THE HELLACOPTERS: “Percebemos que, se íamos continuar, não podia ser só pela nostalgia” [entrevista]

Os THE HELLACOPTERS surgiram como um verdadeiro tornado no rock europeu e, entre 1994 e 2008, quando cessaram funções, mantiveram-se sempre na ribalta com uma sequência de lançamentos irrepreensíveis. Há um par de anos decidiram finalmente voltar à actividade e, agora, surgem com o primeiro disco de estúdio em mais de uma década. «Eyes Of Oblivion» é o título do novo trabalho, que serviu de mote para uma esclarecedora conversa com o guitarrista e vocalista Nicke Andersson.

Porquê este álbum neste momento?
Separámo-nos em 2008, e recebemos ofertas para um concerto de reunião praticamente logo a seguir. E isso, sendo que tínhamos terminado, não fazia sentido nenhum. No entanto, o tempo foi passando e fomos sempre recebendo ofertas. Um dia alguém se lembrou que passavam vinte anos sobre a edição do primeiro disco e decidimos que essa era uma boa altura para voltarmos, até porque as ofertas eram mesmo muito interessantes para nós. Logo ali decidimos que, se era para aceitar, tínhamos de garantir que o regresso seria muito bom. Convenhamos, não faz sentido pegar no dinheiro sem estar ao nível da proposta. Bem, isso tudo aconteceu em 2016 e a experiência correu muito bem. Pareceu-nos que havia muita gente com saudades nossas. Além disso, demos um bom concerto e conseguimos sentir-nos bem a fazê-lo. Mesmo assim, nessa altura, resolvemos ir dando um passo de cada vez. No ano a seguir, aceitámos mais umas ofertas, e continuámos a sentir-nos bem; foi mais ou menos por essa altura que percebemos que, se íamos continuar com a banda, não podia ser só pela nostalgia. Começámos então a ponderar a hipótese de gravar um novo disco, que só demorou algum tempo a surgir porque todos estavam ocupados com outros projectos.

Um dos projectos, no teu caso, são os LUCIFER, onde tocas bateria, tal como no início da tua carreira com os NIHILIST e ENTOMBED. Nos Hellacopters, és guitarrista e vocalista… Afinal, qual o teu instrumento de eleição?
Se tivesse de escolher, mas não tenho, diria que sou mais baterista que guitarrista. O problema é não podemos escrever canções na bateria, precisamos de uma guitarra. Esse é o problema e, nesse caso, preciso mesmo da guitarra. De qualquer forma, acho que sou um pouco melhor na bateria que na guitarra. Na verdade, sou é muito bom a fingir que toco guitarra.

E acabas a dar dicas ao baterista, de como deve tocar?
Sim, creio ser bastante chato com quem toco. Todos os bateristas têm de apanhar com as minhas ideias e sugestões. Lamento pelos bateristas que têm de tocar comigo. [risos]

«Eyes of Oblivion» será um disco menos punk e mais melódico, concordas?
Acho que isso depende sempre das treferências, em termos de discos, de quem nos ouve. Não creio que seja um disco mais suave que o «By the Grace Of God», de 2002. Este disco é como soamos hoje. Para mim, a música é algo emocional e espontâneo, por isso nunca vou conseguir forçar-me a criar um tema punk. Este discos pode ser mais suave que os primeiros dois, sem dúvida, mas não mais que os restantes. Um dos lados bons da música é que podemos transformá-la em algo pessoal, o que nos permite escutar algo quando o tipo a seguir escuta outra coisa totalmente diferente na mesma canção. A música toca as pessoas de diferentes maneiras. Este disco não é igual aos primeiros que fizemos, seja em termos de escrita, seja em termos de produção. Nunca escrevo música a pensar num estilo, tento apenas compor tendo por base aquilo de que gosto. Nunca analiso o que faço, mas passo imenso tempo a analisar oque as outras bandas fazem, em especial as minhas bandas favoritas. Podia estar aqui horas a falar sobre elas.

Ao longo destes anos tens tocado diferentes estilos de rock e com músicos influentes no género. Isto acabou por influenciar-te como compositor?
Penso que tudo na vida me influencia de uma forma ou de outra. Umas vezes de forma consciente, outras inconsciente. Creio que seria impossível não ter sido influenciado por certos músicos com quem trabalhei.

Referiste que podias estar horas a falar das tuas influências e, em «So Sorry I Could Die», há um riff de homenagem aos LED ZEPPELIN, por exemplo.
Os riffs saem-me, e só depois reparo nas influências. Muitas vezes, toco-os e só muito depois é que me começo a questionar onde já ouvi aquilo. Algumas vezes tenho de mudar por serem demasiado parecidos com o original, outras deixo como uma forma de tirar o chapéu aos meus heróis. Neste disco, há uma série de homenagens a coisas que poderás não encontrar lá, mas que eu encontro.

Como são esses “tributos”?
Podem ser algo pequeno, por vezes a forma como abordo a guitarra com a palheta e deslizo nela, por exemplo. Aí é uma referência ao Steve Jones e so SEX PISTOLS. Geralmente, são pequenas coisas assim. De repente, não estou a conseguir lembrar-me de coisas específicas, mas se estivesse a escutar o disco, dizia-te para ouvir com muita atenção este ou aquele pormenor, porque te ia recordar isto ou aquilo. Divirto-me muito a criar essas homenagens.

Quando se cria música, não devia ser sempre esse o objectivo?
Sim, toda a música boa deve começar assim. Se não for por aí, pode não soar sincera e honesta. Primeiro, a música deve agradar-te, se outros gostarem depois… Bem, isso aí já é um bónus. Tens sempre de gostar primeiro do que fazes.

Este disco foi lançado a 1 de Abril, o dia das mentiras. Foi uma piada?
Quando a editora nos disse que tinha uma data de lançamento e que era essa, foi isso que pensámos… “A sério? O 1º de Abril?!”. Vamos ver se é piada ou não. [risos]

Até porque hoje é complicado a um grupo fazer planos com antecedência.
De certa forma podes fazer planos, desde que tenhas em mente que podem não se realizar. Para já, temos alguns festivais marcados para o Verão. Não foi difícil programá-los, pois todos os cartazes estavam a ser adiados e já estava previsto tocarmos neles há duas semanas. O plano é fazermos, depois, uma digressão europeia, durante o Outono. No entanto, isso erá se ser visto com muita calma, porque se aparecer uma nova variante da COVID-19 voltamos ao ponto de partida, o que é uma merda.

Penso que com os LUCIFER também se está a passar algo semelhante.
Nesse caso, era suposto termos feito uma digressão em Fevereiro, que acabou por não acontecer. De momento, temos apenas alguns festivais já planeados. Vamos ver, há planos para ambas as bandas.

Como estão as coisas com os outros elementos e as suas respectivas bandas?
Bem, como toda a gente, eles também não têm feito muita coisa nos últimos ano para lá de trabalharem neste disco, por isso não vai haver problemas de agenda. Os THE HELLACOPTERS não vão fazer digressões muito extensas como fazíamos. Vamos ser mais selectivos com tudo, por isso não haverá problemas.

À época foi algo inovador teres saltado de uma banda como os Entombed para fazeres um grupo de rock, mas hoje isso até é bastante comum.
Nunca pensei nisso. Nunca mesmo, para ser sincero. Posso apenas falar por mim, mas a primeira música que me tocou realmente não era metal extremo. Cheguei à música por causa dos KISS, depois veio o punk rock e, gradualmente, mudei-me para música mais rápida, dentro do punk e metal. Por isso, nada disso me soa estranho e acho que até está ligado. Passar dos ENTOMBED para os THE HELLACOPTERS não me fez pensar porque eu gostava da música. Gosto de metal, punk, thrash, hard rock. Obviamente que são coisas diferentes, mas para mim é tudo o mesmo. Quando gosto de algo, apenas gosto. O mesmo se passa com esses músicos que falas. Se cresceste a ouvir os JUDAS PRIEST é natural que, um dia, apareças a tocar esse tipo de música. No metal extremo há limitações, obviamente, e alguns grupos combinam esses gostos e conseguem que as coisas funcionem para eles. Comigo isso não resulta; por exemplo, se ouvir uma banda de death metal com vocalizações elaboradas acho que é muito estranho.

O L-G Petrov faleceu no ano passado e ainda não teve a homenagem merecida por parte dos ENTOMBED. Há planos para fazerem algo especial?
No Verão vamos fazer um concerto com os ENTOMBED no Gefle Metal Festival, que decorre em Julho. Vamos fazer um concerto que será uma homenagem, não só a ele, mas também à música da banda, desde o início até hoje. Eu estarei na bateria, o Alex Hellid e o Ulf Cederlund vão estar nas guitarras e Jörgen Sandström vai estar no baixo. Provavelmente teremos diversos vocalistas a aparecerem como convidados, mas vamos tocar músicas do primeiro ao último álbum.