TEMPESTADE TROPICAL: Surra fala sobre tour na Europa, novos discos e a vida na estrada

(Imagem de destaque por Estevam Romera)

Uma das bandas mais importantes e ativas do underground brasileiro na atualidade, o SURRA se prepara para um final de ano intenso enquanto se prepara para embarcar em sua segunda tour na Europa, que terá início com shows em Portugal em 13 e 14 de outubro.

Isso porque, além da aguardada volta ao Velho Continente, o trio de Santos/São Paulo também dá os retoques finais em seus novos discos, um split com o Damn Youth e um full-length, que será o primeiro trabalho do tipo da banda desde 2016, quando lançarám o ótimo «Tamo Na Merda».

Na entrevista abaixo, Victor (bateria), Gui (baixo e voz) e Leeo (guitarra e voz) mostram o mesmo entrosamento dos palcos para responder de forma alternada às perguntas sobre esse retorno à Europa, como é a vida de uma banda underground de metal/HC pelo Brasil, a cena de Santos, o avanço do conservadorismo pelo mundo, e os discos que mudaram as suas vidas, entre outras muitas coisas.

(Nota: o baterista Victor, do Surra, toca com o repórter que vos escreve na banda Basalt.)

 

Loud: Vocês anunciaram recentemente um split com o Damn Youth, que sai até o final do ano e traz um cover do I Shot Cyrus, banda clássica de hardcore de São Paulo. Como foi revisitar o som dos caras e por que escolheram tocar um som deles, tem algum significado especial?

Victor: Foi uma honra poder fazer uma versão de «Tiranus», do I Shot Cyrus. Eles são uma influência que vai além do som, mas também nas ideias e letras. Depois que já tínhamos gravado o som, descobrimos que esse disco completa quinze anos neste ano. Foi totalmente sem querer, mas reforça a nossa homenagem.

Há alguns meses vocês lançaram um EP, Ainda Somos Culpados, mas o último full da banda, Tamo na Merda, saiu em 2016. Já tem planos para gravar/lançar o próximo (full)?

Leeo: Temos sim! O plano é lançar o próximo full no ano que vem (2019). O instrumental e parte das vozes desse futuro álbum já estão todos gravados e quando voltarmos da turnê européia vamos nos empenhar na finalização desse trabalho. Vão ter dezassete faixas inéditas.

Nos últimos anos, vocês têm feito muitos shows, talvez sejam até a banda underground de metal/HC que mais faz shows no Brasil. Como tem sido manter esse ritmo, os pontos altos/baixos da vida na estrada e o que conheceram do país de mais impressionante nessas viagens todas?

Leeo: Se somos a banda mais ativa eu não sei, mas manter o ritmo em que estamos nesses últimos três anos tem sido uma vitória. O Brasil passa por um momento difícil e conseguir manter a agenda de shows cheia e continuar vendendo discos e camisetas não está tão fácil como antes, as pessoas estão sem dinheiro. A vida de uma banda independente/underground na estrada é algo que só se entende vivendo isso. Um dia você toca pra 500 pessoas, no outro pra duas ou três. Um dia você dorme num hotel, no outro dorme no chão, no carro ou nem dorme. Um dia come-se em restaurante, no outro, snacks de posto de gasolina. No Brasil nos impressiona em quase todos os lugares, esse país é gigante e muito diversificado. Já passamos a noite em condomínios absurdamente caros cheios de câmeras e segurança, e até em favelas e casas coletivas em ruas sem asfalto. Pode-se dizer que essa desigualdade brutal é muito impressionante!

A banda começou oficialmente há cerca de seis anos, mas vocês já se conhecem há mais tempo – e já tinham até tocado antes, certo? Acha que isso facilita no entendimento e no entrosamento musical de vocês, tanto para tocar ao vivo quanto para compor e levar todas as coisas “administrativas” relacionadas à banda?

Gui: O Victor e o Leeo já tocavam juntos desde 2005 em uma banda de thrash que se chamava Chainsaw. Eu conheci o Victor em 2006 comecei a frequentar os ensaios da banda neste período até que em 2008 começamos a tocar juntos nós três e o Gabriel no que viria a ser o Like A Texas Murder. Pouco tempo depois o Chainsaw acabou e focamos todos os esforços no LATM até o final da banda em 2012. Praticamente começamos e evoluímos como músicos juntos então essa parte do entrosamento acaba sendo natural. É engraçado que muitas vezes as pessoas citam o Surra como uma banda “nova” e se impressionam positivamente com nossa performance ao vivo e principalmente com a questão do entrosamento. Somos uma banda “nova” que toca junto há dez anos praticamente todo final de semana. Quanto a parte administrativa /composições acho que o principal fator que ajuda é que, além do Surra, somos amigos de longa data. Além de questões da banda já passamos juntos por diversas situações pessoais que hoje nos trouxeram maturidade para lidar com nossas diferenças e transformar isso em coisas positivas para a banda. Outra coisa bacana de citar é que nós construímos juntos (com ajuda de mais dois amigos) um estúdio (Estúdio Warzone) em Santos que tem sido nosso QG para ensaios e gravações.

Aliás, a banda é de Santos originalmente, apesar de alguns integrantes morarem/terem morado em SP em diferentes períodos. Mas queria saber se a “cena” de Santos e do litoral teve alguma influência direta em vocês, alguma banda/artista específico da área?

Gui: Com certeza. Santos é uma cidade relativamente pequena e extremamente ligada a arte de um modo geral. Naturalmente somos influenciados por músicos e bandas da baixada principalmente as bandas de metal e hardcore: Vulcano, Psychic Possessor, Garage Fuzz, Safari Hamburguers, The Bombers, Charlie Brown Jr, dentre diversas outras.

Além de se definir como uma de thrashpunk antifacista, o Surra sempre teve letras fortes e se posiciona de forma clara sobre temas políticos e sociais no Brasil – e no mundo. Por isso, queria saber como vocês veem esse crescimento da direita e do conservadorismo no Brasil e no mundo? E acham que falta um posicionamento mais claro das bandas de metal/HC sobre isso de forma geral – seja em letras ou em simplesmente falar sobre o assunto?

Leeo: No Brasil sempre houve um empenho muito forte da burguesia pra manobrar a opinião das pessoas e no cenário geral desde 2013 isso se acentuou muito. Surgiram e ressurgiram muitos grupos/partidos organizados de direita (assumidos ou não-assumidos) patrocinados pela elite burguesa e pela grande mídia. Somando isso com uma classe trabalhadora não politizada e frustrada com sua realidade, o resultado é o que temos hoje. Eu sou desses que gosta de conversar com as pessoas que conheço na rua e tento fazê-las entender como essa máquina nos faz de idiotas. Mas essa tarefa é difícil e raramente tenho sucesso. Ultimamente as bandas tem se posicionado sim, principalmente dentro do cenário punk/hardcore/crossover. Vejo nas letras, organização de shows e entrevistas que todos estão empenhados em discutir ideias e isso é muito foda! Uma banda influencia muito seu público, é importante saber se posicionar.

Daqui alguns dias, vocês embarcam para a segunda turnê da banda pela Europa.  Como estão os preparativos e quais as expectativas para essa nova leva de shows – vocês passam por Portugal, onde tocam inclusive ao lado do Desalmado e do Besta, certo?

Victor: Estamos com quase tudo pronto. Em Portugal iremos tocar dia 13/10, em Lisboa, com o Desalmado e o Besta, e no 14/10, no Porto, com o Mondo Podre. Em nossa primeira turnê na Europa, em 2016, nós tivemos a nossa primeira experiência de ficar 1 mês juntos focados 100% na banda. Isso evoluiu a gente demais, em pouco tempo. Foi algo bastante impressionante. Dessa vez, será um pouco mais doido, pois nós mesmos que fizemos o booking, e vamos fazer praticamente o rolê inteiro de carro, mas a expectativa é a melhor possível. Estamos ansiosos para rever nossos amigos europeus.

E, a partir da perspectiva de uma banda que vem rodando o Brasil, quais as principais diferenças que veem no underground daqui e da Europa, de forma geral, em termos de público e estrutura?

Leeo: De uma forma geral o público no Brasil é mais agitado. Mas isso não é regra, tocamos em shows na Europa com um público insano também. É que em alguns países o pessoal é mais reservado e aprecia o som de uma outra forma. Sobre estrutura: sem dúvida que em países europeus a chance de tocar em equipamentos melhores é muito maior. Tudo na Europa é “mais barato e melhor”. Mas não desmerecemos de forma alguma o que é feito no Brasil, o underground sobrevive muitas vezes de forma autônoma e coletiva, a estrutura é pior, mas isso nos torna mais resistentes e versáteis pra lidar com qualquer problema de palco.

Para terminar, uma pergunta que eu sempre faço. Me falem três discos que mudaram as vidas de vocês e por que eles fizeram isso.

Leeo: «Sobrevivendo No Inferno» – Racionais MC’s, «Supporting Cast(e)» – Propagandhi e «You Kill Us We Overcome» – Paura. Embora sejam gêneros muito diferentes, eu tive a mesma sensação de “descoberta” quando ouvi cada um desses álbuns pela primeira vez.

Gui: Iron Maiden – «The Best Of The Beast», foi essa coletânea que me fez querer ser “rockeiro”. Hatebreed – «Rise Of Brutality» por ter sido a porta de entrada para o Hhrdcore, e pra finalizar não é bem um álbum mas acredito que a trilha sonora do jogo Tony Hawk’s Pro Skater 2 moldou muito do meu gosto musical.

Victor: Black Sabbath – «Sabbath Bloody Sabbath», foi um dos primeiros discos que eu ganhei na minha vida, quando eu ainda era bem criança. Nas viagens que eu fazia com a escola, ou com a minha família, eu sempre levava um discman e esse disco, e ouvia ele de cabo à rabo centenas de vezes.

Motörhead – «No Sleep Till Hammersmith», eu sempre pirei em discos ao vivo (o primeiro disco que eu ganhei na vida foi o «Alive» do Kiss), mas esse daqui foi o que mais me impressionou, e continua pirando minha cabeça até hoje. Esse time do Motörhead é simplesmente imbatível.

Slayer – «Reign In Blood». Eu encaro esse disco como uma música só gigante de 30 minutos. Para mim, é a inspiração maior para tudo o que eu faço com o Surra. É um disco simplesmente perfeito.

(Imagem: Carol Folha)