TEMPESTADE TROPICAL: Clássico zine brasileiro, «United Forces» ganha livro especial

No final de 1986, em meio à efervescência da ainda nascente cena metal brasileira, era lançada em São Paulo a primeira edição do zine «United Forces». Ao longo de cinco anos e nove edições, a publicação independente ajudou a contar a história do underground nacional e internacional, por meio de reportagens e entrevistas essenciais com nomes como Carcass, Darkthrone, Sarcófago, Sextrash e Mystifier, entre muitos outros.

Cerca de três décadas depois, o agora clássico zine ganha uma homenagem mais do que merecida na forma de um livro. Intitulada «United Forces – Revirando Arquivos: 1986 – 1991», a nova obra de 320 páginas reúne reproduções de todas as edições da publicação, que ganham o apoio de materiais inéditos e memórias/comentários do seu autor, Marcelo R. Batista, que também é dono da loja Extreme Noise Discos, em São Paulo, e foi vocalista da seminal banda brasileira de grindcore Rot.

Na entrevista abaixo, Marcelo explica como teve a ideia de fazer o livro e como foi o processo de produção, destaca a evolução do zine ao longo dos anos e aponta quais shows mais lhe marcaram naquela época, entre muitas outras coisas.

LOUD!: Em primeiro lugar, queria saber como surgiu a ideia de transformar o zine em um livro? E qual foi o maior desafio no processo – chegou a buscar referências em outras obras no mesmo estilo (como «Sub Pop», «Touch and Go» e «Metalion – The Slayer Mag Diaries»)?

Marcelo: Quando a ideia do livro surgiu, queria fazer algo que pudesse dar ao leitor uma noção clara de como eram as coisas há três décadas atrás. Tive acesso a publicações que coletaram e reproduziram o conteúdo de fanzines antigos porém, sem contextualizar ou dar mais informações ao leitor. Definitivamente, não era o que eu gostaria de fazer com um livro sobre o «United Forces». Comentando com alguns amigos sobre o meu projeto, consegui uma cópia emprestada do «Metalion – The Slayer Mag Diaries» e gostei muito. Ele serviu sim como referência, mais no sentido de me indicar que o que eu havia começado a fazer era bacana. Os textos que escrevi eram um misto de diário do fanzine com um pouco da minha vida pessoal. Não consegui fazer isso de forma separada e depois de ler e reler várias vezes, achei que aquilo funcionava bem e que os textos estavam bem interessantes e explicativos.

Qual foi o sentimento ao revisitar esse material histórico após anos e anos? Na época, você tinha ideia da importância do material que estava produzindo?

Olha, essa resposta pode ser tanto sim quanto não. Acho que pouquíssimas pessoas têm uma noção de importância de alguma coisa no momento que estão fazendo aquilo. Por outro lado, mesmo que de forma inconsciente ou por alguma outra motivação, eu tive essa noção por preservar esse material todo de forma organizada ao longo desses anos. Revirar esses arquivos foi uma experiência e tanto, por várias vezes tive momentos de grande alegria. Encontrei e relembrei de coisas que estavam guardadas em algum canto do cérebro e que vieram à tona novamente. Fotos, negativos, cartazes, entrevistas, flyers, desenhos e anotações pessoais. Tudo isso serviu de base para o livro.

Aliás, como vê a evolução do United Forces ao longo dos anos em que existiu – a publicação era bastante simples no início e na segunda metade da vida tornou-se bastante refinada, trazendo entrevistas com muitas bandas importantes do Brasil e do exterior?

Sim, no começo era tudo muito básico e simples. Reproduzir uma biografia, uma letra de alguma música ou escrever sobre determinado disco já bastava. Com o tempo, surgiu a necessidade de buscar algo mais e de trazer uma informação que não existia nas revistas especializadas da época. Daí surgiram as entrevistas e também a divulgação de bandas extremamente undergrounds que tinham pouco ou zero espaço. Muitas bandas que apareceram no «United Forces» em seus estágios iniciais, tornaram-se conhecidas mundialmente – um dos melhores exemplos é o Darkthrone. O aspecto visual também evoluiu bastante. As primeiras cinco edições eram retas e depois o fanzine foi ganhando uma diagramação mais elaborada e isso me permitiu colocar cada mais informação.

E quais os pontos mais marcantes para você no zine – você entrevistou nomes como Carcass e Mystifier, apenas para citar alguns?

Acho que ter vivenciado e registrado tudo isso, mesmo que de maneira amadora e adolescente, é um dos pontos mais marcantes do fanzine. Essas entrevistas com o Carcass e Mystifier assim como outras com Sarcófago, Blood, Mutilator, Genocídio, Antítese, Atack Epiléptico, Darkthrone ou Ação Direta, têm uma importância histórica a nível underground e para quem busca conhecer como as coisas aconteciam de maneira frenética mesmo sem a internet.

No livro, você fala sobre como foi o show do Venom/Exciter, em 1986, um marco para a música extrema no Brasil, além de como acabou conhecendo o Kiss em 1983, em meio à divulgação sobre os shows da banda no país. Na sua opinião, qual foi a importância do Rock in Rio 1, em 1985, para a popularização e aceitação, digamos, do metal no país? Aliás, chegou a ir ao festival?

Não fui ao festival pois era bem novo e, além disso, não trabalhava e não tinha dinheiro pra nada. Mas sim, o festival teve grande importância no sentido que abriu as portas a novas informações. As gravadoras começaram a lançar cada vez mais discos de bandas de heavy metal e isso popularizou e difundiu muito o estilo por aqui. Também ajudou um bocado na vida de muitos garotos que, assim como eu, sofriam bastante nas escolas e nos bairros periféricos, onde não era raro você ser maltratado por curtir rock. Quando as imagens do festival começaram a aparecer na televisão, houve muito alvoroço e, mesmo que alguns comentários eram pejorativos e ridicularizavam a galera que aparecia nos noticiários, isso gerava um certo envolvimento e curiosidade para quem estava de fora. No livro cito uma frase de um amigo que julgo refletir bem esse momento: “O Rock in Rio foi ótimo. Na minha quebrada, quando me viam, me chamavam de John Lennon. Agora, quando eu passo, gritam Ozzy ou Iron Maiden”.

Quais outros shows/eventos tiveram importância parecida para você na época, entre meio de 1980/início de 1990, enquanto o país estava no processo de retomada da democracia?

Cara, os shows que vi na Praça do Rock, no Parque da Aclimação, em São Paulo. Não me recordo de nenhuma banda, mas foram marcantes para mim. Depois teve outro com Genocídio, Megatério e Brutal, no bairro do Bixiga, em 1986. O Megatério e o Genocídio estavam estreando ao vivo e isso foi um evento fantástico pra mim, tanto quanto ter visto Mutilator, DETH e Witchhammer, em Belo Horizonte, em 1987. Outros shows que marcaram foram Nuclear Assault e Sepultura, em 1989. O World`s Thrash Festival com Ratos de Porão, WCHC, Anthares, Sepultura e Attomica, em 1988. Também em 1988 o show de lançamento do Schizophrenia (1987), do Sepultura, realizado no Teatro Mambembe em São Paulo. Morbid Angel, no Dama Xoc, São Paulo, 1991.

Como estamos em um veículo de Portugal, como as pessoas que vivem no país podem comprar o livro?

Poxa, infelizmente o livro não possuí distribuidor em Portugal. Desta forma, a melhor maneira de comprá-lo é entrando em contato diretamente através pelo site: www.extremenoisediscos.com.br ou pelo perfil @unitedforceszine (no Instagram).

E com a boa recepção ao livro, há planos de fazer uma versão em inglês para o mercado internacional?

Por hora apenas planos, mas seria ótimo ter uma versão dele em inglês. Tenho muito material que ficou de fora e que poderia ser incluído numa nova edição. O negócio é aguardar.