VOIVOD: RETROFUTURISTAS! [entrevista]

A um ano de completarem quatro décadas de carreira, tendo perdido aquela que era a sua principal força criativa pelo caminho quando o saudoso Piggy nos deixou em 2005, os VOIVOD continuam a ser aquilo que sempre foram – uma banda fértil em ideias inovadoras, criativa, de vistas largas e sem medo de continuar sempre a olhar em frente, rumo ao desconhecido, mas sem nunca abandonar a sua forte personalidade, sem vergonha nenhuma de continuar a ser uma banda de metal. Numa cena tantas vezes pouco saudavelmente obcecada pelo passado, ou marcada por guinadas súbitas que provocam mudanças de direcção nem sempre recomendadas, estes sábios canadianos são um tesouro precioso, e representam o real significado do termo “progressivo”. Para além disso tudo, são gente boa – conversar com o afável baterista Michel “Away” Langevin é sempre um verdadeiro prazer, especialmente quando há novidades tão fresquinhas como o novo álbum «Synchro Anarchy» para discutir.

O objectivo principal é sempre continuar em movimento!

Michel “Away” Langevin

O «Synchro Anarchy» já é um Covid baby, criado quase totalmente durante a pandemia. Isso afectou-vos, achas que a música teria sido diferente noutras circunstâncias?
Sim, acho que teria sido um álbum muito diferente noutras circunstâncias, e por muitas razões… Tal como quando estávamos em Berlim, nos anos 80, quando a cidade teve uma grande influência no som de álbuns como o «Killing Technology» ou o «Dimension Hatröss», este álbum sofreu a influência do que se está a passar agora no mundo à nossa volta. A pandemia, vendo bem, é quase como uma situação de ficção científica, talvez mais escura e trágica que o habitual. Depois isso também causou algumas mudanças práticas, como o facto de termos tido que construir o álbum durante uma altura de distanciamento social. Programei a bateria no meu computador, partilhámos ficheiros… eventualmente lá nos conseguimos juntar num estúdio, mas termos montado o álbum desde o início como um puzzle fez com que o resultado fosse algo diferente, especialmente comparando com o «The Wake», o álbum anterior.

Tens algum exemplo concreto dessas diferenças que te consigas lembrar?
Sim, por exemplo, a certa altura, enquanto o Chewy fazia arranjos em algumas partes de canções, eu estava a entreter-me a juntar outros pedaços de música que tínhamos rejeitado previamente. Colei-os uns aos outros sem grandes preocupações de compasso ou diferenças de velocidade ou fosse o que fosse, e eventualmente comecei a dar estes temas fracturados ao Chewy só para ver o que é que dava. Foi algo que só fiz porque estava sozinho a “brincar” com o software, enquanto esperava que o Chewy acabasse outra tarefa, também ele sozinho. A verdade é que acabámos por usar muitas partes resultantes deste processo, o que acho que deu ao álbum um lado meio «Nothingface», que resultou de uma altura em que fazíamos também muitas mudanças de velocidade e compasso e isso tudo. Também sinto a influência directa da situação actual nas letras do Snake – apesar de ele nunca mencionar directamente o vírus, nem nada tão específico como isso, há um sentido de isolamento nas letras dele que está naturalmente ligado a isto tudo.

O álbum parece ser ao mesmo tempo complexo e fracturado, como descreveste, mas também bastante – e surpreendentemente – “acessível”, com muitas melodias “assobiáveis”, especialmente na parte vocal.
Acho que há uma certa urgência na música, não é? O Snake também fez muitos backing vocals, tal como o Chewy, e isso dá uma vertente psicadélica à música de que gosto muito. Apesar de ser um álbum escuro, acho que é também animador. Há alguns temas que têm uma mensagem mais clássica, mais optimista, como «The World Today» onde o Snake está a tentar dizer algo como “se queres viver num mundo melhor, é altura de contribuíres para isso”, algo desse género. É uma mistura entre um álbum feliz e preocupado! [risos]

Sempre houve muita realidade nos conceitos usados pelos Voivod, mesmo que meio escondida atrás de muitas imagens futuristas e muita alegoria, mas parece que essa realidade está mais a vir ao de cima nos últimos anos, não é?
Acho que o Snake está a ficar um bocadinho mais directo, sim. Ainda é tudo muito poético e críptico, mas consigo perceber que o que se passa no mundo está a influenciá-lo muito. Estamos a atingir o que antigamente era só ficção científica, de certa forma. A realidade e a ficção científica estão a aproximar-se. Cada vez é mais difícil de prever o que vai acontecer, e por isso acho que o Snake está mais ancorado no presente do que nunca. Continua a ser material sci fi, mas cada vez mais relacionado com aquilo que vivemos verdadeiramente.

A realidade e a ficção científica estão a aproximar-se.

Musicalmente, tinham alguma ideia de como queriam que o álbum fosse, ou foi só depois de começar a escrever é que isso começou a tornar-se claro?
O Chewy mencionou antes que queria que a música fosse mais orientada para o thrash metal, por isso meti pedal duplo em todo o lado. [risos] Mas não mais que isso, ideias gerais. A única “pressão” que metemos em cima de nós foi de que queríamos mesmo que o álbum fosse pelo menos tão bom, se não melhor, que o «The Wake». Porque esse álbum foi incrivelmente bem recebido. Neste momento já estamos um bocadinho aliviados, porque o primeiro single correu muito bem, e isso deu-nos alguma confiança. Acho que as pessoas que gostaram do «The Wake» e do «Post Society», desta aproximação mais de metal de fusão, vão gostar.

Conversámos há umas semanas para um podcast e na altura confidenciaste-me que esse primeiro single, «Planet Eaters», que é um malhão, diga-se, até no seio da banda recolheu unanimidade, não foi?
Apercebemo-nos que era o tema favorito de toda a gente! [risos] Mas só notámos isso depois de todo o processo concluído, essa unanimidade, e foi uma grande surpresa. Acho que não tínhamos pensado nessa canção como sendo algo de tão especial antes disso. Houve uma altura, quando o Chewy estava novamente a tratar de uns arranjos, que eu até comecei a programar umas batidas sem música nenhuma à volta. Dei-lhe várias para ele se entreter, e nessa altura fez-se uma espécie de click comigo – decidi que ia programar as batidas que quero e gosto mesmo de tocar. Tipo as batidas punk com os tom-toms e cenas assim. Uma batida que quero mesmo tocar mais ao vivo é a batida da «The Prow», do «Angel Rat», adoro tocar esse tema por causa disso. Então, programei um monte de sequências nas quais a batida principal era essa, e baseado nisso, o Chewy escreveu a «The World Today», que confesso ter-se tornado entretanto na minha favorita do álbum. Mal posso esperar por tocá-la ao vivo!

O vosso setlist já deve ser um pesadelo montar. [risos]
[risos] Repara, mesmo se só tocássemos um tema de cada álbum, mesmo assim seria impossível cobrir os álbuns todos, seria longo demais na mesma! Temos sempre que saltar um álbum ou dois, ou até mesmo uma era ou duas. Às vezes tocamos coisas da era Jason Newsted, às vezes da era Eric Forrest… Ultimamente temos tentado fazer uma espécie de apanhado da carreira. Cada vez é mais difícil porque continuamos a lançar álbuns novos!

Novos, e diferentes! A pergunta “jornalística” que se impõe é, ao fim de 40 anos, qual é o segredo… Mas não me parece que tenham algum segredo especial para isso.
Basicamente, sempre quisemos escrever a música que gostamos de tocar. É só isso. Às vezes isso jogou contra nós, também, é preciso dizê-lo. Quando fizemos o «Angel Rat» e o «The Outer Limits», o olhar das pessoas estava todo fixo em Seattle, e nós estávamos a fazer algo totalmente diferente dessa cena. Mas hoje em dia esses álbuns são reverenciados pelas pessoas que gostam dos Voivod, portanto… No fundo, fazemos o que nos apetece, às vezes funciona bem com os fãs em geral instantaneamente, e outras vezes demora mais algum tempo até termos essa recompensa. Não temos maneira de saber como vai ser, e também não nos preocupamos muito com isso. Como já disse, o «The Wake» e o «Post Society» foram tão bem recebidos, que isso nos deu confiança de que este caminho de jazzy thrash metal de fusão é o caminho certo para nós neste momento. Mas também não estamos presos a isso, tentamos sempre explorar o máximo número de novas avenidas que conseguimos. Com o tal pormenor dos backing vocals, acho que conseguimos dar um twist mais psicadélico a este álbum, e isso torna-o ainda mais interessante. Para mim é também um desafio grande arranjar novos padrões de bateria constantemente, e manter o ambiente futurista que temos, tudo sem nos transformarmos demais. As nossas raízes são no heavy metal e no thrash metal, e andaremos sempre por aí, por mais coisas que experimentemos.

E agora, é continuar a andar em frente, como de costume, não é? Com um aniversário “grande” para festejar para ano…
É o que tentamos sempre, continuar a progredir. Vai haver algumas reedições importantes este ano, o catálogo Noise / MCA vai todo ser revisitado, e estamos também a trabalhar num documentário sobre a banda, já só faltam algumas entrevistas. Para o 40.º aniversário para o ano, vamos lançar um livro sobre os Voivod. O objectivo principal é sempre continuar em movimento! Temos muita sorte, porque os fãs dos Voivod são muito leais e estão sempre ao nosso lado.

«Synchro Anarchy» já está disponível através da Century Media Records.