressou este ano, fazendo a viagem de propósito. As mais de cinco mil pessoas presentes em cada dia tornaram-no agora bastante maior que outros congéneres. O cartaz reúne nomes que permitem o reconhecimento internacional e uma assistência em que o público nacional é uma minoria. Certamente que há arestas a limar, em particular o eterno problema dos WCs, mas a mudança de local acabou a ser uma aposta ganha, um claro exemplo de como transformar uma fraqueza numa força. Infelizmente, num festival em que muito correu bem, o último dia acabou a ser o mais afectado por cancelamentos, com os MYTHIC SUNSHIP a serem substituídos pelos DEATHCHANT e os EL ALTAR DEL HOLOCAUSTO a cancelaram a sua presença no próprio dia, impedindo a sua substituição. As muitas horas de música fizeram-se notar, claro. Os festivaleiros descobriram os vários caminhos para a vila e também para o mar – e foi notório como o passar dos dias foi registando mais movimento na envolvente do espaço.

Actuando muito cedo, para quem vinha de Berlin, os SAMAVAYO passaram ao lado de muitos, tal era a ausência de público. Já os THE BLACK WIZARDS, esses fazem parte da família SONICBLAST. O, agora, trio tocou cedo, mas certamente terá direito, numa próxima edição, a estar presente no palco principal em horário mais consentâneo. Provavelmente são a banda nacional que mais vezes tocou no evento e ambos cresceram juntos, diga-se. O rock psicadélico dos britânicos PSYCHLONA já teve direito a mais assistência, o mesmo acontecendo com a sempre eléctricas BALA. O duo galego, agora na Century Media, tem vindo a tocar regularmente em Portugal, mas Anxela Baltar e Violeta Mosquera ainda são demasiado desconhecidas por cá, face à qualidade que revelam. Com um alinhamento de raiva e energia, assente no seu mais recente disco, «Maleza», percebeu-se que o seu grunge misturado com stoner tinha mais compatriotas a ver que portugueses. Um grito pela independência galega, quase no final, teve a anuência de ambas; afinal a Galiza, mora a escassos quilómetros acima do festival. Talvez nunca se saiba realmente a importância da Cordilheira do Atlas para a história do rock. O certo é que Page e Plant regressam recorrentemente à área. Foi Page que ajudou a revelar os TINARIWEN. Estes, por sua vez, abriram a porta a outros artistas e, assim, no último dia do SONICBLAST pôde receber Mahamadou Souleymane – ou melhor, MDOU MOCTAR. O músico e restantes acompanhantes foram uma agradável surpresa num recinto já quase esgotado. A empatia criada entre o quarteto e a assistência permitiu áté que, no último tema, todos entoassem o refrão, mesmo sem perceberem o seu significado. O mosh surgiu espontaneamente e tudo resultou da melhor forma, num dos momentos altos desta edição. O rock dos tuaregues continua a revelar bons momentos e artistas.

Directamente de New Jersey, subiram ao palco Chris Kosnik, Bob Pantella e Garrett Sweeny. Três quintos dos Monster Magnet, que formam os THE ATOMIC BITCHWAX. Foi um regresso ao cartaz do festival, enquanto Dave Wyndorf não se mete a caminho. Arrancando com «Frankenstein», original do The Edgar Winter Group, o trio deu um bom concerto de hard rock, pesado e com Kosnik bastante comunicativo, a contar piadas, embora acabando a repetir muito dos gimmicks usados em anteriores presenças. Ficou a saber-se que «Giant» é a malha favorita de Pantella, enquanto Kosnik prefere «Birth To The Earth». Os PENTAGRAM eram, muito provavelmente, a banda mais esperada do dia, praticamente tratados como cabeças-de- cartaz e com as laterais do palco ocupadas por toda uma plateia de outros músicos a verem a actuação. Apesar das cinco décadas já passadas desde que Bobby Liebling e Geof O’Keefe resolveram iniciar o grupo, não são assim tantas as obras editadas, por isso é fácil, para o carismático Liebling, visitar um pouco de tudo, entre esgares cómicos e uma atitude irreverente, muitas vezes a lembrar Ozzy, na forma como se perde em palco. Arrancando com «Run My Course»,do primeiro LP, continuaram a actuação através de temas como «The Ghoul», «Sign Of The Wolf», ambos do LP de 93, ou uma «Last Days Here» apresentada de forma quase dramática por Liebling, elogiando os presentes por poderem assistir a uma das suas últimas actuações. Um concerto muito bom, que terminou com o frontman nas grades, a dar autógrafos e a fazer selfies com os presentes. Entretanto, os 1000MODS regressavam ao festival, no Palco 2. Os stoners gregos são hoje um grupo mais musical e com um pé bem firme no pós-rock e foi interessante ver como evoluíram desde a sua primeira presença no SONICBLAST. Mais musicais e unidos, acabaram a ser uma surpresa. Houve, no entanto, um episódio estranho quase no início do concerto, com uma invasão de palco por uma fã, que, por momentos, fez pensar ser algo ensaiado, pois nesse exacto as luzes foram abaixo. A presença da segurança, arrancando a personagem envolta numa toalha de praia, mostrou o contrário.

Os MY SLEEPING KARMA foram mais um dos nomes a repetir presença no cartaz; aliás, três quartos do cartaz deste dia eram repetições. Os fãs eram inúmeros, e muitos dançaram ao som do pós-rock dos germânicos. Totalmente instrumentais, baixista e guitarrista ensaiavam quase sempre a mesma evolução em palco, aproximando-se no decorrer de cada tema. Talvez pelo adiantado da hora, tudo acabou por soar um pouco monótono, mais não fosse pela repetição. Música envolvente, mas em circuito fechado. Apesar disso, tiveram das maiores recepções da noite. De seguida, foi a terceira vez, em dez edições, que os britânicos ORANGE GOBLIN encabeçaram o festival. Verdade seja dita, como nas duas ocasiões anteriores, foram uma vez mais fantásticos e Ben Ward mostrou-se massivo em palco. O novo baixista, Harry Armstrong, esteve à altura da banda, que arrancou com «Scorpionica», seguiu para «Sons Of Salem», visitou «Made Of Rats» e «The Filthy & The Few» e dedicou «Renegade» a Lemmy. O único problema, se é que há realmente um problema, reside no facto de que o público viu praticamente o mesmo concerto que da última vez. Grandes malhas, luz perfeita, energia imparável e um dos nomes maiores do heavy britânico deste século. Apenas, em bom português… “arroz”. O êxodo que se sucedeu foi massivo, e Dave “Dixie” Collins não o merecia. Muito menos Dave “Shep” Shepherd, que tem de aturar “Dixie”. De qualquer forma, também é isso que faz as bandas de culto e a garrafa de Jack Daniels era apenas uma. Sinal da relevância dos WEEDEATER foi a presença, no canto do palco, de alguns membros dos Orange Goblin, com as malas na mão, a assistirem a um concerto que muitas vezes parece desgovernado face à irreverência de “Dixie”, mais genuína e menos pantominesca que a de Bobby Liebling. Os autores de «Jason… The Dragon» deram um concerto muito bom. O som do baixo estava monstruoso, só perdendo, no festival, para o de Nick Oliveri. O alucinado “Dixie” despediu-se do público a meio do concerto, mas acabou até a fazer uma actuação mais longa que o previsto nos horários. Memorável! A actuação dos norte-americanos acabou por atrasar a celebração dos MR. MIYAGI em palco, cujo objectivo passava pela homenagem a Jaime San, mas o caos foi gerado logo ao primeiro tema, com Ciso San a desafiar o público separado por barreiras, a única vez que o Palco 3 esteve desta forma. Em palco, também o caos se notava pelos desacertos. “Isto é Mr. Miyagi!”, justificava Ciso. E em caos terminou um dos festivais de rock mais descontraídos do nosso território. Um festival cada vez maior, que não tem rock no nome, mas tem, bastante rock no cartaz. Um festival que é já um sério caso naquilo que se faz por cá, no que aos nomes mais pesados diz respeito.