TEMPESTADE TROPICAL: Com novo disco, Pesta consolida doom metal brasileiro [entrevista]

[Foto: Iana Rodrigues]

Certamente uma das cidades mais emblemáticas do mundo quando o assunto é heavy metal, Belo Horizonte sempre foi conhecida por bandas que praticavam um som mais rápido e ligado ao thrash, black e death metal, casos de SEPULTURA, SARCÓFAGO, CHAKAL, SEXTRASH, MUTILATOR e OVERDOSE, todas surgidas nos anos 1980 — e cujos primeiros trabalhos foram lançados pela lendária Cogumelo Records. Mais recentemente, a partir dos anos 2000, essa história vem mudando, uma vez que a capital de Minas Gerais também passou a contar com nomes como o CARATHER, cujo som mistura com sucesso hardcore e diversos subgêneros do metal, e o Pesta, que pratica um doom metal clássico de altíssimo nível, com fortes ecos dos pais de tudo, o BLACK SABBATH. No último mês de março, o PESTA, que está na estrada há cerca de cinco anos, lançou o seu segundo disco, «Faith Bathed In Blood» (2019), que consolida a banda como um dos principais nomes do gênero no país atualmente, ao lado de outros nomes recentes como Jupiterian, Abismo e Son of a Witch – que também lançou um ótimo disco recentemente e sobre o qual falaremos em breve aqui na coluna.

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Na entrevista abaixo, o quinteto fala, obviamente, sobre o álbum em questão, que mostra uma evolução visível em relação ao seu já ótimo trabalho de estreia, Bring Out Your Dead (2016), a proximidade com artistas de diferentes épocas da cena metal de Belo Horizonte, as suas principais influências musicais e os discos que mudaram as suas vidas, entre muitas outras coisas. 

Vocês lançaram recentemente o segundo full, «Faith Bathed In Blood», que traz a banda em uma evolução natural em relação aos trabalhos anteriores, talvez abrindo um pouco mais de espaço para mais influências e melodias, e com um pouco menos de distorção no geral, mas nem por isso com menos peso, já que as guitarras estão bastante entrosadas. Concordam com isso? E como foi o processo de composição e produção desse disco novo em relação ao primeiro full e ao EP? O último trabalho tinha saído em 2016.
Na verdade não pensamos em nada disso quando começamos a compor, em ser um álbum mais ou menos pesado, só seguimos um caminho natural do que sentíamos pra essas músicas. Nosso primeiro álbum (Bring out your dead) deu muito certo e é de fato um álbum muito pesado, mas se ficássemos presos nestes elementos que acertamos faríamos uma cópia de nós mesmos e não continuaríamos seguindo nosso próprio caminho, então as composições foram só tomando forma. Quando começamos a mixar o álbum percebemos mais claramente que tínhamos um álbum mais denso e escuro, acho que isso é o que dá pra perceber ao se ouvir o Faith Bathed in Blood, é um álbum mais “climão”, sangrento.

Agora que o disco já foi lançado há alguns meses, o que acharam do “produto final”? E como tem sido a recepção do álbum? 
Estamos satisfeitos com o produto final e com a recepção do álbum, logo na sequência do lançamento começamos a receber retornos bem positivos da mídia especializada e de pessoas que nunca imaginaríamos que conheciam a Pesta. Os shows que fizemos até agora todos muito cheios e é de fato sensacional ver quanta gente conhece essas músicas e anda com camisas da Pesta por aí! Acho que esse último álbum está cumprindo bem o seu papel de levar a Pesta a subir mais alguns degraus dentro da música pesada no Brasil e Exterior.

Ainda sobre o álbum novo, ele é o primeiro da banda a trazer uma capa colorida, já que o primeiro full e o EP eram em P&B. Por que essa decisão de mudar agora? E quem fez a arte?
Nos primeiros trabalhos, utilizamos algumas obras de arte antigas (Kittelsen e Sabatelli) que, quando batemos os olhos nelas, pensamos: é isso! São trabalhos incríveis e “casavam” perfeitamente com a sonoridade e as letras da Pesta. Para o novo álbum, tomamos uma decisão de, pela primeira vez, contratar um artista para fazer uma capa original. Em algum momento da produção do disco conhecemos o Ars Moriendee, que é de BH e que já havia feito vários trabalhos (capas de discos e cartazes de shows) que nós curtimos demais – um exemplo é o Thrones in the Sky do Son of a Witch. Trocamos algumas ideias gerais sobre a temática do álbum e demos a maior liberdade possível para ele criar a sua arte (até a questão do colorido ou preto & branco, decidimos não opinar). E, no final, ficamos extremamente satisfeito com o resultado final. Ele é um cara muito talentoso. 

Além da capa, que é bastante bonita, também chama a atenção o título do disco, que pode ser traduzido como “Fé Banhada em Sangue”. Há um tema central nas letras do álbum? E há alguma influência especial para escrever sobre isso pelo fato de viverem em um estado bastante religioso como Minas Gerais?
Sim, uma temática geral que relaciona as letras das músicas são rituais religiosos que envolvem o derramamento de sangue ou alguma forma de violência. Todas as letras do álbum, mais uma vez, foram escritas pelo Anderson Vaca – os outros membros da banda só dão umas sugestões de tema mesmo hahaha. Sinceramente, não entendo que haja uma relação muito direta da religiosidade da “tradicional família mineira” com as motivações que levaram a essa escolha de temas. O interesse pela história das religiões – seus mitos e rituais – está presente nas letras da Pesta desde os primórdios da banda. E em vários sistemas religiosos, como alguns autores como René Girard observaram, existe a presença de rituais que carregam uma carga de violência simbólica ou mesmo física – sacrifícios, eliminação de “bodes expiatórios” etc. Então, falando um pouquinho do “Faith Bathed in blood”, essa discussão aparece no sacrifício de crianças a Molloch, nos rituais antropofágicos de algumas tribos ou na psicopatia de alguns serial killers que se entendem como “ferramentas” de Deus para eliminar os “pecadores”. Também há referências à literatura e ficção, como a invocação de Chtullu (Lovecraft) ou a “oração” de Conan ao deus Crom.

Aproveitando que falei de Minas Gerais. Vocês são de Belo Horizonte, capital do estado e praticamente a “capital brasileira do metal”. Apesar disso, a cidade sempre foi mais conhecida pelas bandas rápidas e com vocais guturais, como Sepultura, Sarcófago, Mutilator, Chakal, Sextrash, entre outras. Alguma vez se sentiram “estranhos no ninho” por fazerem um som mais lento e com um vocal cantado/melódico, e muito bom, por sinal, do Thiago, algo raro não apenas em BH, mas no Brasil de forma geral? 
De fato, o doom metal, apesar de ter muitos fãs entre a turma mais antiga do metal de BH, nunca foi um grande celeiro de bandas do estilo. Que eu me lembre, antes da Pesta, quem chegou a gravar algo no estilo em BH e região foi o Eternal Fall (que tem uma pegada mais doom/death) e, no final da década de 1990, tinha uma banda de Nova Lima (na região metropolitana de BH) chamada War Blade. Mas nos últimos anos estão surgindo mais bandas no estilo na cidade, como o The Evil, e já começamos a ter “companhia para eventos do estilo na cidade hahaha. 

E vocês foram influenciados de alguma forma por banda(s) local(is), seja esses nomes clássicos citados acima ou bandas um pouco mais recentes como Carahter?
Apesar da sonoridade diferente, todas as bandas que você mencionou aí fazem parte da história e formação musical de cada um de nós da Pesta. Conhecemos vários membros dessas bandas clássicas e muitos deles curtem o nosso som (como o Vladimir Korg do Chakal/The Mist e o Wagner do Sarcófago). Inclusive, antes do “Faith Bathed in Blood”, lançamos, no começo do ano, um single com uma versão que fizemos de Nightmare do Sarcófago. Além de ser uma versão que nos divertimos fazendo e ficamos satisfeitos com o resultado final, também foi uma forma de prestarmos um tributo às bandas mineiras do passado e do presente que marcaram e continuam marcando a história da música pesada. BH ainda é a terra das boas bandas hahaha. Uma delas, já que você mencionou, é o Carahter. Temos uma relação muito boa com os caras e já dividimos o palco com eles (creio que em breve dividiremos de novo). Sonzêra muito densa, pesada e bem feita. A banda está cada dia melhor. Todos aqui estão ansiosos pelo próximo disco dos caras.

(Imagem por Iana Rodrigues)

Historicamente, o Brasil nunca foi um grande celeiro de bandas doom/stoner, o que vem mudando na última década principalmente, com ótimos nomes como vocês, Jupiterian, Son of a Witch, Fuzzly, Abske Fides, Abismo, entre outros. Por que acha que vem surgindo tantas bandas boas nessa linha? E há alguma banda ou bandas de quem se sentem mais próximos em termos de som?
Não sei se tem como dar uma resposta simples a essa pergunta. Acho que uma coisa que tem influenciado é o maior acesso que temos hoje em dia a bandas dos mais diversos estilos através da internet. No caso da Pesta, a maioria da banda já passou dos quarenta anos e quando éramos mais jovens era difícil ter acesso aos discos de doom. De vez em quando pintava alguma coisa do Trouble (especialmente os discos lançados pela Metal Blade) ou os primeiros do Paradise Lost na Cogumelo (loja/gravadora clássica aqui de BH) e aí um comprava e gravava as fitas k7 pra compartilhar com a rapaziada. E, também, como nunca foi um estilo que teve bandas de maior repercussão aqui no Brasil, acho que o estilo não despertou maior interesse do pessoal. Hoje em dia, o acesso às bandas do passado e às novas bandas de doom é muito mais fácil e creio que isso tem inspirado a galera a investir nesse tipo de som e aí, da quantidade, surgem bandas de grande qualidade como as que você citou aí. Todas essas bandas que você citou aí, especialmente o sensacional Son of a Witch (com quem já tocamos também), tem alguma afinidade com nosso som – uns mais outros menos. Mas, se for pra citar algumas bandas cuja linha de doom mais tradicional tem uma certa semelhança com a linha da Pesta, acho que eu poderia citar o Witching Altar, o Dirty Grave, o The Evil e o Unholy Outlaw.

Na página do Facebook, vocês citam bandas já clássicas como Black Sabbath, Cathedral, Sleep, Pentagram, Trouble e Goatsnake como as principais influências. Essa continua sendo a base de vocês nesse sentido? E o que acham de bandas mais recentes como Pallbearer, Monolord e Elder, por exemplo?
Como influência com certeza, estes clássicos nos acompanham desde muito cedo e é inegável que fomos influenciados bastante por esta escola clássica, mas apesar dessa influência não temos a intenção de tocar como essa ou aquela banda. Sobre as bandas mais recentes todas que você citou achamos sensacionais, com alguma frequência um ou outro escuta um álbum novo e faz uma recomendação, ou pergunta o que achou, por exemplo essa “nova” escola Italiana do Doom, com bandas tipo Haunted e Messa é fantástica!

Essa não poderia faltar. Me digam por favor três discos que mudaram a sua vida e por que.
Marcos – Danzig (Danzig) – Misfits sempre foi uma das minhas bandas favoritas e demorei muito tempo pra escutar Danzig solo, mas quando ouvi fiquei impressionado com aquela sonoridade completamente fora do normal, má! E a voz inconfundível do Danzig agora desacelerada me fez aumentar o som e pensar, cara, tô ouvindo um clássico aqui, continua até hoje!

– Aqualung (Jethro Tull) – Esse álbum está a tempo nos meus ouvidos que seria impossível não cita-lo, a voz cavernosa do Ian Anderson e a construção completamente fora dos padrões com letras inteligente e uma concepção bem pensada de álbum, faz desse disco um clássico absoluto. 

– Psalm 9 (Trouble) – Psalm 9 simplesmente está à altura de qualquer grande clássico da música pesada, escutar os trabalhos de guitarra de Bruce Franklin e Rick Wartell foi chocante e inspirador, com certeza foi uma das portas de entrada mais legais que eu poderia ter para a música fora do eixo “mainstream” da minha época.

Thiago – Tommy (The Who) – quando o escutei, há quase 20 anos, percebi que o rock não tinha limites. Mudou toda minha concepção musical.

– Nevermind (Nirvana) – ouvindo esse disco eu entendi tudo que todas as bandas de rock tentavam fazer desde sempre: fazer um disco autêntico e pop ao mesmo tempo, pesado e vendável.

– Animals (Pink Floyd) – o primeiro contato com o conceito de música baseada em literatura, mesmo sem saber na época. E o primeiro conceito de música pesada sobre a condição humana, que eu viria a descobrir com o Black Sabbath anos depois.

Daniel – Master of Reality (Black Sabbath) – Melhor álbum de todos os tempos. Só isso. Uma fonte inesgotável na qual todas as vertentes de música pesada beberam.

– Violator (Depeche Mode) – Esse disco me ajudou a curtir sons fora da “caixinha” tradicional do rock/metal. Simplesmente genial!

– Psalm 9 (Trouble) – Clássico! Disco que me introduziu nas veredas do Doom Metal e que sempre esteve presente nas minhas radiolas, toca-fitas, CD Players e playlists.

Flávio – Black Sabbath (Black Sabbath) – Foi um marco para o tipo de som que trocamos.

– Arise (Sepultura) – Saber que essa banda era da minha cidade me motivou tocar bateria. Esse disco de certa forma representa todas as bandas de Belo Horizonte que me influenciaram.

– Rubber Soul (The Beatles) – Foi o primeiro álbum que ouvi sem ser de música clássica. Isso me mostrou outro universo.

Vaca – Master of Reality (Black Sabbath) – No meu ver o Sabbath é o Pai do som pesado ou do Metal como alguns irão concordar. Mais esse disco em particular, para a época que foi lançado é uma epopeia do DOOM. Nada… absolutamente não houve nada… tão grave, arrastado e pesado na época.

– Brasil (Ratos de Porão) – Quando olho para as bandas nacionais o RDP é a melhor. Com bases rápidas e letras conscientes que fazem sentido até os dias atuais.

– Holy Diver (DIO) – DIO me ensinou com maestria que o som pesado não está preso a nenhuma equação. Tanto melodia quanto letra.

Para terminar, agora com o disco na mão, quais os planos da banda para 2019?
Bom, pra esse ano temos o plano de lançar o último álbum em vinil, dessa vez com mais cópias pro Brasil já que do último as que vieram voaram rápido, este processo está rolando e esperamos acertar tudo para o segundo semestre. Começamos a rascunhar também um novo videoclipe como promoção do álbum e mais shows pelo Brasil, ainda tem muito lugar para se espalhar a Pesta!