STEVEN WILSON:
Arquitectura sónica

Como indiscutível figura de proa e homem dos mil talentos do rock progressivo moderno, o britânico STEVEN WILSON já tem pouco a provar e, ainda assim, o seu quarto álbum solo afirma-se como uma aconchegante reafirmação dos valores base que têm dominado a sua carreira desde que, no final dos anos 70, começou a fazer música. Em contraste com as histórias de fantasmas vitorianos exploradas no muito elogiado «The Raven That Refused To Sing (And Other Stories)», editado em 2013, a novidade «Hand. Cannot. Erase.» revela-se um álbum enraizado na modernidade espiritual e sónica, evitando em grande parte os clichés do prog mais tradicional em favor de uma fusão altamente criativa e desafiante de paisagens sonoras de natureza industrial, tão sombrias como melancólicas, apoiadas na prestação robusta e musculada por parte dos virtuosos músicos que acompanham hoje o multi-facetado guru do som inglês. É este registo inteligente, cheio de alma e, acima de tudo, muito envolvente, que vai trazer o músico pela primeira vez a Portugal em nome próprio já amanhã, 15 de Setembro, para um concerto único na Sala Tejo, da Meo Arena, em Lisboa.

Olá, Steven! Obrigado por dispensares algum do teu tempo para conversarmos.
Sem problema… E, de qualquer forma, eu é que agradeço o interesse. Felizmente nunca me canso de falar sobre música e conversar com jornalistas faz parte do meu emprego, que é algo que continuo a adorar, por isso não me posso queixar. Nem quero, de resto. [risos]

É, de facto, admirável como se nota o entusiasmo que, quase três décadas depois de teres começado a gravar, ainda nutres por aquilo que fazes…
Sinto-me abençoado por ter esta oportunidade de viver da música e nunca ter tido de comprometer os meus ideais, o que – basicamente – quer dizer que só faço o que realmente quero. Olhando à volta, é fácil perceber que não há por aí muita gente que possa dizer o mesmo, mas eu tenho uma base de fãs suficientemente leal e que me permite agir assim. É por isso que digo que sou um privilegiado, consigo viver a fazer exactamente a fazer aquilo com que sonhei quando era miúdo. É sabido que a indústria discográfica está num estado deplorável, e que cada vez é mais difícil sobreviver neste meio, mas ainda continuo a sentir-me muito grato por ter esta oportunidade.

O comunicado de imprensa que acompanha o «Hand. Cannot. Erase.» foca-se bastante no facto de continuares a estar mais interessado em escrever álbuns que funcionam como um todo e não como colecções de temas. Sentes que estás a remar contra a maré?
Sinto que não tenho capacidade de fazer o que é melhor para a minha carreira, acho que é mais isso. E sim, de certa forma, o que faço acaba inevitavelmente por ir contra a corrente, porque vivemos num mundo em que tudo é imediato e, pior ainda, descartável. Em geral, a capacidade de atenção de quem ouve música hoje em dia está a ficar cada vez mais curta e a música que gravo requer que o ouvinte se embrenhe tanto quanto possível nos conceitos que exploro. Às vezes sinto que, actualmente, estou em constante luta para conseguir que o público se concentre na música, em vez de estar a “checkar” o e-mail, o Facebook, o Twitter ou o Instagram de cinco em cinco minutos.

O que acaba por ser injusto, sobretudo quando investes tanto tempo no que fazes.
Mais do que injusto, é um sinal dos tempos. Todos os meus discos contam histórias e, se o ouvinte não se focar totalmente, vai passar ao lado não só de muita coisa essencial mas também dos pormenores que lhes permitem experienciar em pleno álbuns como o «The Raven That Refused To Sing (And Other Stories)» ou o «Hand. Cannot. Erase.». A minha carreira não se baseia em temas pop de 3 minutos, mas sim em discos progressivos de 60 minutos – o que, para a maioria das pessoas, parece ser muito tempo para dedicar à música. Mas lá está, sou incapaz de fazer seja o que for para agradar às massas. Sei que provavelmente seria mais “popular” se escrevesse um par de singles, mas isso não é o que me move e sinto que, de certa forma, essa postura me tem valido bastante respeito, o que considero bem mais importante.

Como disseste no início desta conversa, tens uma base de fãs sólida o teu lado.
Sim, felizmente ainda há quem se interesse pelo que faço e, por incrível que possa parecer, abraçam de bom grado todos os desafios que lhes vou lançando. Esses são os verdadeiros revolucionários, pessoas que não se deixam afectar por distúrbios de défice de atenção nem por esta tendência crescente para ver a música como um mero adereço. Curiosamente, acho que as coisas estão a melhorar; há cada vez mais miúdos a comprar vinil e isso prova que as gerações mais novas estão efectivamente interessadas em cultivar uma relação mais profunda e pessoal com a música que consomem. Recentemente toquei na América do Sul – fizemos datas no México, Argentina e Chile – e fiquei pasmado com a variedade demográfica das audiências. Hoje em dia há muito mais miúdos nos meus espectáculos do que há dez anos e, claro, isso dá-me muita esperança em relação ao futuro.

Vais estrear-te a solo em Portugal…
Finalmente! [risos] Sei que todos os músicos devem dizer isto, mas estou ansioso para voltar a Lisboa e tocar para os fãs portugueses. Preparámos um espectáculo muito especial, com cerca de duas horas e meia e que é multimédia – no verdadeiro sentido da palavra. Temos muitas imagens, diversas curtas metragens que acompanham os temas e um som colossal. No que toca ao alinhamento, não pretendo estragar a surpresa, mas posso dizer que tocamos o último álbum quase na totalidade… Com um twist, no entanto. [risos] Vamos tocar o «Hand. Cannot. Erase.» seguindo a sequência do disco, mas vamos intercalar esses temas com diverso material o resto da minha carreira. Pessoalmente não me interessa ir em digressão e tocar um disco do início ao fim todas as noites; primeiro porque se torna aborrecido para a própria banda e, depois, porque a partir do primeiro concerto o público já sabe exactamente o que esperar de nós. Dá-me bastante mais gozo saber que, quando vão a um espectáculo meu, as pessoas estão à espera do inesperado… Acho que, felizmente, o meu público sente o mesmo.

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