TOM G. WARRIOR

TOM G. WARRIOR: “Só tenho as melhores memórias de tocar em Portugal.” [entrevista exclusiva]

À conversa com TOM G. WARRIOR, um dos mais ilustres e influentes personagens da música extrema.

Thomas Gabriel Fischer, aka Tom G. Warrior, o mentor dos lendários HELLHAMMER e CELTIC FROST, actualmente líder dos TRIPTYKON, é um personagem incontornáve no espectro da música extrema e cada nova passagem por cá é motivo de enorme celebração. Para tornar as coisas ainda mais especiais, foi por cá que o seu projecto de criação mais recente deu aquele que foi apenas o quarto concerto da sua existência e, segundo o próprio nos confirmou, ficaram criadas raízes muito importantes que pedem para ser revisitadas. Naturalmente, não podíamos deixar passar em claro uma ocasião ilustre destas, pelo que tivemos uma magnífica conversa com este pioneiro.

Com vários concertos diferentes que tens dado – Triumph Of Death, Triptykon a tocar Celtic Frost, para além dos “normais”… – e ainda, como sabemos, a preparar o álbum novo dos Triptykon, como é que tem sido o teu dia-a-dia nos últimos tempos? Ocupadíssimo?
Tom: Este ano vai ser, provavelmente, muito denso para os Triptykon. Estamos realmente a trabalhar num álbum novo, sim, o que não é uma coisa fácil – toda a gente tem a noção, na banda, que vai ter que ser um álbum mesmo muito bom. E isso não é fácil de conseguir. Nenhum de nós tem uma receita secreta de como escrever um bom álbum. É um desafio muito grande, e ao mesmo tempo também estamos a tocar uma certa quantidade de concertos exclusivos em que revisitamos a música dos primeiros tempos dos Celtic Frost. É algo que nunca fizemos antes… Claro que já tocámos temas dos Celtic Frost, mas nunca todo um concerto dedicado aos primórdios da banda. Mas houve muitos pedidos de vários promotores para o fazermos, e discutimos isso no seio dos Triptykon. É óbvio que somos todos grandes fãs desse período dos Celtic Frost, são as nossas raízes, e de momento estamos a montar um setlist e a aprender, ou reaprender, a tocar estes temas em conjunto, para que lhes possamos fazer justiça e tocá-los da forma mais correcta. São estas duas coisas que neste momento nos mantêm muito ocupados no dia-a-dia.

O que é que nos podes revelar acerca desse novo álbum, para já?
Tom: Ainda estamos na fase de escrita e ensaios. Ainda não decidimos quais são os temas que vão fazer parte do álbum e quais é que vão ser descartados. [pausa] Mas posso dizer que os meus dias de experimentação selvagem estão provavelmente no passado, porque estou muito satisfeito com o estilo que os Triptykon encontraram e não quero mudar muito as coisas. Acho que se pode esperar música muito típica dos Triptykon – bastante escura, às vezes pesada, às vezes melódica, e claro, com os elementos que já uso desde os dias dos Celtic Frost. Começando pelo metal, avançando pelo jazz, clássica, new wave, por aí. Todos estes elementos fazem parte do nosso som.

Estás mais numa de «Into The Triptykonion» do que «Into The Pandemonium», por estes dias, não é?
Tom: [risos] Mas sabes uma coisa, acho que, se olhares para o «Monotheist», e para os dois álbuns dos Triptykon, eles até acabam por ser bastante como o «Into The Pandemonium» – há música clássica, experimental, vozes femininas, electrónica… são até bastante parecidos com o «…Pandemonium», só que agora já não é incomum incorporar esses elementos. Quando fizemos o «…Pandemonium», fomos talvez a única banda da altura a juntar isso tudo, mas actualmente, já não é algo que seja digno de destaque. Mas analisando bem as coisas, pode-se dizer que ando a refazer o «…Pandemonium» várias vezes ao longo dos anos.

É uma perspectiva interessante. E dá vontade de fazer o seguinte exercício – imaginar algum desses álbuns a ser editado na altura em que o «…Pandemonium» foi. Se calhar ainda era um choque maior!
Tom: Exactamente!

Mas é curioso teres esse ponto de vista. Por aí se vê a ocasião marcante que foi esse trabalho na tua carreira.
Tom: Foi um álbum muito, muito importante para mim. Claro que não me quero repetir musicalmente, mas por outro lado, gosto muito que tenhamos feito esse álbum, tenho muito orgulho nele e é uma influência determinante para tudo o que se seguiu.

Dá a sensação que estás mais disponível para… olhar para o passado, digamos assim, do que estarias há alguns anos atrás. Parecia difícil de imaginar que um dia ainda andarias na estrada a tocar Hellhammer e Celtic Frost antigo. Sentes que houve alguma mudança na forma como sentes o teu passado musical?
Tom: Depende do que estejamos a falar. Há elementos dos Hellhammer, por exemplo, que sempre foram problemáticos para mim, e também para o Steve Warrior – com quem fundei os Hellhammer – e para o Martin Eric Ain, que obviamente também fez parte da banda. Estes elementos continuam a ser problemáticos, e não quero tocar-lhes. Para além das questões pessoais que existiam nos Hellhammer, dos nossos backgrounds pessoais, vou-te dar um exemplo concreto de uma das coisas que estou a falar – a letra do tema «Satanic Rites», acho-a extremamente problemática sem haver nada que a contextualize, e é por isso que não a toco ao vivo hoje em dia. Mas claro que há muito outros elementos da minha história musical que foram incrivelmente importantes para mim, que fizeram de mim o homem que sou hoje e que foram decisivos no meu trajecto como músico, e estou disponível para os relembrar e celebrar. Desde que não toque apenas material antigo, desde que não me torne basicamente num museu vivo, acho que está tudo bem. Continuando a ser um músico relevante hoje em dia e que também crie música nova, então adoro também tocar música antiga dos Celtic Frost e dos Hellhammer. Porque acho que é fácil de ver que os Triptykon são o resultado desse caminho. Aliás, até diria que há mais elementos de Hellhammer nos Triptykon do que propriamente havia nos Celtic Frost. Não é uma coisa totalmente diferente, todos são uma parte da minha viagem enquanto músico.

É bom ver que tens uma sensibilidade que parece faltar a muitos músicos, que se recusam a admitir que há coisas que já não vão ser interpretadas da mesma forma no mundo de hoje. E que não há nada de mal em admiti-lo.
Tom:
Isto é um assunto muito complexo, claro, mas acho que tanto tu como eu achamos que a música deve ser entretenimento, deve ser alegria, arte, positivismo. Mesmo que seja música escura e agressiva, mas deve dar-te um sentimento positivo. Infelizmente, no mundo real e com seres humanos reais, há muito mais coisas que estão ligadas à música, quer gostemos quer não. E sim, é claro que tenho que ter esta sensibilidade. A letra da «Satanic Rites» em particular, para pegar no mesmo exemplo, olhando para ela como um adulto de 59 anos, consigo ver ódio infinito ali, ódio contra a minha mãe, que fez da minha juventude um período muito, muito difícil, para não dizer pior. Foi essa razão pela qual dei comigo numa situação muito dura, muito violenta, nessa altura da minha vida. Acho que toda a minha frustração, a minha dor, o meu ódio em relação a isso, estão todos nessa letra. Mas se eu tocar este tema em frente de jovens fãs hoje em dia, eles não têm nenhum deste contexto, só ouvem a letra. Não quero ser ingénuo ao ponto de ir para o palco e dizer, boa, vou fazer dinheiro com estas malhas antigas e vou tocá-las todas sem pensar mais nisso. Não é assim tão simples. Claro que isto está inserido naquele que é um problema muito mais abrangente na nossa cena. Tenho recebido críticas muito duras nos últimos anos por ser contra a homofobia, contra o abuso de animais, contra a misoginia. Há muita gente que não tem problema nenhum com estas coisas, que acha que devemos ser homofóbicos, que devemos ser misóginos. Quer queiramos quer não, a nossa música é um produto humano, e temos que lidar com todos os seres humanos, e como todos sabemos pela história da humanidade neste planeta, somos capazes de muitas coisas negativas. É uma pena quando isso interfere com a música.

Era tão fácil refugiares-te na neutralidade e não tomar posições dessas, não era? Há quem lide bem com esse “conforto”, e chateia-se muito menos.
Tom: Não é uma coisa voluntária, diga-se. Sou confrontado com este negativismo quer queira quer não, a escolha é só se quero ser um cobarde e não dizer nada sobre esse assuntos, ou se respondo a este tipo de críticas. Sendo eu como sou, claro que vou responder, mas isso causa muitas vezes ainda mais negativismo, infelizmente. Há muita gente neste mundo que não se revolta contra a injustiça, e é pena. E atenção, não é isso que faz de mim uma pessoa melhor. Não faz de mim “sagrado”. Falar contra as injustiças é algo que para mim é absolutamente normal. Não faço nada disto para ter efeitos na minha carreira, ou seja o que for. Até porque não tem. É sempre mais fácil ficar calado e escondermo-nos, concordo contigo. Mas aí, tornamo-nos facilitadores, cúmplices.

É mais fácil e, para muitos, mais rentável.
Tom: Ah, sim, claro. Sem dúvida.

Voltando à música. O facto de andares a revisitar o passado de várias formas pode remexer um bocado com as tuas influências e com a maneira como escreves música nova? Ainda que subconscientemente?
Tom: Na verdade, estou a revisitar estas coisas todas de forma muito consciente. Tenho muito interesse em história. Claro que tento viver no dia de hoje, mas a história é algo sempre presente na minha vida. Estou neste momento sentado na minha casa enquanto falo contigo, e esta casa é essencialmente uma biblioteca de livros de história. Não se trata de algo abstracto para mim, é algo que vivo todos os dias, e claro que isso inclui a minha própria história, e a história da minha música. Tenho sempre presente comigo a música que escrevi, não é algo que visite só de tempos a tempos. Era também assim quando o Martin era vivo, estávamos muitas vezes em contacto com aquilo que fizemos no passado, era algo que discutíamos constantemente. Às vezes ouvíamos os discos, falávamos deles, e levávamos tudo isso em consideração quando escrevíamos coisas novas. E não se trata de copiar seja o que for, fazíamos isso porque é importante dar continuidade a algumas tradições. É importante relembrar o que é que fez a tua música ser especial. Há uma linha muito estreita entre mudar e continuar a ser relevante, de um lado, e relembrar e usar as tuas tradições, do outro lado, e acho que são ambos necessários.

São os dois pratos da balança. Manteres-te verdadeiro às tuas tradições, mas ao mesmo tempo saberes adaptar-te à tua evolução.
Tom: É essa parte mais difícil, é esse o equilíbrio. Obviamente que adoro o «Morbid Tales», mas não o quero copiar, não posso. Seria patético se o tentasse. Como disse no princípio da conversa, é muito difícil escrever um álbum novo nesta altura. Naturalmente que tenho alguns temas favoritos do meu passado, mas os próprios fãs perceberiam de imediato se tentasse copiar alguma coisa desse género. Tenho que fazer música que seja interessante por si só, mas que ao mesmo tempo ainda soe a mim.

E isso cada vez é mais difícil, não é? Pelo menos em termos “numéricos”, é lógico que te seja mais difícil escrever música para os Triptykon agora do que era quando começaste a banda. Porque entretanto já fizeste mais música que não “podes” copiar.
Tom: Por absurdo que pareça, isso é inteiramente verdade. É sempre mais difícil escrever, à medida que te vais tornando num músico mais velho. Já escreveste muita música, muitos riffs, e outras bandas também o fizeram. Tens sempre aquele impulso de querer fazer algo novo, mas repara, o heavy metal já tem o quê, 50 anos de idade, por aí. Tanto já foi feito, não só por mim mas por muitos outros. Há dois patamares – a parte técnica, produzir um álbum, gravar no estúdio, isso tudo, tornou-se mais fácil. Sou um músico mais profissional, tenho experiência, a tecnologia é melhor, e consigo facilmente produzir um álbum hoje em dia. Mas por outro lado, a parte criativa fica cada vez mais difícil. É uma combinação muito estranha.

Falemos de Portugal, já que é essa a “desculpa” para estarmos aqui hoje. Memórias? Temos a honra de um dos primeiros concertos dos Triptykon ter sido em Portugal [NR: para ser preciso, o quarto, depois de duas datas na Alemanha, Rostock e Essen, e do concerto no Roadburn 2010, tocaram no SWR – Barroselas Metalfest 2010]. Que expectativas tens para esta visita?
Tom: A honra foi, de facto, toda nossa. Já queríamos tocar em Portugal há imenso tempo, mesmo nos anos 80, com os Celtic Frost, mas nunca o conseguimos fazer. A banda deixou de existir sem que nunca tenhamos tocado aí. Felizmente, tivemos a sorte de dar um dos primeiros concertos dos Triptykon em Portugal, como referiste, e isso para mim foi um passo muito grande e muito importante, fiquei mesmo muito feliz por ter tido essa oportunidade. Só tenho as melhores memórias de tocar em Portugal, tanto por parte dos promotores como do público, que nos fez sentir em casa. Sentimos mesmo que se estabeleceu ali uma ligação importante. O festival SWR, em particular, pareceu-nos um sítio verdadeiramente especial. Tocámos em tantos territórios com os Celtic Frost, mas havia dois sítios em particular onde queríamos mesmo ir e nunca conseguimos – um era a Islândia e o outro era Portugal.

Dá a sensação que, hoje em dia, onde quer que vás tocar, o público que te vai receber vai ter a noção da tua importância e vai haver essa ligação quase por defeito, não achas?
Tom: Há muitas coisas que fazem parte da experiência, claro, mas de certa forma sentimos isso, sim. O que interessa, a partir de certa altura, é a ligação criada com o público, e aí, de alguma maneira, deixa de interessar onde estás. Já demos concertos fantásticos com públicos incríveis em partes absolutamente distintas do mundo. Podes estar no país mais fabuloso, na sala mais inacreditável, mas se não tiveres essa “ponte”, essa empatia entre banda, música e público, nada disso conta. E para mim é um privilégio saber que já me foi concedida a honra de ter um público maravilhoso tantas vezes e em tantos sítios diferentes. Não é algo com que eu contasse, quando era adolescente. Era apenas um sonho.

Recorde-se que os TRIPTIKON vão actuar no Vagos Metal Fest, que decorre de 3 a 5 de Agosto na Quinta do Ega. A banda liderada por Tom G. Warrior sobe ao palco Sublimevilla hoje, Sábado, dia 5, às 23:00.