TARJA: Sem filtros [entrevista EXCLUSIVA]

Quando se pensa numa cantora lírica soprano associada ao heavy metal, não há como contornar a realidade de que o primeiro nome que vem à cabeça é, inevitavelmente, o de TARJA. Ao longo de uma carreira que dura há mais de duas décadas, Tarja Soile Susanna Turunen Cabuli conseguiu alcançar o impensável e unir de forma inteligente dois universos que, à primeira vista, pareciam estar em polos diametralmente opostos. Depois de, entre 1996 e 2005, se ter tornado famosa internacionalmente como voz e cara dos aplaudidos Nightwish, a cantora decidiu iniciar uma carreira a solo e, apoiada num estilo próprio que se apoia num registo tão poderoso quanto doce, criou uma conexão emocional com os seus ouvintes que transcende quaisquer linguagens ou estilos musicais. E que se transformou num fenómeno de massas. Hoje em dia é a cantora mais popular do seu país – tendo sido eleita “a voz da Finlândia” pela presidente Tarja Halonen – e, como solista da Ópera Nacional Finlandesa, a cantar numa igreja ou a captar a atenção de uns bons milhares de apreciadores de rock/metal sinfónico em arenas pelo mundo, continua a crescer a olhos vistos.

Alguma vez imaginaste que podias ser tão bem sucedida quanto te separaste dos Nightwish e começaste a tua carreira a solo?
É óbvio que tinha os meus desejos e sonhos em relação ao que poderia acontecer, mas era impossível saber como as pessoas iam reagir à minha música depois de ter estado na enorme banda que são os Nightwish. Sei que é suspeito falar de mim, até acaba por ser um bocado embaraçoso dizer isto, mas… Sempre fui uma rapariga muito trabalhadora. E sempre acreditei que, na vida, e na música, não podemos ficar sentados em casa à espera que alguém nos venha bater à porta com uma oferta – isso só vai acontecer, se acontecer, depois de termos trabalhado bastante e provarmos que fomos dignos de confiança. Tendo isso em mente, estava preparada desde o início para batalhar tanto quanto fosse preciso para atingir os meus objectivos. É isso que tenho feito, penso que tenho trabalhado, que tenho dado tudo à minha música. Seja em estúdio ou ao vivo, quero dar sempre 100% de mim. Acho que isso faz parte da minha personalidade, faz parte de quem sou.

Como é que isso se traduz no teu dia-a-dia?
Treino imenso para ser uma cantora melhor, todos os dias tento ser uma mãe melhor… No final, é algo que se reflecte em tudo o que faço na vida. É importante sentir-me realizada, saber que posso evoluir um pouco mais. Isso são pequenos sucessos, mas que contribuem imenso para me sentir bem comigo mesma. É engraçado, porque estes sucessos pessoais, estas pequenas coisas que me mostram que posso tornar-me um ser humano melhor, são mais importantes que aqueles sucessos que as pessoas podem ver e a que, cada vez mais, parecem prestar atenção, como as vendas – seja de discos ou dos bilhetes. Isso são coisas periféricas, sobretudo numa altura em que tenho o privilégio de acordar feliz todos os dias. Se me sentir feliz com a minha vida, sei que estou a ser bem sucedida.

Teres sido mãe teve um impacto forte na tua personalidade?
Sim, sem dúvida – teve, a todos os níveis, um impacto muito forte na minha vida. E ela é uma parte cada vez mais importante do meu sucesso. Quando vejo a minha filha a sair-se bem na escola, a tocar piano ou nas aulas de judo, que faz duas vezes por semana, não tenho como não me sentir feliz ao vê-la feliz por estar a ser bem sucedida. Não vou negar que, como cantora, é muito, mesmo muito, bom actuar perante milhares de pessoas que estão ali para me ver e ouvir, que são meus fãs e que são pessoas fantásticas… Tudo isso faz também parte integrante da minha vida, claro; é algo bonito e que valorizo imenso. No entanto, há coisas a acontecerem, que não têm necessariamente a ver com a voz ou com a minha carreira, mas que me fazem sentir realizada.

Muita gente acha que música e família são universos separados. Suponho que não te identifiques com essa linha de pensamento, correcto?
Não me identifico com essa ideia, não. Para mim são duas coisas que estão intimamente relacionadas – e não há como negá-lo, porque o meu marido é também o meu manager. É lógico que, às vezes, é desafiante porque não temos um horário de escritório, das nove às cinco, mas por outro aproxima-nos ainda mais, porque partilhamos o trabalho entre os dois… Enquanto temos o prazer de ver a nossa miúda a correr de um lado para o outro aqui em casa. E, claro, ser mãe e artista é outro desafio por si só, mas acho que ela já se habituou ao facto de ter uns pais “estranhos”, por isso está tudo bem.

Mencionaste que ela toca piano, por isso assumo que se interesse por música.
Sim, foi ela que pediu para ter lições de piano – eu jamais a iria forçar a fazer o que quer que fosse. Se calhar tive, no entanto, algo a ver com isso, porque a levei pela primeira vez em digressão quando tinha só cinco meses. Depois, até ir finalmente para a escola, andou sempre comigo, estava presente nos ensaios, nos estúdios e nos quartos de hotel quando estávamos na estrada. Correu o mundo todo e viu tanta coisa que, se calhar, apanhou o “bichinho” por causa disso. É perfeitamente normal que uma criança absorva o que está à sua volta e ela é muito desportiva e artística, adora pintar, cantar e tocar piano. Gosto de pensar que essas experiências que lhe temos proporcionado podem direccioná-la no bom caminho. Ela já prefere ir a um concerto do que ter roupas caras, por exemplo; o que me dá uma certa satisfação.

Mais crianças deviam ter uma educação assim.
Pois, se calhar deviam. [risos] Não há assim tanto a aprender com um par de jeans super caros ou com uns ténis de marca.

E a tua filha, tem orgulho no que fazes?
Acredito que sim. Está sempre a dizer a toda a gente que a mãe é uma grande roqueira! E eu morro de vergonha, claro. Humilha-me em público, não tem vergonha nenhuma. [risos] É engraçado porque é uma miúda super crítica, quando se trata de música já sabe o que lhe soa melhor e diz-me logo. Nos últimos meses tenho andado a trabalhar os temas para o próximo álbum. Basicamente são esqueletos das canções, com bateria, guitarra e baixo, que ouço no carro enquanto ando de um lado para outro. Já aconteceu estar sentada no banco de trás, começar a cantarolar espontaneamente uma melodia qualquer e percebo logo que pode ser uma alternativa ao que eu tinha em mente fazer. Portanto, ela é muito talentosa e essa sinergia acaba por ser interessante, porque me dá outra perspectiva, bem mais inocente, dos temas.

«In The Raw», o mais recente registo de estúdio de TARJA, foi editado a 30 de Agosto de 2019 pela earMUSIC. A vocalista finlandesa actua já amanhã, Sábado, dia 7 de Março, na Sala Tejo da Altice Arena, em Lisboa.